Caíque
Eu a vejo antes que ela me veja. Está sentada em um banco da praça, no caminho entre a escola e o café onde trabalha, mexendo no celular, alheia ao mundo ao redor. O vento bagunça seus cabelos escuros, e um leve sorriso se forma em seus lábios quando lê algo na tela. Meu coração acelera. Cada vez que a encontro, é como se fosse a primeira vez.
Respiro fundo e caminho até ela, tentando ignorar o nervosismo que sempre me invade em sua presença. Ela levanta o olhar ao perceber que me aproximo e, por um breve instante, seu rosto se ilumina. Mas logo a hesitação retorna. Esse misto de felicidade e receio nos acompanha desde que começamos a nos envolver.
— Oi — digo, tentando soar casual, mas sei que minha voz entrega um pouco da ansiedade.
— Oi — responde, a voz suave, mas carregada de cuidado.
Sento-me ao seu lado, mantendo uma distância respeitosa. Olho para frente, observando os poucos transeuntes que caminham pela praça, esperando que o silêncio se desfaça por si só. E se desfaz.
— Como me encontrou? — pergunta, pegando um livro na mochila e abrindo-o em uma página qualquer. Coloca outro, fechado, entre nós, me oferecendo uma distração para não chamarmos atenção.
— Você não foi ao nosso lugar. Arrisquei ver se te encontrava por aqui. Ainda não deu o horário de você entrar no trabalho.
Silêncio. Nós dois com livros abertos, fingindo ler e não conversar.
— Tenho uma novidade — digo, algum tempo depois, virando-me para encará-la. Ela arqueia uma sobrancelha e me olha de canto de olho, curiosa, mas também apreensiva.
— Que tipo de novidade? — Ela fecha o livro e o deixa no colo. Entrelaça os dedos por cima dele, sinal claro de que está se preparando para o pior.
— Meu aniversário é no próximo sábado.
— Eu sei. O meu é dois dias antes.
Concordo. Não tem como esquecermos o aniversário um do outro com essa proximidade.
— Meus pais querem fazer uma festa e eu quero que você vá — solto de uma vez, sem rodeios.
Ela pisca algumas vezes, como se precisasse de um momento para processar. Depois, desvia o olhar, mordendo o lábio inferior. Sei o que está pensando. Sei exatamente o conflito que se desenrola em sua mente.
— Não sei se é uma boa ideia — diz, a voz baixa, quase um sussurro.
— Por quê? — pergunto, mesmo já sabendo a resposta.
Ela me olha de volta, e seu olhar está carregado de sentimentos. Amor, desejo, medo. Sempre o medo.
— Você sabe por quê — suspira. — Sua mãe… Sua família. Não podemos ser vistos juntos.
— Já estamos sendo vistos juntos agora — tento argumentar, gesticulando para a praça ao nosso redor.
Ela solta uma risada curta, sem humor. Volta a encarar um ponto qualquer à nossa frente.
— Aqui é diferente. Aqui, somos apenas dois alunos da mesma escola lendo e conversando sobre alguma matéria — debocha. — Mas na sua casa? No meio da sua família? É como jogar fogo em pólvora.
Eu sabia que ela diria isso. Era previsível. Mas também sei que a quero lá. Quero que ela faça parte desse momento. Quero que, por uma noite, sejamos apenas um casal normal, sem segredos, sem sombras nos espreitando.
— Eles vão ter que aceitar uma hora ou outra — digo, tentando manter a convicção na voz.
Ela balança a cabeça.
— Você fala como se fosse simples. Como se fosse só uma questão de tempo até tudo se resolver. Mas não é assim, e você sabe.
Eu sei. Mas não quero aceitar. Não quero continuar vivendo à margem, escondendo quem eu amo.
— E se fôssemos só como amigos? — proponho, e vejo seu olhar se estreitar.
— Amigos? — Ela ri de novo, dessa vez um pouco mais sincera. — Você acha que alguém acreditaria nisso?
Dou de ombros.
— Talvez. Pelo menos por um tempo. Só quero que você esteja lá. Não quero passar esse dia sem você.
Ela me observa, e vejo a batalha interna se intensificar em seu rosto. Sei que parte dela quer dizer sim, quer se permitir esse pequeno instante de felicidade. Mas a outra parte, a que carrega o peso da realidade, ainda a segura.
— Vai ter muita gente? — pergunta, hesitante.
— Meus pais, irmãos, alguns parentes, alguns amigos deles…
— Amigos como…?
— Pessoas que você já viu por aí — digo, tentando não dar detalhes demais. Sei que ela teme ser reconhecida, que alguém ligue os pontos, que os boatos cheguem aos ouvidos errados.
Ela suspira, passa a mão pelos cabelos e os junta sobre um ombro. Seus olhos encontram os meus, e percebo que está prestes a ceder.
— Se eu for… Você promete que, se algo parecer errado, se alguém suspeitar ou se eu não me sentir confortável, me ajuda a sair sem que ninguém perceba?
Meu peito se aquece com a esperança.
— Prometo.
— Hum… — Ela fica pensativa, e eu aguardo. — Aproveitando, queria me desculpar pela última vez que nos falamos. Acabei explodindo porque estava preocupada com você e tive um dia difícil.
— Não precisa disso. Você estava certa. Eu é que devo me desculpar por errar com você mais uma vez.
Ela nega com um leve movimento de cabeça.
— Eu sei que não está sendo fácil para você também.
Finge que vai ajeitar a mochila ao nosso lado, mas o movimento é para tocar minha mão brevemente, sem ser vista.
Arrepio quando seus dedos me alcançam. Tento apertar sua mão de volta, mas não tenho tempo. Ela a afasta com pressa.
— Estamos na mesma situação — digo, tentando confortá-la.
— Mas você não está me chamando para essa festa no impulso, está? Não quero que seja precipitado e…
— Não! — Me apresso em explicar. — Faz um tempo que quero fazer algo assim, estou aproveitando a oportunidade. Mesmo que eu não te apresente para todos como minha namorada, quero te incluir, de alguma forma, nesse lado chato da minha vida. Eles podem gostar de você e, com o tempo, aceitar.
Mayara resmunga, como se duvidasse dessa última parte.
— E se der errado, Caíque?
— Espero que não dê. Mas, se der, eu dou um jeito. Estou cansado de tudo isso. Quero poder fazer minhas escolhas também.
Ela assente, pensativa.
— Isso é uma loucura, você sabe…
— Como estamos vivendo, não é?
Ela me encara por mais tempo e suspira.
— Tudo bem. Eu aceito o seu convite.
Ela assente de novo, ainda parecendo dividida, mas uma leve curva nos lábios me diz que, por ora, escolheu o desejo em vez do medo.
E isso já é um começo.