Betina

                Meus braços ficaram subitamente frios longe do contado do corpo dele. Era estranho demais Benicio estar ali, era estranho demais eu ter me sentido completamente acolhida por ele, era estranho eu finalmente ter conseguido chorar em seus braços.

                Adam tinha cuidado de mim o tempo todo, e de toda parte burocrática que podia, tinha me dado todo o suporte, e eu não tinha conseguido me soltar com ele.

                - Adam, eu... – acho que eu devia uma explicação para ele.

                - Não importa. – ele me cortou – Não importa.

                O resto da noite passou quase num borrão, eu estava praticamente incoerente. Ia onde ele me levava e fazia as coisas que ele me dizia para fazer e, no fim, me levou para casa e me colocou de novo na cama.

                Vagamente percebi que a última coisa que tinha falado com ele era a minha tentativa de explicar o que Benicio estava fazendo ali, não consegui nem mesmo agradecer por tudo que ele estava fazendo.

                Os dias foram se passando lentamente. Faltei por quase um mês da escola e Adam trazia tudo para mim, garantindo que eu terminaria aquele ano com sucesso. Ele dormia no sofá toda noite e em nenhum momento tentou deitar na cama comigo. Ele cozinhava, arrumava a casa, me lembrava de tomar banho.

                Aos poucos eu fui voltando a ser eu mesma, mas ainda me mantinha isolada. A maior parte do tempo eu ficava em silêncio na cama, sozinha. Adam nunca forçou sua presença, ele sempre perguntava o que eu queria. Se eu quisesse ficar sozinha, ele saia. Se eu pedia para ele ficar, ele ficava.

                A maioria das vezes eu pedi para ele sair. Estava completamente incapaz de conviver com outro ser humano.

                Foi numa noite de domingo que eu me levantei e olhei no espelho do quarto. Eu tinha perdido uns bons quilos, tinha olheiras e meu cabelo estava sem vida. Todo corpo doía por tanto tempo parado. Eu ainda estava terrivelmente triste, mas estava pronta para melhorar.

                Sai do quarto e vi Adam sentado no sofá, absorto na televisão. Parei por um instante, cheia de gratidão por tudo que ele tinha feito por mim, e então andei até ele.

                - Betina? – ele levantou de um pulo, surpreso por eu ter saído do quarto sozinha.

                - Tudo bem. – tranquilizei-o – Acho que estou melhor.

                - Que bom. – ele se aproximou de mim e tocou meu ombro com cuidado. Eu andava rejeitando qualquer contato desde o abraço de Benicio.

                - Acho que amanhã posso ir até a escola de novo.

                - Tudo bem. Nós vamos juntos. – ele garantiu, ainda hesitante.

                - Tudo bem. – repeti abrindo os braços para que ele me abraçasse.

                Ele me apertou com delicadeza contra seu corpo e apoiou o queixo na minha cabeça. Escutei as batidas aceleradas do seu coração no meu ouvido, o que era reconfortante de alguma forma. Ele se afastou de mim e segurou meu rosto, me fazendo olhar para ele:

                - Fico feliz que esteja começando a se recuperar.

                - Tenho que te agradecer por tudo. Não falei nada durante esse tempo todo...

                - Você não podia dizer, eu entendo. – ele me abraçou mais uma vez.

                - Quer falar sobre alguma coisa? – perguntei afundando o rosto em seu peito. Se ele quisesse saber sobre Benicio, seria agora ou nunca. Eu não voltaria a entrar nesse assunto.

                - Não. – ele respondeu após uma longa pausa, provavelmente analisando se queria uma explicação ou não. Respirei aliviada com a resposta, preferia deixar o Benicio dentro de mim como um segredo. – Volta para a cama e descansa para amanhã. – sugeriu.

                - Certo. – concordei, apertando um pouco mais nosso abraço.

                Foi a primeira noite tranquila em um mês. Acordei descansada e com um pouco mais de ânimo, embora ainda estivesse muito longe do meu habitual.

                A manhã na escola foi normal, ou quase, porque todo mundo me olhava com um misto de surpresa e pena, o que me trazia uma sensação ruim por algum motivo. Poucas pessoas perguntaram como eu estava, a maioria parecia ter receio de se aproximar. Muita gente não sabe como se comportar com uma tragédia.

                Adam ficava do meu lado o tempo todo, durante as aulas e entre elas. Levou lanche para eu comer e cuidava da minha água. Eu nunca seria capaz de retribuir todo esse comportamento dele, nunca seria capaz de expressar a minha gratidão. O que eu iria fazer se ele não estivesse comigo?

                Nossa rotina foi se modificando um pouco. Íamos as aulas juntos, eu o incentivava a ir para casa – ficar sozinha já não me assustava – e a noite ele sempre voltava para dormir no sofá, por mais que eu insistisse que ele poderia ir embora.

                Assim, os dias foram se passando e, quando me dei conta, mais um mês tinha se passado e logo seria final do ano. As aulas estavam no fim, e depois eu não sabia o que iria acontecer comigo.

                 - Você está muito quieta hoje. – Adam puxou assunto enquanto andávamos até em casa após a aula.

                Aquela manhã tinha sido muito longa enquanto eu pensava em como iria me manter após o fim da escola. Precisava arrumar um emprego o quanto antes.

                 - Não é nada. – respondi com um sorriso tranquilizador.

                Apesar de todo mês estável, Adam parecia esperar que alguma coisa me puxasse para baixo de novo. Eu não estava normal e feliz, mas já não estava desesperada – era mais uma tristeza conformada. No fundo, eu sabia que minha mãe não iria querer que eu deixasse a minha vida acabar antes mesmo de começar de verdade.

              Ele não insistiu no assunto. Estava me tratando com receio o tempo todo e eu não sabia ao certo o porquê. Nunca se aproximava muito, nunca segurava a minha mão e parecia pensar muito antes de falar alguma coisa. Eu suspeitava que era porque nunca chegamos a conversar sobre o que aconteceu entre nós e logo em seguida toda a tragédia aconteceu.

              Eu tinha certeza que Adam não sabia o que nós éramos e estava grata por ele não ter ficado me questionando por isso. Eu não saberia que resposta dar a ele. Era ótimo tê-lo por perto, era uma companhia confortável e protetora, e principalmente ele não falava quando percebia que eu só queria ficar em silêncio. E muitas vezes eu só queria ficar quieta.

              E, claro, Benicio era um assunto que, virava e mexia, surgia na minha mente. Toda vez que eu lembrava de seu abraço no velório sentia que ia chorar e rapidamente ia fazer alguma coisa que tirasse meu foco daquilo. Durante muitas noites insones, eu lembrava de seu corpo no meu. Dois meses já haviam se passado. Às vezes eu olhava pela janela na esperança de ele aparecer, mas nunca aconteceu.

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