Mundo ficciónIniciar sesión
Lia Ramos segurava o currículo dobrado dentro da bolsa, ele era tudo o que ela tinha. O ônibus sacolejava pela avenida e, a cada freada, o estômago dela lembrava que estava vazio desde cedo. Sobreviver tinha virado rotina, mas naquele dia pesava diferente.
Ela havia acordado com a conta de luz atrasada, a geladeira quase vazia e a última recusa de emprego ainda martelando na cabeça. Desde o fim do relacionamento, a vida parecia um corredor estreito demais para respirar. Ela andava, mas sentia que tudo apertava em volta.
O ponto final chegava e, com ele, a fila de gente apressada indo atrás dos próprios destinos. Lia desceu devagar, tentando não pensar em como a cidade inteira parecia ter um lugar para ir. Menos ela.
Entrou no pequeno café da esquina. Era quente, cheirava a pão fresco e tinha mesas apertadas que pareciam cochichar histórias umas às outras. Lia pediu apenas um café preto, mais por necessidade do que por gosto, e se sentou perto da janela. O sol batia no vidro, deixando tudo dourado por alguns segundos.
Dois garçons conversavam perto do balcão. Ela não estava prestando atenção, até que ouviu uma frase que travou o mundo ao redor:
— A casa do senhor Hale está procurando uma babá nova. Salário absurdo. A última saiu fugida, coitada.
Dominic Hale.
O nome parecia pesado, como se tivesse sido moldado em mármore. Lia já tinha ouvido falar dele. O bilionário. O CEO. O homem que estampava revistas com a mesma expressão congelada. Aquele que todos respeitavam e evitavam ao mesmo tempo. Diziam que ele comandava empresas como quem segura uma tempestade com as próprias mãos. E perdia a paciência tão rápido quanto ganhava dinheiro.
Lia inclinou-se discretamente, o coração batendo daquele jeito ansioso que ela conhecia bem.
— Dizem que a filha dele não fala com ninguém — continuou o garçom. — Tem três anos. A menina é um anjo, mas vive no próprio mundo.
— E a casa deve ser um silêncio de cortar alma — respondeu a outra garçonete. — Quem aguenta trabalhar lá? Ele nem olha na cara de ninguém.
Lia apertou a caneca quente entre os dedos. Babá. Ela tinha experiência. Passara a adolescência cuidando dos primos, dos filhos da vizinha, de quem precisasse. Crianças nunca a assustaram. Adultos sim. Especialmente homens como Dominic Hale: frios, inalcançáveis, com poder demais nas mãos.
Mas o aluguel não se pagava com medo.
Inspirou fundo, sentindo o café quente subir como coragem.
— Desculpa… — ela chamou os dois atendentes, quase sussurrando. — Essa vaga… vocês sabem onde posso pegar informação?
Os dois se olharam com aquele ar de “boa sorte, mas Deus te acompanhe”.
— A agência aqui da rua está cuidando da seleção — disse a garçonete. — Mas tem que correr. Ele quer alguém hoje ainda.
Hoje.
O desespero bateu com força. Lia se viu em pé antes mesmo de pensar.
Agradeceu, guardou o resto do café no corpo como se fosse energia líquida, e saiu pela rua com um passo que não sabia que tinha. A agência ficava a duas quadras dali, e ela quase correu. A cada esquina, o nome dele ecoava por dentro, firme e definitivo.
Dominic Hale.
A porta de vidro da agência se abriu com um bip suave. A recepção estava cheia, mas ninguém parecia ir para a mesma sala que Lia buscava. Ela informou seu nome, entregou o currículo e esperou. A moça da recepção leu rápido, ergueu uma sobrancelha e disse:
— O senhor Hale é muito exigente. Já avisando. — Depois fez um gesto para a porta. — Entre. A entrevista começa agora.
Agora.
Lia respirou fundo, sentindo o ar inflar o peito como se preparasse território para a coragem. Não era só necessidade. Era instinto dizendo: vai. A vida não te jogaria isso à toa.
Ela entrou na sala de vidro.







