Capítulo 7 - Só os mais fortes sobrevivem

André havia chegado ao fim da sua jornada. "Travou o bom combate" e agora descansava em paz. Ou, pelo menos, era isso que os que ficaram precisavam acreditar para conseguir seguir em frente e suportar a ausência do ente querido.

Embora o funeral tenha transcorrido sem sobressaltos ou escândalos, as surpresas — nada agradáveis — chegaram com alguns dias de atraso.

— Eu não acredito nisto! — Sheila vociferava, andando de um lado para o outro em sua suíte agora organizada e impecável, sem os colchões espalhados e aquele ambiente pesado de morte.

— Não sei por que estás tão admirada, Sheila — disse Denise, deitada confortavelmente na cama, parcialmente perdida nas redes sociais, com um tom despreocupado.

— Vieram à minha casa, comeram e beberam, e depois me mandam uma intimação? — Sheila gritava, como se os responsáveis por sua fúria pudessem ouvi-la.

— Não te preocupes, só precisas de um bom advogado e esse processo será arquivado no mesmo instante.

— Esqueceste que eu não tenho como mexer num tostão sequer sem a habilitação de herdeiros nas mãos. O dinheiro que tenho é para aguentar as contas até lá. Não poderei pagar um bom advogado sem prejudicar o resto das contas — confessou Sheila, sentando-se desanimada na poltrona em frente à cama.

— E eu que pensava que a vida de madame era sempre fogos de artifício e champanhe — Denise falou em tom de deboche, revirando os olhos.

— Em minha defesa, eu nunca quis esta vida de madame. As circunstâncias conspiraram contra mim, ou te esqueceste?

— Como poderia esquecer? Até hoje sinto meu sangue ferver só de lembrar a forma humilhante e injusta com que foste demitida.

Denise havia tomado as dores da amiga quando Sheila foi dispensada injustamente, vítima da vingança da patroa. Tudo porque o marido dela começara a mostrar um interesse acima do normal por Sheila. Mesmo sendo casada e não alimentando os avanços, nada adiantou, e no fim ela acabou na rua.

Tentou procurar outro emprego, mas o mercado de trabalho era um campo de batalha selvagem. Depois veio a gravidez, que se provou de risco, obrigando-a a ficar de repouso praticamente toda a gestação. Com o nascimento das gêmeas, André sugeriu que ela ficasse em casa cuidando das crianças, pois ele era capaz de arcar com todas as despesas.

Sheila estava apaixonada e viu a sugestão do marido como prova de que, afinal, ele se importava com ela; que, mesmo sem amá-la, havia um sentimento nobre em seu coração dirigido a ela. Os anos passaram, e ela tornou-se a "Madame", como Denise a chamava. Não estava nos planos, simplesmente aconteceu. Mas agora, com a morte de André, a justiça decidiria a partilha de bens, já que ele tinha um filho do primeiro casamento. Até lá, Sheila estava de mãos e pés atados, presa a uma situação desconfortável e incerta.

- — E agora a família de André me acusa de ter matado meu marido para me apoderar dos bens, e eu não tenho como pagar um advogado.

Denise a olhou por um instante, fazendo uma expressão pensativa.

— André não tinha um advogado? Podias pedir ao advogado dele para te representar e, depois que a habilitação sair, tu lhe pagas.

— Fora de questão — respondeu Sheila, sem hesitar.

— Por quê? Acredito que fosse alguém em quem ele confiava e que não deixaria a mulher dele na mão.

— É a Luana — esclareceu Sheila, fazendo Denise soltar um longo suspiro.

— Bem, também podes pedir a ela. Devia ser um serviço gratuito depois de todo o sofrimento que te causou.

Sheila não respondeu, mas a ideia se instalou em sua mente. Talvez não fosse tão má ideia pedir que Luana resolvesse o assunto. Talvez ela o fizesse em consideração a André. A verdade é que não podia ficar de braços cruzados quando ameaçavam tirar-lhe tudo e deixá-la na rua com duas crianças. Por suas filhas, teria de deixar o orgulho de lado e buscar auxílio o mais rápido possível.

Depois que Denise foi embora, Sheila dirigiu-se ao escritório que André usava quando trabalhava de casa e começou a vasculhar, procurando um cartão de visita ou documento com os contatos e o endereço do escritório onde Luana trabalhava. Após quase meia hora, encontrou o que procurava. Saiu disparada para se preparar e ir ao encontro dela.

Enquanto conduzia, ensaiava o discurso para convencer Luana a representá-la. Mas, ao estacionar o carro em frente ao edifício, a dúvida tomou conta.

— Tuas filhas precisam que sejas forte — murmurou para si mesma, tentando reunir coragem para sair do carro e fazer o que devia.

Respirou fundo uma, duas vezes, abriu a porta e saiu.

O escritório de advogados funcionava no quinto andar de um edifício alto e imponente no centro da cidade. O prédio, revestido de vidro espelhado e aço escovado, exalava modernidade e luxo. No térreo, placas elegantes em metal escuro exibiam os nomes e logos das empresas, indicando os andares correspondentes. Sheila entrou no elevador com mais duas pessoas, mantendo-se discretamente ao fundo para passar despercebida. Os outros dois, aparentando se conhecer, conversavam animadamente, mas Sheila estava tão nervosa que mal conseguia captar as palavras.

Quando o elevador parou no quinto andar, ela percebeu que não havia apertado o botão do seu destino. Os dois passageiros saíram, e alguns segundos depois, ela fez o mesmo.

O corredor era amplo e iluminado por luzes embutidas no teto, com paredes em tons neutros e um piso de mármore claro que refletia a luz com sofisticação. No final do corredor, atrás de duas portas de vidro deslizantes, estava a recepcionista. Na parede atrás dela, o nome da firma de advocacia reluzia em letras grandes de bronze polido, destacando-se contra a parede branca imaculada.

As portas se abriram automaticamente quando Sheila se aproximou, e a recepcionista recebeu-a com um sorriso acolhedor, transmitindo profissionalismo e cordialidade, sinal claro do padrão de excelência que a firma mantinha.

— Boa tarde, em que lhe posso ajudar? — a recepcionista falou primeiro, com um sorriso profissional.

— Hm... gostaria de falar com a senhora Luana — a voz de Sheila saiu trêmula, e ela se repreendeu por não conseguir controlar o nervosismo.

— Tem uma reunião agendada?

— Não — hesitou por um instante, soltando um longo suspiro antes de continuar —. Diga que é a Sheila Dias, por favor.

— Um minuto — respondeu a recepcionista, discando uma série de números e falando em voz tão baixa que Sheila não conseguiu captar as palavras.

De repente, uma voz grave e masculina interrompeu o silêncio, fazendo Sheila se virar. A poucos metros, em um espaço reservado com poltronas de couro escuro e uma mesinha de centro em vidro fosco, um homem estava sentado, observando-a com um olhar penetrante.

Ele levantou-se com elegância, ajeitou o casaco escuro de corte impecável, fechando um dos botões com precisão, e se aproximou dela com uma confiança quase desafiadora.

— Rafael — disse, estendendo a mão com um sorriso largo e audacioso.

Sheila olhou para a mão estendida, mas permaneceu imóvel, sem dizer uma palavra ou mover um músculo.

— Sou inofensivo — acrescentou ele, o sorriso se alargando ainda mais, irradiando uma mistura de mistério e atrevimento.

Ela aceitou o aperto de mão apenas por educação, embora algo dentro dela avisasse que aquele homem poderia trazer complicações.

— Senhora Sheila, ela vai vê-la em cinco minutos — informou a recepcionista, enquanto Sheila finalmente retirava a mão do aperto que já durava tempo demais e se preparava para responder.

— Obrigada.

— Pelos vistos, sou o único que ela não quer ver. Foi um prazer, Sheila. Espero vê-la novamente em breve — disse Rafael, virando-se para sair, mas deu apenas um passo antes de voltar.

— Não sou um homem que confia na sorte, então me desculpe pela ousadia — falou, aproximando-se novamente —. Posso ter o seu contato? Não costumo fazer isso, mas... há algo em você que não consigo explicar.

— Hm, não costumo dar meu contato a estranhos — respondeu Sheila, mantendo a educação na voz.

— Que pena. Às vezes, é preciso dar um salto de fé, atrever-se. Perdemos grandes oportunidades por causa dessas regras que a sociedade nos impõe e que aceitamos sem questionar. Espero conseguir seu contato na próxima vez que nos cruzarmos. Não seremos mais estranhos, certo?

Antes que Sheila pudesse responder, a recepcionista a chamou, pedindo que a acompanhasse até o gabinete de Luana. Sem hesitar, Sheila seguiu a mulher pelo corredor, tentando organizar na mente o discurso que ensaiara durante o trajeto, enquanto sentia o olhar firme e enigmático de Rafael ainda a acompanhá-la de longe.

Quem diria que um dia ela pediria ajuda a Luana, a mulher que seu marido amava — aquela mesma mulher que, por causa desse sentimento, nunca lhe deu sequer a chance de conquistar o coração de André. Como a vida dá voltas, surpreendendo e desafiando até os mais profundos ressentimentos. 

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