Liana Fontenelle narrando
Por quanto tempo deixaremos as pessoas matarem nossos sonhos ou zombar deles? Sempre fui mais de família do que de festa. Isso não significa que eu não saiba aproveitar, mas sempre preferi os momentos quietos aos barulhentos. Tenho 23 anos. Há poucos meses, me formei em Medicina e, depois de tudo o que aconteceu, decidi embarcar em uma aventura inesperada: um intercâmbio de cinco meses. Não planejei nada, apenas arrumei as malas e fui. E vivi como nunca. Nova York me pareceu pequena diante de tudo o que experimentei por lá. Fora, vivi coisas que me privei de fazer por muito tempo. Beijei na boca, sim, mas nada além disso. Em todas as oportunidades que tive de virar um gin ou qualquer bebida alcoólica, eu virei. Mas vamos ao começo. Conheci alguém ainda no maternal. Crescemos juntos, e a amizade se transformou em algo maior. Na minha festa de quinze anos, ele se declarou. Eu, entre surpresa e emoção, percebi que também não o via apenas como amigo. Foi ali que começamos nossa história. Tínhamos planos: noivar aos vinte, casar aos vinte e dois e, aos vinte e cinco, ter nosso primeiro filho. O tempo passou. Nove anos de namoro e ainda estávamos parados no mesmo lugar. Não, eu não sou louca; ele alimentava meus sonhos e até mesmo dizia sobre os seus, que, por incrível que pareça, eram iguais aos meus. Ou ele apenas dizia o que eu queria ouvir?! …até que, em um almoço de família, a tia dele soltou a pergunta que todo mundo já esperava ouvir: — E o casamento, quando sai? Sorri de canto, esperando ouvir dele aquilo que planejávamos desde a adolescência. Mas a resposta veio como um balde de água fria: Léo:Ah, tia… a gente ainda está se conhecendo. Temos muito o que viver ainda. Naquele instante, o chão pareceu fugir dos meus pés. Nove anos. Nove anos de planos, promessas e sonhos compartilhados. E, para ele, ainda estávamos “nos conhecendo”. Papai foi o primeiro a levantar da cadeira, fazendo com que ela fosse ao chão. Todos estavam tão surpresos quanto eu. Almir: Você tem coragem de dizer uma coisa dessas? Papai é muito grande, loiro, assim como eu. Seu corpo, coberto por tatuagens, e sua voz alterada parecem ser maiores ainda. Uma discussão no meio do restaurante começou: a família do meu namorado, na verdade ex, agora. Almir:Ah, Léo… francamente, que decepção. — sua voz era firme, mas carregava um tom de escárnio elegante. — Você praticamente morou sob o meu teto, usufruiu do meu dinheiro — o que, convenhamos, não é algo que me preocupe, visto que nunca me faltou —, conheceu minha filha desde que ela era uma criança… e agora vem me dizer que “ainda estão se conhecendo” e, portanto, não se casaram? — pausou, olhando-o de cima a baixo, com aquele ar de quem julga cada gesto. — Simplesmente inacreditável. Num movimento abrupto, meu pai contornou a mesa e segurou Léo pelo colarinho da camisa polo, erguendo-o com um leve impulso, como quem levanta um objeto indesejado. Miguel:Vai, pai! Mostre a ele quem realmente comanda! — exclamou meu irmão, cheio de entusiasmo. Eu permanecia parada, uma observadora impotente no meio do drama. Minhas mãos tremiam, mas minha voz se perdia em silêncio. Lizeth:Chega. — disse minha mãe, a voz fria e impecavelmente controlada, cortando o ambiente como uma lâmina. — Ninguém será agredido. Ela se aproximou do meu pai e, com uma mistura de delicadeza e autoridade, fez com que ele soltasse Léo. Lizeth:Léo, estou… sinceramente decepcionada. — ela o fitou com os olhos semicerrados, a voz carregada de reprovação elegante. — Jamais esperaria que você se comportasse de maneira tão… inadequada. Meu pai recuou alguns passos, limpando a garganta, mas o ar de superioridade e ironia ainda pairava no ambiente, como se a humilhação tivesse sido apenas um aperitivo. Léo ajeitou o colarinho da camisa, com um gesto lento e calculado, como quem não queria conceder à cena a gravidade que todos esperavam. Seu olhar percorreu a sala, pousando ora em meu pai, ora em minha mãe, até encontrar o meu, onde se demorou por um instante. Léo:Com todo o respeito, senhor Almir… — disse, a voz calma, mas carregada de uma firmeza inesperada. — Eu não sou, nem nunca fui, um oportunista à sombra da sua fortuna. Se vivi sob o seu teto, foi porque a sua família sempre me abriu as portas. E se não me casei ainda com sua filha, é porque acredito que casamento exige algo mais do que pressa e convenção social. Ele respirou fundo, endireitando os ombros, como se recuperasse cada centímetro da dignidade que meu pai tentara arrancar. Léo:Não vou aceitar que me acuse de ingratidão, ou que me trate como um intruso na vida da sua filha. Ela não é um troféu a ser exibido nem uma transação a ser concluída. — seus olhos se estreitaram, mirando diretamente o de meu pai. — Eu a respeito demais para isso. Um silêncio pesado se instalou na sala, como se cada palavra tivesse sido cuidadosamente colocada sobre uma mesa de cristal. Miguel:Arrogante… — murmurou meu irmão, cruzando os braços. — Ainda tenta se passar por honrado. Lizeth:Basta, Miguel. — cortou minha mãe, em tom seco. Ela voltou-se novamente para Léo, com uma expressão mais controlada, embora a decepção ainda lhe tingisse o rosto. Lizeth:As palavras são belas, Léo, admito… — ela inclinou levemente a cabeça. — Mas espero que, algum dia, sejam acompanhadas por atitudes à altura. Meu pai apenas sorriu de canto, um sorriso que mais parecia uma ameaça velada, e serviu-se de um gole de vinho, como se a discussão tivesse sido apenas um espetáculo para animar a noite. Lizeth:Filha, quero que saiba que, independente da sua decisão, estaremos sempre ao seu lado. Mas também desejo que compreenda algo: você merece muito mais do que esperar nove anos por um casamento, por um futuro que deveria ter sido construído com clareza desde o início. Quem realmente deseja, faz; não posterga indefinidamente. A vida é curta, Liana… e se esvai num piscar de olhos. Respirei fundo e me levantei, sentindo os olhos de Léo me acompanharem. O sorriso de escárnio — aquele mesmo que ele exibia quando queria se afirmar superior a todos — surgiu em seus lábios, quase me provocando a fraquejar. Liana:Eu estou… surpresa. — minha voz saiu firme, embora o coração pulsasse em descompasso. — Ou talvez cega. Porque esse Léo que vejo aqui, diante de todos, é completamente diferente do homem que conheço em particular. E, sabe de uma coisa? Estou aliviada que tenha se revelado agora… antes que eu cometesse loucuras das quais me arrependeria depois. Olhei-o nos olhos, sem tremer. Liana: Se nove anos não foram suficientes para você enxergar que poderíamos ir além de um namoro, então está tudo bem. Lamento apenas não poder voltar atrás… porque, se pudesse, jamais teria aceitado seu pedido. — fiz uma breve pausa, respirando fundo. — Enfim, cada um segue o seu caminho. Só quero que saiba: essa decepção não me fará desacreditar que eu mereço, sim, um casamento e uma família feliz. Meu pai se aproximou, fechando o botão do terno com um gesto imponente. Ao meu lado, Miguel já se posicionava, como um escudeiro pronto para a saída. Almir:Pois bem… creio que o almoço terminou. — disse, com um sorriso debochado. — Espero, ao menos, que tenham condições de pagar a conta. Ele estendeu a mão à minha mãe, chamando-a com aquele olhar de posse e ironia disfarçada de cortesia. Almir: Vamos, minha deusa. Minha mãe apenas assentiu, erguendo-se com a elegância de quem domina o ambiente. O salto agulha ressoava a cada passo firme, acompanhando o caimento impecável de seu vestido preto. Eu, por minha vez, vestia meu rosa delicado na altura da coxa, combinando com o salto que sustentava a postura firme. Meus longos cabelos, em ondas suaves, caíam em um baby liss perfeito, como se a cena fosse uma peça cuidadosamente ensaiada. Miguel estendeu-me a mão, e juntos seguimos em direção à saída do restaurante. Atrás de nós, ouvi meu pai murmurar ao destravar o carro, com aquele tom de desprezo que lhe era característico: Almir:Bando de urubus… O carro deslizou silencioso pela avenida arborizada, os vidros fumê escondendo qualquer vestígio da tempestade que havia acontecido no restaurante. Meu pai estava ao volante, com a expressão altiva de quem acreditava ter vencido uma batalha. minha mãe ajeitava a barra do vestido sobre as pernas cruzadas, enquanto Miguel, no banco de trás ao meu lado, parecia ainda agitado. Almir:Eu avisei. — disse, rompendo o silêncio com sua voz firme. — Esse rapaz nunca passou de um aproveitador com boas maneiras. Sabe sorrir, sabe vestir-se, sabe se portar… mas no fundo, é vazio. Miguel: Sempre achei ele um farsante. — acrescentou de imediato. — Nove anos jogando charme, fingindo ser perfeito… e agora mostra quem é de verdade. Respirei fundo, olhando pela janela. A cidade parecia indiferente ao que se passava dentro daquele carro. Liana:Não é tão simples assim… — murmurei. — Por anos, ele foi atencioso, cuidadoso, alguém em quem eu acreditava. Talvez eu tenha sido cega, talvez tenha me apegado a uma versão dele que só existia para mim. Minha mãe se virou suavemente em minha direção, sua voz serena, porém carregada de firmeza: Lizeth: Filha, não confunda atenção com compromisso. Há homens que sabem conquistar pela doçura, mas nunca pretendem entregar a essência. Você deu a ele nove anos da sua juventude, nove anos que não voltam. Não lamente o término, celebre o desmascaramento. Meu pai soltou uma risada curta, quase debochada, sem tirar os olhos da estrada. Almir:Bem dito, minha deusa. — em seguida, olhou rapidamente pelo retrovisor, fixando em mim seu olhar de comando. — Liana, escute sua mãe. Um homem que hesita em lhe dar o nome, em selar a união, não merece um segundo a mais da sua vida. Miguel, ainda fervendo, completou: Miguel: E se ele ousar se aproximar de novo, juro que não haverá conversa. Lizeth:Miguel! — repreendeu-o de imediato, mantendo o tom elegante, mas firme. — Não se trata de violência. Trata-se de limites. Eu permaneci em silêncio por alguns instantes, absorvendo cada palavra. Parte de mim ainda doía, mas outra parte… se sentia estranhamente livre. Liana: Talvez… talvez vocês estejam certos. Talvez eu tenha me prendido a uma promessa que nunca existiu. Mas, se for assim… a partir de hoje, quero começar a escrever uma nova história. O silêncio que se seguiu foi diferente: não pesado, mas solene. Um pacto não dito parecia ter sido firmado naquele carro. Meu pai acelerou, deixando para trás não apenas o restaurante, mas também nove anos de ilusões. Será que eu estava sendo dramática demais, pedindo demais? Será que eu realmente deveria ter terminado aquele namoro? Eu não estava sabendo respeitar as decisões do meu parceiro, mas também, quanto tempo eu teria que esperar? Eu acho que o que mais pesou foi ele ter falado que a gente estava apenas se conhecendo. Depois de duas semanas eu contei em casa sobre minhaviagem, o silêncio se espalhou pela sala. Meu pai, que sempre foi meu porto seguro, abaixou devagar o jornal e me encarou com aqueles olhos que misturavam surpresa e medo. Almir :Filha… Nova York? Cinco meses? Sozinha? — a voz dele não saiu alta, mas carregada de preocupação. Sentei ao lado dele no sofá, segurei sua mão e, pela primeira vez, senti que precisava ser firme. — Pai, eu preciso disso. Preciso me reencontrar, viver algo só meu. Se eu não for agora, vou me perder de mim mesma. Ele respirou fundo, como quem lutava entre a vontade de me proteger e a de me deixar voar. Passou a mão no rosto e ficou em silêncio por alguns segundos, antes de sussurrar: Almir: Você sempre foi minha menina. Eu só tenho medo de que o mundo lá fora te machuque. Meu coração apertou, e as lágrimas arderam nos olhos. Apertei a mão dele com força. Liana:Eu também tenho medo, pai. Mas preciso aprender a ser forte, por mim mesma. Ele me puxou para um abraço demorado, e naquele instante eu soube que, mesmo partindo, nunca estaria sozinha. Minha mãe foi mas tranquila mamãe sempre topa tudo e concorda sempre embora seja mas pé firme e meu pai mas eu os amo muito. Alguns dias depois, com a bênção silenciosa deles e o coração dividido entre dor e coragem, embarquei rumo a Nova York.