O escritório Assunção & Assunção era conhecido pela elegância, discrição e pelo cheiro constante de café passado na hora. João Assunção, sócio-fundador, estava sentado à sua mesa de mogno, revendo um processo complexo quando Roberto entrou, sem bater, como sempre fazia.
— Bom dia, velhote. Dormiu bem ou passou a noite brigando com os fantasmas da Justiça brasileira?
— Dormi bem, por incrível que pareça. — João ergueu os olhos e deu um raro sorriso. — Mas quem me tirou o sono nos últimos tempos não foi nenhum juiz.
Roberto riu e se jogou na poltrona de frente pra mesa do pai.
— Ih, lá vem história.
— História, não. Confissão. — João disse, recostando-se. — Preciso te contar algo que nunca falei pra ninguém. E se tem alguém com quem posso dividir, é você.
Roberto se ajeitou, curioso.
— Vai, manda.
— Lembra daquela viagem que fiz à Grécia no verão retrasado?
— Claro. Você voltou bronzeado e mais leve. Pensei até que tinha arrumado um affair por lá.
— Foi exatamente isso. — João sorriu de lado, como um homem que revive mentalmente uma lembrança que o incendiava por dentro. — Conheci uma mulher... Uma jovem. Muito mais jovem que eu. Linda, dona de um sorriso doce e um corpo... bom, não vem ao caso. A conexão foi absurda, intensa. Quase primitiva. A gente se entendeu no olhar. E foi só uma noite, mas...
Ele fez uma pausa. Não era fácil admitir tanta vulnerabilidade, mesmo para o filho.
— ...mas ela me marcou, Roberto. Me fez sentir homem de novo. Vivo.
— Uau. — Roberto arregalou os olhos, impressionado. — E vocês trocaram contato?
— Nada. Nem nomes. Só sei que ela é brasileira, mora aqui no país, talvez até na mesma cidade. Mas nunca mais a vi.
— E se visse?
— Se ela aparecesse hoje na minha frente... — João encarou o filho com firmeza, sem hesitar. — ... eu largava tudo e me casava com ela. Sem pensar duas vezes.
Roberto soltou um riso surpreso, mas logo depois ficou sério.
— Sabe... fico feliz por ouvir isso. Desde que a mamãe morreu, você virou um homem fechado. Frio às vezes. Você merece ser feliz, pai. Merece viver outra grande história de amor.
— Obrigado, filho. — João estendeu a mão, e Roberto a apertou com carinho. — Só espero que o destino não tenha brincado comigo dessa vez.
E lá fora, pelas grandes janelas de vidro, o mundo seguia, alheio ao detalhe mais irônico de todos: o destino não só estava brincando... como estava prestes a unir aquelas histórias de uma forma impensável.
Depois de um expediente longo e cheio de reuniões arrastadas, Roberto encostou na porta da sala do pai com as mãos nos bolsos e aquele sorriso fácil que herdara da mãe.
— Que tal uma saideira hoje, hein, velhote? Um barzinho com música boa, gente interessante e uns drinks pra relaxar. Você tá precisando.
— Barzinho? — João arqueou uma sobrancelha, mas não recusou de imediato. — Com essas suas companhias modernas?
— Exato. Gente de todas as idades, não vai ser só jovem não. E, vai por mim... você vai se divertir.
João hesitou por dois segundos. O terno estava apertando, o cansaço pesava nas costas, mas a lembrança da jovem misteriosa ainda fervia em sua mente. Talvez distrair fosse bom.
— Tá. Mas só uma dose. E só porque você tá insistindo.
Meia hora depois, estavam acomodados em um bar animado da zona sul, com luz baixa, música dançante — um samba misturado com jazz — e gente bonita por todos os lados. Casais trocando sorrisos, mulheres rindo em grupos, homens encostados no balcão. Um lugar onde ninguém parecia se importar com idade ou status.
Assim que chegaram, uma moça de vestido justo e cabelos cacheados bateu os olhos em Roberto e soltou um sorriso de canto. Ele devolveu o olhar, cheio de intenção.
— Já volto, pai. — disse, inclinando-se discretamente. — A senhorita da mesa três me pareceu simpática.
João balançou a cabeça, achando graça. Puxou um banco no balcão e pediu uma dose de whisky sem gelo. Observava o filho se aproximar da moça, puxar conversa com aquele jeito descomplicado, como se tudo na vida fosse leve.
— Ele é bom nisso... — murmurou o senhor Assunção, quase com orgulho. — Puxou a mãe.
Enquanto isso, ao som de "Sampa" em versão acústica, João observava o bar através dos reflexos do copo. Casais se formavam, beijos furtivos aqui e ali, risadas se misturavam com batidas suaves.
Por um momento, ele fechou os olhos. A imagem do corpo quente de Alicia sob o seu voltava com nitidez. O cheiro, os gemidos, o gosto da juventude na boca. Ele nunca mais sentira nada parecido. Desde então, todas as mulheres com quem tentou algo pareciam pálidas comparadas a ela. Era como se ela tivesse acendido um fogo que ninguém mais soubesse alimentar.
E ali estava ele, sozinho com seu copo de whisky, admirando o filho aproveitar a noite como ele próprio fazia aos trinta. Mas havia algo em João que o impedia de se entregar de novo à noite, ao jogo da sedução, aos olhares. Era como se já tivesse encontrado o que buscava... e perdido logo depois.
O destino, no entanto, estava ali. Em algum lugar. Talvez a poucos passos. Talvez prestes a rir da cara dele mais uma vez.