Benicio

             Durante dois meses mergulhei numa história nova e praticamente não sai de casa, não comi direito e nem dormi, não atendi o telefone e não procurei ninguém. Dessa forma, eu não pensava em Betina. Mas era só eu sair dessa rotina que meus pensamentos me traiam.              Quando eu pensava no abraço que lhe dei, sentia quase uma dor física por ter sido separado dela, e quando eu deitava na cama, a lembrança do seu corpo e de sua boca me deixavam quase febril.

                Depois de dez chamadas perdidas da minha mãe resolvi retornar, ou então a polícia iria acabar batendo na minha porta. Ela reclamou do meu sumiço e de novo tentei explicar meu processo criativo sem sucesso, depois insistiu que eu passasse o Natal com eles. Relutei muito, mas acabei concordando. Se fosse no Natal, escaparia no ano novo. Ela nunca esperava que eu passasse dois feriados seguidos com eles.

                Em seguida Luisa pegou o fone e me fez prometer que iria em sua formatura. Relutei muito, pois sabia que acabaria vendo Betina, mas tive que ceder. Não queria ter que vê-la porque sabia que o cara loiro estaria grudado nela o tempo todo, cercando, cuidando e deixando claro era ele que estava com ela.

                Se eu não tivesse sido tão emocional, poderia estar no lugar dele. Eu ainda me negava a acreditar que estava apaixonado por Betina, mas ao mesmo tempo desejava ser aquele carinha loiro. Aparentemente, ele não tinha tido receio em falar como se sentia. Claro que ele cuidou dela durante o luto, e isso devia ter criado um vínculo entre os dois.

                Se eu achasse que havia uma alternativa para isso não ter acontecido, teria corrido até a casa dela, mas depois da forma como ele a tirou do meu abraço entendi que estava fazendo de tudo por ela. Betina não precisava de outro drama acontecendo, e a melhor coisa era eu ficar quieto na minha. Ela precisava de paz.

                Com a cabeça cheia de receios, me arrumei para ir até a escola para a formatura. Estava mais tenso do que em muito tempo. O desejo de vê-la e de não vê-la eram igualmente grandes dentro de mim. Estava com medo, percebi, do que iria encontrar exatamente.

                A campainha tocou, me tirando dos meus pensamentos, e fui abrir a porta.

                - Júlio? – tomei um susto quando o vi parado ali, sem avisar que iria aparecer.

                - Depois de dois meses é assim que você me recebe? – ele riu, mas eu podia perceber um pouco de chateação.

                - Claro que não. – o abracei e indiquei que entrasse.

                - Então... – ele estava hesitante – Você se acertou com a garota? – seus olhos passaram pelas minhas roupas.

                - Não, não. – neguei balançando a cabeça – A vida dela virou um drama e acabei me afastando de vez. – eu não queria falar sobre aquilo agora. Não queria contar nada sobre ela e nem ter que pensar nela. – Estou indo na formatura da minha irmã. Quer ir comigo? – convidei num impulso.

                - Claro. – ele topou, completamente surpreso pela minha proposta – Mas vamos no meu carro.

                Eu ri enquanto saíamos, ele nunca tinha gostado de andar de moto comigo. Preferia o conforto e a segurança do seu carro – sempre com o cinto de segurança e qualquer coisa que fosse tornar a viagem mais segura –, sempre torcendo o nariz para a moto e o meu modo de dirigir.

                Quando estacionamos na escola, observei muitas cabeças se voltando na direção de Júlio assim que ele esticou o corpo para fora do veículo. Ele sempre causava essa reação nas pessoas, mas nunca parecia reparar. Quando estávamos juntos e aconteceu pela primeira vez, fiquei um pouco incomodado, mas com o tempo parei de notar.

                Andamos até o anfiteatro, lado a lado, e me forcei a olhar apenas para frente e não vasculhar o lugar procurando por Betina. Com sorte, tudo acabaria rápido e logo eu estaria de volta em casa – um refúgio seguro.

                - Ei! – escutei uma voz me chamando e, quando virei a cabeça, Luisa estava parada acenando com nossa mãe e seu pai.

                Olhei para Júlio que estava com uma expressão tensa, mas não hesitou em me seguir até eles. Luisa sorria, assim como minha mãe – sempre que eu comparecia ela ficava feliz -, mas o seu novo marido torceu o nariz para nós dois, como sempre. Durante toda a minha relação com Júlio, Pedro tinha feito essa expressão de nojo e desaprovação.

                - Que bom que você veio! – Luisa me abraçou e beijou meu rosto com alegria – Que bom te ver de novo, Júlio. – deu um gritinho, jogando-se nos braços dele também. Ela o adorava e provavelmente estava imaginando que tínhamos voltado.

                - Fico feliz que tenham vindo. – minha mãe completou.

                - Um prazer vê-la de novo, Ana. – Júlio deu um abraço rápido na minha mãe.

                Por um momento ele e Pedro se encararam, então meu padrasto fez um aceno de cabeça medíocre como cumprimento e se afastou de nós. Minha mãe fez uma cara envergonhada para nós dois e saiu atrás dele.

                - Não liguem para ele. – Luisa disse indo atrás dos dois – Nos vemos mais tarde!

                - Isso é ridículo. – comentei irritado.

                - Tem batom no seu rosto. – Júlio apontou, se dirigindo para a porta do anfiteatro.

                - Me desculpa por isso. – pedi enquanto andava atrás dele e limpava a bochecha.

                - Esquece isso, Benicio. Ele agiu assim por dois anos, não pensei que seria diferente.

                Suspirei e resolvi não insistir no assunto. De que adiantaria?

                Encontramos um lugar e sentamos sozinhos, lado a lado. Permaneci distraído enquanto a cerimônia iniciava e muitos discursos se seguiram. Era uma formalidade longa, enfadonha e, na minha opinião, completamente desnecessária.

                Apenas quando foi anunciado que os formandos iriam entrar senti meu coração acelerar e foquei minha atenção. Após muitos rostos estranhos, e de descobrir que o nome do loiro era Adam, notei que todo mundo tinha entrado e Betina não estava ali.

                A decepção tomou conta de mim. Quem eu queria enganar? Eu estava ali quase que exclusivamente para vê-la.

                - Já volto. – avisei Júlio enquanto me levantava. Precisava tomar um ar, jogar uma água no rosto ou qualquer coisa.

                Sai do anfiteatro e virei à direita num corredor que estava completamente vazio, os sons da cerimônia foram diminuindo gradualmente enquanto eu acelerava o passo. Respirei aliviado quando o corredor deu para uma área externa nos fundos da escola. Havia apenas uma grama mal cuidada e uma quadra que não devia ser usada há algum tempo, porque a tinta estava descascando em vários pontos.

                Passei o olhar pelo lugar, o sol estava se pondo e lançando luzes avermelhadas. Era um lindo fim de dia.

                Vi um movimento do outro lado da quadra, semicerrei os olhos contra os raios do sol que estavam diretamente na minha direção e percebi que era uma pessoa. Coloquei a mão em cima dos olhos para tentar focar melhor e então eu a vi, andando de cabeça baixa, os cabelos feito uma cortina no rosto. Estava arrumada como se fosse participar da formatura, devia ter desistido na última hora. Tinha emagrecido um bom tanto naqueles meses.

                Betina – seu nome ecoou várias vezes dentro da minha cabeça.

                Foi exatamente naquele momento, nunca irei me esquecer. Enquanto ela andava lentamente como se estivesse pensando em coisas muito distantes, com o sol refletindo avermelhado em sua pele e sem que eu conseguisse ver seu rosto direito, que me dei conta de que estava completamente apaixonado.

                Perdi o fôlego. O sentimento me pegou de uma única vez e eu ofeguei. Estava loucamente apaixonado por aquela garota que parecia tão frágil e triste andando sozinha a poucos metros de mim. Eu queria ir até ela, tomá-la nos meus braços e ir embora para algum lugar longe de todos, de onde voltaríamos quando finalmente tivéssemos uma conversa de verdade sobre nós dois.

                Então por que meu corpo teimava em ficar ali parado, apenas olhando para ela? Ela estava bem ali, sozinha, sem ninguém para nos interromper. E eu continuava parado, hipnotizado. Eu precisava ir até ela e dizer alguma coisa certa, qualquer coisa que a fizesse pensar em nós como uma possibilidade – fosse a curto ou longo prazo.

                Escutei um barulho e olhei mais ao longe para minha direita. Era outra porta se abrindo e – óbvio –  era o tal do Adam entrando e andando até ela sem problemas. Completamente diferente desse idiota que ficou minutos parado sem tomar uma atitude.

                Ele falou com Betina, segurando em seus ombros, e senti algo dentro de mim queimar. Ele a tocava com toda a intimidade do mundo e isso era quase mortal para mim. E ela olhava para ele, prestando atenção em cada palavra, de um modo que eu queria que ela olhasse para mim.

                Eu queria que ela estivesse comigo e não com esse moleque.

                Me virei e voltei para o corredor antes que ela me visse. Só o que me faltava era ela me flagrar mais uma vez olhando de longe, como se fosse um perseguidor lunático. De qualquer forma, minha intuição estava certa e eles realmente estavam juntos.

                Eu precisava me afastar dali o mais rápido possível, abafar aquele sentimento ruim que subia pelo meu peito.

                Peguei o celular e pedi que Júlio me encontrasse no carro, que foi para onde eu me dirigi imediatamente. Belo irmão eu estava sendo, mas dessa vez eu não ia conseguir disfarçar. Não queria cruzar com o casal de novo de jeito nenhum. Minha cabeça estava fervendo de ciúmes e tudo que eu precisava era fazer algo para extravasar.

                - O que foi? – Júlio perguntou cortando entre os carros do estacionamento completamente vazio.

                Puxei-o para mim de uma forma um pouco agressiva, e nossos rostos quase se tocaram. Olhei bem dentro dos olhos dele:

                - Posso? – minha voz soou muito mais rude do que deveria.

                Ele me puxou pela nuca e me beijou agressivamente enquanto encostava meu corpo contra o carro. Esse contato era completamente familiar e reconfortante, mas no fundo eu estava desejando um corpo muito menor e mais delicado. Empurrei esse sentimento para muito dentro de mim e apenas deixei me levar por aquele momento.

                Sua mão deslizou para dentro da minha camiseta. Eu sabia o quanto ele me desejava e naquele instante bastava, tudo que eu queria era que alguém se sentisse assim por mim.

                Júlio afastou sua boca da minha e começou a me beijar no pescoço. Me senti vagamente feliz por meu corpo responder aos seus estímulos como sempre. Era a hora da gente sair daquele estacionamento, antes que todo mundo saísse para ver a cena que estávamos protagonizando.

                Empurrei-o levemente para longe de mim e seu olhar pareceu magoado.

                - Vamos para outro lugar. – sugeri baixinho.

                - Vamos. – concordou, se animando rapidamente.

                Respirei fundo, fechando os olhos por um instante. Quando os abri, Betina estava bem ali, olhando perplexa para mim com a boca um pouco aberta. Provavelmente tinha assistido toda a minha cena com Júlio.

                Fiquei preso no olhar dela por um segundo, depois me virei e entrei rapidamente no carro.

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