Mundo ficciónIniciar sesiónPov. Ethan
O som do relógio da sala de reuniões era o único ruído que se impunha no silêncio da manhã. Eu estava sentado à cabeceira da mesa, revisando contratos que pareciam intermináveis. Nada fora do comum — apenas mais um dia de decisões, números, estratégias. O mundo dos negócios é previsível, e eu sempre gostei disso. A previsibilidade dá poder.
Mas desde que Isabella Duarte voltou à minha vida, nada tem sido previsível.
Não importava o quanto eu tentasse ignorar, ela estava em cada canto da minha mente. O som da voz dela, o perfume sutil que deixava pelo corredor, o olhar que misturava desafio e doçura. Era como se o passado tivesse decidido cobrar sua dívida, e eu não tivesse mais como fugir.
Eu me inclinei para trás na cadeira e fechei os olhos por um instante. Na minha cabeça, a imagem dela surgia com clareza absurda — os mesmos olhos determinados de antes, mas agora mais maduros, mais intensos. Isabella sempre foi a única capaz de me tirar do eixo. E, ironicamente, é exatamente isso que ela volta a fazer agora, dentro da minha própria empresa.
Um toque na porta me trouxe de volta à realidade.
— Sr. Moretti? — a voz dela soou firme, mas suave. — Aqui estão os relatórios de despesas da filial de Milão.
— Entre. — respondi, controlando o tom.
Ela entrou, caminhando com aquela postura que parecia ter sido ensaiada — firme, mas delicada. Colocou os papéis sobre a mesa e esperou, como se calculasse cada respiração. O controle dela me fascinava… talvez porque eu soubesse o quanto isso custava a ela.
— Obrigado, Srta. Duarte. — murmurei, sem levantar o olhar. — Pode deixar aí.
Ela hesitou por um segundo. Eu percebi. Sempre percebo.
— Mais alguma coisa, senhor?
Levantei os olhos, e por um instante, o tempo pareceu se suspender. Os olhos dela encontraram os meus, e aquele olhar… aquele maldito olhar me atingiu como uma lâmina.
— Não. — respondi, rápido demais. — Pode ir.
Mas ela não se moveu de imediato. E isso foi o suficiente para me desarmar.
Na noite anterior, havíamos ultrapassado uma linha. Eu toquei nela — mesmo que por um instante — e o mundo inteiro pareceu parar. Ainda consigo sentir o calor da pele dela sob meus dedos, a tensão, o silêncio que gritou entre nós. Foi um erro. Um erro que eu repeti mil vezes na minha cabeça desde então.
Quando a porta se fechou atrás dela, soltei um suspiro que vinha preso no peito desde que ela entrou. Passei as mãos pelo cabelo, tentando focar novamente nos números, mas não adiantava. Isabella era a única variável que eu nunca consegui controlar.
Ao meio-dia, o telefone vibrou. Helena, minha noiva, queria confirmar o jantar de gala da noite seguinte. A lembrança da vida que construí — ou da imagem perfeita que insisti em manter — me trouxe de volta à realidade com brutalidade.
“Você tem uma vida definida, Ethan”, eu me disse mentalmente. “Uma carreira, uma reputação, um compromisso.”
Mas, por mais que tentasse acreditar nisso, bastava um segundo com Isabella por perto para tudo ruir.
— Sr. Moretti, o senhor tem um minuto? — a voz dela veio do outro lado da porta, novamente.
— Entre. — respondi, mais calmo agora.
Ela entrou com uma pasta azul nas mãos. O cabelo preso, a expressão focada. Mas havia algo diferente: um brilho nos olhos que eu não conseguia decifrar. Determinação? Raiva? Ou algo entre os dois?
— Precisamos rever a programação de amanhã. — disse ela, colocando a pasta sobre a mesa. — O senhor tem um conflito de horário entre a conferência da diretoria e o evento de caridade.
— O evento de caridade é com Helena. — respondi, sem olhar para os papéis.
— Sim, senhor. Mas se preferir, posso pedir para o departamento de relações públicas representar o senhor.
Ergui os olhos, curioso. — Está sugerindo que eu falte a um evento público importante?
— Estou sugerindo que o senhor faça o que achar melhor. — respondeu ela, fria, mas com algo ardendo nas entrelinhas.
Havia desafio na voz dela. E, como sempre, isso me provocava.
Levantei-me e dei a volta na mesa, aproximando-me até ficar perto demais. Ela manteve o queixo erguido, os olhos fixos nos meus. Isabella nunca se intimidou — e talvez fosse por isso que eu nunca consegui esquecê-la.
— O que está tentando provar, Srta. Duarte? — perguntei, baixo, a voz carregada de tensão.
— Nada, senhor. Só fazendo meu trabalho.
— Seu trabalho… — repeti, com um sorriso discreto. — Interessante como você fala isso, como se quisesse me convencer — ou convencer a si mesma.
Ela desviou o olhar, mas não deu um passo para trás. — Com licença, Sr. Moretti. Tenho muito o que fazer.
— Isabella. — chamei, antes que ela alcançasse a porta.
Ela parou.
— Eu pedi que me chamasse de Srta. Duarte no trabalho.
— E fora dele? — perguntei, sem pensar.
O silêncio que se seguiu foi um golpe. Ela hesitou, depois respondeu, quase num sussurro:
— Fora dele… não existe nada.
A porta se fechou. E eu fiquei ali, sozinho, sentindo o eco das palavras dela me atravessar.
O dia passou, mas eu não consegui tirar Isabella da cabeça. Cada vez que via seu nome nos e-mails, cada vez que ouvia a voz dela pelo interfone, algo em mim se partia um pouco mais.
Por volta das oito da noite, o escritório já estava vazio. Eu ainda estava na sala, revisando uma proposta internacional, quando ouvi passos no corredor. Não precisei olhar para saber que era ela.
— Ainda aqui? — perguntei, sem levantar os olhos.
— Sim, senhor. Estou finalizando o relatório de investimentos.
— Você não sabe parar, não é? — disse, com um meio sorriso.
— Aprendi com o melhor. — respondeu, sem hesitar.
A sinceridade dela me pegou de surpresa. Eu fechei o notebook e a observei por alguns segundos. A forma como ela se concentrava, o jeito como o cabelo escapava do coque e caía sobre o rosto. Tudo nela me puxava para perto, mesmo quando eu lutava contra isso.
— Isabella. — chamei de novo, mais baixo dessa vez.
Ela levantou o olhar.
— Sabe o que mais me irrita em você? — perguntei, cruzando os braços. — É que, mesmo depois de tudo, ainda me afeta.
Ela piscou, surpresa. — Isso é um problema seu, Sr. Moretti.
— É, eu sei. — respondi, dando um passo à frente. — Mas você também sente.
— Está enganado.
— Estou? — perguntei, agora a centímetros dela. — Então olhe nos meus olhos e diga que nada mudou.
Ela me olhou. E não disse nada.
O silêncio foi resposta suficiente.
Por um segundo, cheguei a me mover, a estender a mão, a quase tocá-la — mas ela deu um passo para trás, firme.
— Eu não sou mais aquela garota, Ethan. — disse, firme. — E você não é mais o homem que eu amei.
Essas palavras me atingiram como um soco. Mas o pior é que, parte de mim, sabia que ela estava certa.
— Então por que parece lutar tanto contra o que sente? — perguntei, tentando esconder a dor na voz.
— Porque eu aprendi que sentimento nenhum paga o preço de ser destruída.
Ela se virou e saiu antes que eu pudesse responder.
Fiquei ali, imóvel, olhando para o reflexo da cidade na janela. Ela tinha razão. Eu a destruí — por medo, por ambição, por covardia. E agora, ironicamente, era eu quem vivia em ruínas por dentro.
Meu celular vibrou sobre a mesa. Helena.
“Estou com saudades. Amanhã te vejo no jantar.”
Olhei para a tela por alguns segundos, sem responder. A culpa me consumia, mas o coração teimava em correr para outra direção — a mesma que levava até Isabella Duarte.
Apaguei a tela e me joguei na cadeira, passando as mãos pelo rosto. O homem que o mundo conhecia — o CEO implacável, o empresário frio e racional — estava em guerra com aquele que só sabia pensar em uma mulher que não deveria mais desejar.
Mas quanto mais eu tentava me afastar, mais ela se tornava impossível de ignorar.
E, no fundo, eu sabia: essa história estava longe de acabar.







