Não trocamos nenhuma palavra que não seja profissional. Mas quando ele me olha — quando diz meu nome daquele jeito — é como se falasse direto com algo que mora quieto dentro de mim, num lugar que eu mesma evito tocar. É avassalador.Essa atração que sinto por ele... não é qualquer coisa. Não é só o físico, embora meu corpo reaja como se conhecesse o dele há milênios. É o jeito que ele me observa, com precisão e contenção. Como se me estudasse. Como se me desafiasse. Como se me… admirasse.E por mais que eu tente racionalizar, fingir que é apenas respeito profissional, que Raul é apenas um chefe exigente e atento, há algo em mim que sabe. Que sente.Entre nós há algo mais.Uma tensão quieta. Um campo invisível que vibra quando ele entra na sala. Um jogo mudo que nenhum dos dois nomeia — mas que ambos jogam.E o que mais me atrai talvez seja isso: o que ele esconde. O que nunca diz.Porque parte de mim quer ser a primeira a quebrar esse silêncio.Ou ser vencida por ele.AnnaA noite che
Dois dias depois...AnnaNa noite passada, antes de dormir, repeti para mim mesma como um mantra: "Você vai manter o foco. Você vai trabalhar. Nada de olhares, nada de devaneios."Eu precisava me proteger.Dele.De mim mesma.Dessa coisa que cresce em silêncio e que eu não consigo nomear.Mas agora, aqui, sentada na sala de conferências, rodeada pelas líderes regionais da Beleza Ibérica, sinto o controle escorregar pelos meus dedos.Rafael deveria estar aqui há pelo menos vinte minutos. A sala está cheia, o clima é de tensão disfarçada em sorrisos educados, e as anotações que organizei com tanto cuidado começam a parecer desnecessárias diante do vazio onde deveria estar o anfitrião da reunião.Helen entra e me lança um olhar rápido — como quem já perdeu a paciência e está prestes a tomar providências.— Vou ligar para o Raul — ela diz baixinho, antes de sair novamente com o celular na mão.Meu estômago se contrai. Eu sabia. Desde o momento em que Rafael não respondeu às mensagens pela
— Ele ficou irritado? — pergunta, a voz carregada de uma curiosidade que eu não consigo entender.Eu olho para ele, tentando discernir o que está por trás daquela pergunta. Pela primeira vez, vejo uma fissura na fachada de despreocupação que Rafael costuma exibir.— Não demonstrou — respondo, observando sua reação. — Pelo menos não diretamente. Ele simplesmente tomou a frente e conduziu a reunião.Rafael solta uma risada curta, sem humor, balançando a cabeça, como se tentasse afastar um pensamento desconfortável.— Ótimo.De repente, ele se levanta, ajeitando a tipoia com cuidado, como se tivesse tomado uma decisão interna.— Vou falar com ele. Não posso deixar isso passar assim.Olho para ele, surpresa pela determinação no tom de sua voz. Não é como Rafael se comportar. Normalmente, ele seria o tipo de pessoa que deixaria as coisas rolarem. Mas agora, algo mudou.— É uma boa ideia — digo, ainda tentando processar a mudança repentina.Ele acena com a cabeça, e antes de sair, vira-se p
Dia seguinte....AnnaO relógio já passa das dez e dez quando a angústia começa a tomar conta de mim. Rafael prometeu passar para me buscar às nove e quarenta e cinco. A visita ao novo parceiro comercial é importante — ele mesmo disse isso ontem. Mas agora, quase meia hora depois, nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Nada.O sol está inclemente, e eu continuo aqui, parada na entrada do prédio da empresa, tentando não parecer desesperada. O calor na calçada é sufocante, o salto já machuca meus pés, e o estômago vazio começa a gritar, avisando que não aguento mais. Respiro fundo, tentando manter a postura, mas o mal-estar se espalha como uma corrente elétrica pelo meu corpo, paralisando meus sentidos.A tontura vem de repente, como um vendaval.A visão embaça, o chão parece mais longe do que deveria, e, antes que eu consiga me apoiar na parede, sinto minhas pernas falharem. O mundo parece girar ao meu redor, um turbilhão de cores e formas que não consigo processar. Vou cair. Sei disso.—
De volta à empresa, o relógio marca quase seis. O salto ainda machuca meus pés, mas agora carrego algo diferente do que tinha de manhã: a sensação de dever cumprido.A reunião foi um sucesso. Rafael se superou, e eu consegui acompanhar, mesmo com o corpo ainda fraco e o coração descompassado pelas emoções do dia. Organizo meus relatórios em silêncio, tentando recuperar alguma ordem dentro de mim, quando escuto a porta se abrir devagar.Levanto os olhos.É ele.Raul.Parado na entrada da sala com as mãos nos bolsos, a expressão contida, mas os olhos... os olhos não disfarçam nada.— Vim ver se você está bem.Minha respiração falha por um segundo. O corpo ainda lembra o toque dele mais cedo, a firmeza com que me segurou, o calor do paletó em meus ombros.Assinto, com um sorriso pequeno, mas verdadeiro.— Estou, sim. Obrigada por mais cedo. De verdade.Ele se aproxima. Os passos são firmes, mas há hesitação neles. Como se cada um carregasse o peso do que ele sente, mas não pode dizer.—
Horas depois, a noite....RaulO restaurante ao nosso redor é um refúgio de elegância discreta, mas nada aqui combina com a confusão que me domina por dentro. O aroma delicado das especiarias, as velas tremulando suavemente, tudo parece estar em um ritmo oposto ao do meu coração, que bate pesado e fora de compasso.Dara está na minha frente, tão luminosa, tão cheia de vida, mesmo que a doença insista em desafiá-la. Ela fala sobre a quimioterapia como se fosse apenas mais um detalhe do dia, um item a ser riscado na lista de afazeres. Sua coragem me espanta, a forma como consegue encontrar graça até nos momentos mais sombrios. Ela ri ao contar sobre uma enfermeira desastrada, e eu tento me conectar, tento estar ali por ela.Mas minha mente é uma traição constante. Por mais que eu me esforce, ela vagueia para longe, para outro lugar, outra pessoa.Anna.Eu deveria me sentir envergonhado, culpado e sinto. Mas a culpa não apaga a intensidade do que carrego dentro de mim. Desde aquela entre
Aquilo me desmonta por dentro. A garganta fecha, como se engolir as palavras exigisse força demais.— Sim... e ele quis me ajudar. Sem me contar. Eu não sabia que ele estava por trás desse emprego — confesso, num sussurro. — Como se ainda precisasse me proteger.— Porque precisa. — Rafael me encara, firme. — E não tem nada de errado nisso. É o jeito dele de continuar sendo seu herói, mesmo cansado. Mesmo doente.Fico em silêncio. Tentando absorver. E no meio de tudo isso, percebo que estou mostrando a ele um lado meu que quase ninguém vê. O lado que quebra. Que sente. Que sofre calado.E, por algum motivo que ainda não entendo... não me sinto exposta.Me sinto segura.Rafael sorri de leve. Mas é um sorriso de verdade agora, não aquele de fachada. Um sorriso que parece entender sem precisar dizer mais nada.— Vai para casa e descanse.Me levanto devagar. Quando passo por ele, paro por um instante, sem saber se digo ou não. Mas digo.— Obrigada... por me ouvir.Ele baixa o olhar por um
No fim da tarde, ouço batidinhas leves na porta. Reconheço de imediato. É Clara.Abro com um sorriso. Ela está com os cabelos presos num coque torto, as mãos cheias de sacolas de feira.— Trouxe umas frutas boas. Seu pai gosta de banana, né? — diz, entrando sem cerimônia.— Vai amar. Está comendo pouco, mas o que come, escolhe com carinho — respondo, pegando as sacolas.Ela vai até ele, se abaixa devagar ao lado da poltrona, segura sua mão com ternura.— E aí, campeão?Meu pai sorri, fraco, mas genuíno.— Continua aqui, firme. Só um pouco mais lento — brinca, tentando soar forte.Clara conversa com ele como se o tempo não tivesse passado. Como se ele ainda fosse aquele homem que a ajudava a consertar a torneira, carregar as compras, dar conselhos. E talvez, para ela, ele ainda seja. Eu observo de longe, sentindo o nó na garganta se formar de novo.Depois, enquanto ela me ajuda a organizar as compras na cozinha, fala baixo, com aquele olhar preocupado de sempre:— Tenho notado que ele