Capítulo 6 – O fundo do poço

O sábado amanheceu com um silêncio estranho. Helena acordou com a luz do sol invadindo o quarto, mas não ouviu a tosse da mãe. Por um instante, pensou que algo estava errado. E estava.

Correu até o quarto ao lado e encontrou a mãe deitada, pálida, com os olhos semicerrados e a respiração fraca. O corpo parecia menor, como se a dor tivesse consumido tudo o que restava.

— Mãe? — chamou, com a voz trêmula.

A mãe abriu os olhos com dificuldade.

— Está doendo... tudo.

Helena correu para pegar os remédios, mas a mãe não conseguia engolir. Tentou ligar para o hospital, mas a linha estava ocupada. Tentou chamar um táxi, mas nenhum atendia. Sentia o coração disparar, as mãos tremendo, a mente em colapso.

— Aguenta, por favor — dizia, enquanto tentava manter a mãe acordada.

Depois de vinte minutos de desespero, conseguiu um carro por aplicativo. Levou a mãe ao hospital, onde foi atendida com urgência. O diagnóstico era claro: o câncer havia avançado. E rápido.

— Ela precisa ficar internada — disse o médico. — O quadro é grave.

Helena assentiu, sem conseguir falar. Sentia o corpo gelado, a mente em branco. A mãe foi levada para a ala de cuidados paliativos, e ela ficou sentada na sala de espera, com os olhos fixos no chão.

Por horas, não se mexeu. Não chorou. Não pensou. Apenas ficou ali, como se o mundo tivesse parado.

À tarde, voltou para casa. A livraria estava fechada, e seu Álvaro havia deixado uma mensagem seca: “Se não vier hoje, não precisa voltar.”

Ela não respondeu. Não se importava. Não naquele momento.

Ao entrar em casa, tudo parecia mais escuro. O rádio estava desligado, a cortina parada, o silêncio absoluto. Sentou-se à mesa e encarou o caderno onde escrevia. Mas não conseguiu abrir.

Foi até o quarto da mãe e se deitou na cama dela. Sentia o cheiro dos remédios, o perfume fraco, a presença ausente. E ali, naquele espaço de dor, chorou como nunca havia chorado.

Chorou pela mãe. Pela infância. Pela culpa. Pela solidão. Chorou por Rafael. Por ter se afastado. Por ter bloqueado o número. Por ter acreditado que não merecia.

Chorou por si mesma.

No dia seguinte, voltou ao hospital. A mãe estava sedada, com tubos e aparelhos por todos os lados. O médico disse que ela estava estável, mas que o quadro era delicado.

Helena ficou ao lado da cama, segurando a mão da mãe. E pela primeira vez, falou.

— Eu tentei, mãe. Juro que tentei. Mas você nunca me deixou ser. Nunca me deixou respirar.

A mãe não respondeu. Mas Helena sentiu que precisava dizer.

— Eu te amo. Mesmo com tudo. Mas eu também preciso me amar. E eu não sei como.

Saiu do hospital com o coração em pedaços. Caminhou pelas ruas sem rumo, até parar em frente à livraria. Estava fechada. E ela sabia que não voltaria.

Sentou-se em um banco da praça próxima e olhou para o céu. Estava nublado, como se o mundo refletisse sua dor.

— Helena?

Ela virou o rosto e viu Rafael. Estava ali, parado, com os olhos preocupados e o corpo tenso.

— Você sumiu.

Ela não respondeu. Apenas olhou para ele, como quem pede socorro sem palavras.

Rafael se aproximou e sentou ao lado dela.

— Sua mãe?

— Está no hospital. O câncer avançou.

Ele assentiu, em silêncio.

— Eu bloqueei seu número — disse Helena, com a voz embargada.

— Eu sei.

— Me desculpa.

— Não precisa se desculpar. Só precisa deixar eu ficar.

Ela olhou para ele. Os olhos escuros, gentis, firmes.

— Eu não sei como lidar com isso. Com carinho. Com presença. Com você.

— Então deixa eu te ensinar.

Helena chorou. Ali, no banco da praça, com o mundo desabando, ela chorou. E Rafael a abraçou. Forte. Como quem segura alguém que está caindo.

Ficaram ali por horas. Sem pressa. Sem palavras. Apenas presença.

À noite, Rafael a acompanhou até o hospital. Ficou na sala de espera enquanto ela visitava a mãe. Depois, a levou para casa. Preparou um chá, colocou uma música suave, e sentou-se ao lado dela.

— Você não precisa ser forte o tempo todo.

— Eu não sei ser fraca.

— Ser fraca não é cair. É permitir que alguém te segure.

Helena olhou para ele e, pela primeira vez, acreditou.

Naquela noite, escreveu no caderno:

“Hoje, eu caí.

Mas alguém me segurou.

E talvez, pela primeira vez,

eu tenha sentido amor.”

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