Elisabeth e as filhas mais velhas recebiam e cumprimentavam os convidados. logo, Nicolau faz introdução a cerimônia, anuncia o nome da aniversariante e ela desce as escadas num vestido de cor champanhe, bordado com detalhes dourados, e algumas perolas, modelo decote coração, a saia era semelhante pétalas de rosas e cobria seus joelhos... Um modelo inovador.
Renda fina passava do tórax a seus braços prendendo nos dedos do meio, feito anéis nas mãos. os cabelos presos numa trança de raiz desde a lateral direita da cabeça terminando em um coque semelhante também a uma flor, todos olhavam para Clarice deslumbrados ou espantados! Não sabia dizer ao certo. Só queria ser invisível perante tanta gente.
.....
Como esperado, papai diz o primeiro discurso e todos aplaudem. Após começaram as valsas, para meu azar Christofer LeBlanc a pedido de meu pai foi quem iniciou dançando comigo. O motivo desse azar? Por conta das relações sociais de minha família, tive o desprazer de conhece-lo.
Leblanc é filho de um almirante da alta hierarquia no governo, ou seja é alguém renomado com bagagem militar de gerações o que aumenta sua influência, mas extremamente estúpido, grosseiro, violento e sem o menor respeito pelos outros. Soube histórias terríveis a seu respeito.
No Natal de 68 fomos para a propriedade dos Leblanc, eu o surpreendi quando beijava uma jovem empregada morena a força, para a sorte da moça ele a soltou ao me ver, mas estava assustada e tremula, a mandou sumir de sua vista, ela saiu correndo aos prantos... Dentre muitas outras atitudes asquerosas. Sem dúvida me é repulsivo e sempre com comentários nojentos, três minutos nunca foram tão torturantes. Dancei com papai e meus irmãos queridos. Parecíamos realmente ser a família perfeita.
Havia muitas pessoas que não conhecia, a maioria homens, generais, majores e políticos. quando o presidente chegou, todos o aplaudiram de pé, ele me deu um presente e disse palavras gentis o que me deixou mais vermelha que os morangos da plantação particular da vovó Francisca de tanta vergonha. Havia também alguns penetras, incrível como as filhas de pessoas influentes que eu não conhecia me cumprimentavam com tamanha intimidade, como se fossemos amigas de longa data.
— Parabéns querida! Que arraso de festa! Espero ser convidada para as próximas como esta! — Apenas sorria e os tratava com educação.
O único momento em que não me sentia um peixe fora d'agua era quando Alésser e Alessander me faziam companhia, sem dúvida meus irmãos são os melhores em animar-me, mesmo que não digam palavra sequer a presença de ambos ao meu lado já é válida.
Uma pena que tiveram de seguir carreira militar como o papai, ultimamente os tenho visto cada vez menos e como minhas irmãs não moram em nossa casa, mamãe vive viajando não sei para onde e papai sempre com bastante trabalho, cuidando da segurança de nossa cidade, fico muito só. Se não fossem as empregadas, as rotineiras visitas da madrinha e as aulas particulares, não sei o que seria de mim.
Cansada de perambular entre as pessoas, seus sorrisos forçados e gestos superficiais, discretamente vou para o quarto pego meu diário e uma caneta não escrevi hoje momento sequer, sento na cama e o sono me invade, penso seriamente em dormir, ou ao menos cochilar, assim que deito, a madrinha entra como sempre surgindo do nada! Certamente a mulher tem o dom de me farejar!
— O que está fazendo aqui mocinha? Já para baixo!
— Oh... Madrinha Rosamella, estou deveras fatigada....
— Descanse depois! Nem partimos o bolo, onde já se viu um absurdo desses? O que dirão as pessoas se notarem sua ausência?
— Não me sinto bem lá embaixo e ninguém vai reparar que sumi.
— Pare com essa bobagem Clarice! Quer envergonhar sua família?
— Isto jamais!
— Ótimo! Agora vamos antes que as pessoas comecem a falar.
Sim, o que dirão as pessoas? É só o que importa! Tenho certeza de que ninguém notaria minha ausência assim como não notam minha presença, bem parece que meu desejo foi de fato realizado.
A madrinha arrasta-me pelo braço como costume, descemos juntas, logo nos separamos, comecei a procurar um lugar isolado para sentar e escrever, quando de repente...
— Oh Deus! Perdão senhor!
— Sem problemas acontece. — Esbarrei num rapaz, fiz com que derramasse a bebida em seu paletó branco! — Pelo visto, comigo ocorre com bastante frequência. — Murmura para si
— Me desculpe mesmo, sou tão distraída, nossa que mancha! Não se preocupe irei lhe pagar outro.
— Calma senhorita, não foi nada de extremo, apenas uma manchinha de vinho, quase nem dá para reparar, aposto que água e algum tipo de... Sabão devem resolver isto, não há necessidade de me pagar. — Dizia sem desviar o olhar de seu paletó.
Manchinha? Até um cego enxergaria de longe o quão a roupa estava arruinada!
Olho atentamente em seu rosto.
— Um momento... Foi você!
O Homem mira em minha face sem entender o que dizia.
— Perdão?
— Aquele dia na praça? Sorvete? E cometi o mesmo erro, que constrangedor!
Ele sorri para mim e diz:
— Realmente, agora que mencionou, foi mesmo a senhorita quem derramou sorvete em mim.
— Que vergonha! sinto muito de verdade.
— Não há nada para se envergonhar, mas, só por curiosidade, seu histórico de esbarrar nas pessoas é de muita frequência?
— Não! Eu juro que não sou desastrada! digo, não sou tão desastrada assim, não a esse nível, mas por algum motivo sou sempre que estou com você... Quero dizer não que algum dia eu estivesse com você exatamente.... Ah... digo... Conseguiu me compreender?
Ele ri.
— Não. mas, acho que sim.
Nós dois sorrimos um para o outro.
Só eu sinto o clima esquisito, além de constrangedor entre nós? Não sei bem o porquê mas o brilho em seu olhar.... Desperta-me constrangimento.
— Eh... Então .... Se me der licença. — Digo.
— Claro! Toda.
— Irei lhe pagar pelo estrago, com certeza.
— Não se preocupe, não há necessidade.
— Me desculpe novamente.
— Imagina.
Passo por ele e...
— Espere! — Algo dentro de mim gela e por fração de segundos prendo a respiração? Por quê? — Creio que isto lhe pertence. — Ele devolve meu diário, caíra quando tombamos, não havia percebido.
— Óh! muito obrigada, que displicência minha. — Sorrio agradecida, ele também sorri e meu estômago embrulha completamente. Seria má digestão? O que há comigo?
Agora as perguntas que não calam: Por que ele está na festa? Quem será que o convidou? Tia Rosamella surtaria se nos visse conversando novamente, e se ela pensar que o convidei? ou pior! que temos um caso? Mas porque pensei num absurdo desses? Certamente não faz sentido algum! Será que ele está me seguindo?
........
O Rapaz de branco ficara totalmente fora dos padrões com aquela roupa suja, afinal quem era este tão sem modos? Pensavam. Os olhares o incomodava, mesmo que não se importasse com os julgamentos, ainda assim era desconfortável.
— Você veio a um evento de minha família, finalmente! — Diz Alessander surpreso.
— Não creio que tenha sido uma boa ideia. — O homem elegante mira o amigo de alto abaixo e franze a testa.
— Como exatamente conseguiu realizar esta proeza?
— Uma Senhorita esbarrou- se em mim, assim que entrei neste salão.
O outro gêmeo que de longe os avistara aprochega-se.
— Ora, ora quem é vivo sempre aparece... E pelo visto lhe faz falta um babador! — Zomba Alésser aos risos, o rapaz lhe devolve um olhar gélido porém brincalhão.
— Deveria de me emprestar o seu!
— Oh! Devo lhe dar meu lencinho senhor? Estou certo de que lhe será mais útil — Alésser faz um gesto dramático com a mão ao retirar um lenço do bolso de seu paletó. ambos riram.
— Parem Vocês dois, já estão grandes o suficiente para essas conversas tolas. Alésser providencie algo de vestir ao convidado — Toma Alessander a palavra seriamente.
— Farei isso agora mesmo, séria consciência! — Retruca Alésser a seu irmão, que lhe mira com seriedade.
— Não há necessidade, estou bem.
— Bicho! Vai por mim, desse modo acabará sendo expulso, siga-me, pode confiar que lhe arranjarei algo de qualidade!
Mesmo receoso ele concorda.
Assim Alésser guia o amigo ao norte do salão, e Alessander segue ao sul, a fim de encontrar uma maneira de estar só quando é abordado a conversar com um capitão da marinha.
.......
Finalmente encontro um lugar menos movimentado, na verdade quase isolado. Havia uma área próxima aos corredores, com um banquinho de madeira, dava vista para a sala de jantar, há pouquíssimas pessoas ali, a maioria estava no salão de dança, ou espalhadas em partes do nosso jardim de recepção e nos demais cômodos da mansão. Seguro firme a caneta tento escrever, mas minha mão não parava de... tremer? Por quê? Não há motivo para tamanho nervosismo! Há?
— Olha só quem eu encontrei, o que faz aqui sozinha, patinha?
— Leblanc. — Digo nada animada. Respiro fundo, tudo o que não queria no momento era ter de lidar com esse paspalhão grosseiro... Por Deus! Me chama de patinha desde a infância!
— Não respondeu minha pergunta.
— Sou obrigada a responder tudo o que pergunta? E em fração de segundos? Aposto que é bastante "óbvio" o que estou fazendo, e como bem notado estava sozinha segundos atrás, gostaria de permanecer assim, se me der licença.
— Sempre tão arisca, criança, isso são modos de se dirigir a um soldado do governo de alta hierarquia? Deveria se sentir privilegiada por eu falar com você.
Tento falhamente não rir... Privilegiada! Eu!. — Ele fica sério e com olhar penetrante diante do meu riso debochado.
— Ah claro! Deveria lhe pedir um autógrafo também, "vossa excelência?"
— Clarice, Clarice, não tem mesmo noção do perigo, sorte sua que meu humor está muito bom hoje.
— Sorte minha? Por quê? Se não estivesse de bom humor, ou melhor de muito bom humor o que faria? Me levaria a tortura no quartel? Ouvi dizer que sente prazer em realiza-las.— Digo erguendo levemente o queixo, ele aperta os punhos, mas continua com a mesma expressão séria e vazia, embora fosse visível o aumento da força no olhar.
Ele permanece em silencio, sinto um leve calafrio no estomago diante daqueles olhos penetrantes, mas não demonstraria qualquer resquício de sentimento, Para não dizer medo ou fraqueza, sabia que estava sendo grossa, mas quem sabe o que me faria caso ao menos sorrisse para ele! Tenho noção do quanto era traiçoeiro.”
— Leblanc, por favor, realmente gostaria de permanecer sozinha, por que não vai importunar alguma solteira por aí? afinal importunar e ser desrespeitoso com mulheres é o que faz de melhor, ah... sim... Especialmente as domesticas.— Digo olhando em seus olhos, claramente acusando-o de incidentes que presenciei no passado.
Agora a vez é dele de rir.
— Tem mesmo muita sorte de ser filha de quem é, mas no futuro não seja atrevida "minha querida" patinha, não garanto que terei a mesma tolerância.
Reviro os olhos, nada me dá mais asco que a frase: "Minha querida patinha" e o bendito ainda enfatiza o minha querida...
— No futuro? Ah... No futuro quero poder não precisar lhe ver a cada comemoração familiar ou em momento algum da minha vida.
Engulo a seco. Ele demora um pouco para responder, aperta forte os punhos, ao perceber que eu reparara ele coloca os braços para trás, e por fim responde.
— Mesmo? Sabe Clarice, não sou cavalheiro, muito menos piedoso, e sim eu sinto prazer na tortura, especialmente as que são feitas a choque, mas, nada me dá mais prazer que vingança, vai pagar por essa atitude, uma pena desapontar seus planos, não sou de conceder clemencia.
— Ah Leblanc! Vossa "Excelência" me ameaça desde... Meus 7 anos de idade? Acha mesmo que tem algum efeito sobre mim? Não tenho medo de você, e sério, realmente gostaria de ficar só agora. — Isso certamente era mentira, no fundo Clarice estremecia por medo de Leblanc desde seus sete anos, quando a ameaçara pela primeira vez, todavia ele não precisava saber disso.
Sem dizer uma palavra, se retira com o maxilar trincado.
Oh Graças! Consigo escrever no diário, estava ansiosa para registrar sobre aquele rapaz dos episódios vergonhosos, aquele lindo rapaz que porventura esqueci de perguntar o nome, será que nos esbarraremos mais uma vez no futuro?.... Pode parecer insanidade, mas parte de mim ansiava que sim.
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Christofer Leblanc estava furioso, e cansado das afrontas daquela garotinha mimada, era como a classificava, mimada e sem senso de perigo. Tinha o dom perturba-lo, como ela ousa se dirigir a ele com tamanha petulância? Precisava aliviar sua ira, vira a pouco uma empregada muito bela, onde estaria agora?
Mas uma coisa era certa, de algum modo a forma como Clarice o tratava era excitante, embora ele não admitisse.
— Leblanc. Algo errado? Parece inquieto.
— Coronel Sporgihan. — Sorri, e de repente sua mente se ilumina — exatamente quem eu queria ver nesse momento, estive pensando sobre o que me dissera noutro dia, a proposta mais antiga e tenho uma contraproposta ainda melhor além de mais ambiciosa para lhe fazer, poderíamos conversar a sós?
Nicolau o encarou por alguns segundos
— Perfeitamente. me acompanhe até o escritório.
E assim ambos seguiram juntos, com olhares suspeitos ...
Afinal qual proposta seria essa?
— Então? O que propõe?
— Admito senhor que soa estranho até mesmo para mim o que direi, mas é pura verdade e estou certo de que será benéfico para ambos...