Helena percorria o entorno. Cigarros, paciência e equipamentos de topografia. Aquela era uma zona de acesso difícil, exigia força do corpo e o silêncio, da alma. As medições, precisas, eram transmitidas ao vivo. Caminhava, sem pressa alguma. O deserto, aos poucos, se tornava um lar, hostil, mas um lugar que sentia pertencer. Tinha os rostos daqueles três homens na alma, se perdia entre pensamentos e o trabalho exigente. Ela retornou, silenciosa, notava o outro veículo sob a cobertura. Ela soltou o equipamento e armou-se, entrava, devagar. Percebia Dario, sentado diante das telas, nas quais ela processava dados de campo. Observava aquilo, parecia entender o que acontecia ali. Ela baixou a arma e voltou ao carro, pegava os equipamentos.— Precisamos conversar. - Dario disse, sobressaltando Helena. O braço dele passou ao seu lado, pegando seus equipamentos, com facilidade. A aura dele, sombria, pesava o ar. Ela o acompanhou. No abrigo, soltou os equipamentos no chão, tirou a arma e a de
Aquela confissão dela, tão estrutural, ecoou na alma dele, carregada de vulnerabilidades que ele se submetia a reconhecer, na maioria, culpa dele. Dario sentia a raiva dissipar. A dor lancinante lhe invadia a alma, sufocando o homem, cruelmente. Ele também sentiu a solidão, a insegurança e a traição, confessa, dela, gritava o desespero por alívio, por sentir-se no controle de sua própria vida, por sentir-se viva, amada. Helena não passava de um fantasma, incapaz de morrer, incapaz de viver e ele contribuiu para aquilo. Não era como se ela não fosse capaz de tomar todas as operações da fronteira para si, mas ele permitiu que ela seguisse com seu plano, com sua missão, a única coisa que a mantinha respirando, naquele imenso deserto que representava o que restou na alma dela. Ela não carecia de companhia, carecia de si. Dario deu um passo, hesitante. — Eu também senti solidão, Helena. Senti desespero, me angustiei sem sua presença, sem sua voz. Eu fiz algo terrível: quebrei a confiança
— Major? - Marco se aproximou de Helena, gentil, sentando-se ao seu lado.— Pode me chamar de Helena, se quiser. - Ela disse, através do sorriso meigo.— Helena, claro. - Marco retribuía com a expressão leve que era inevitável. - Está aí há horas. Quer sair um pouco d complexo? - Ele ofereceu. - Há vida além do trabalho. Se não tiver laser, acaba consumida. - Ele apontava.— Estou bem, Marco. - Ela disse, sorrindo com o olhar. - Obrigada pelo presente. Gostei muito. — Fico feliz por estar satisfeita. - Ele respondeu, amigável. O que está absorvendo você? - Ele se debruçou sobre a tela, planilhas e mapas se mostravam, complexos.— Resolvendo o enigma do dia. - Ela levantou os braços, jovial, omeorava. — Qual seria? - Ele tentava entender o que aquela mente construía ali.— Aqui. - Ela apontou. - Cada rota tem um custo. Para um bureau, essas despesas aqui são incompatíveis. - Mostrava alguns dados. - O frete é mais caro do que os produtos declarados, isso chama a atenção. - Marco se
DESERTO DE CHIHUAHUA — Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar,
Dario passou horas observando sua paciente. Trocou a bolsa de soro e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. Ela era bonita para uma militar, admirava-se do motivo de alguém, como ela, ter virado uma. Com o fim da segunda bolsa, ele a rolou e pôs sob o corpo um tapete descartável higiênico, para cães, para o caso de ainda estar inconsciente quando todo aquele líquido resolvesse sair. Adormeceu, com a pistola em punho, pronto para matá-la, se fosse necessário. Helena sentia a dor excruciante lhe roer a alma, forçando-a a perceber-se. Algo lhe tampava os olhos, estava viva e aquilo bastava naquele instante. A cabeça doía um inferno e os olhos, mesmo fechados, ardiam. A boca e a garganta secos, algo lhe feria o braço, dolorosamente. Ela gemeu, baixinho. Dario despertou. A mulher respirava, ofegante, inquieta. Se não estivesse desperta, logo acordaria. — Me ouve? Me entende? - Ele perguntou, em espanhol, percebia o gesto de cabeça dela, confirmando. Estava desperta. - Qual seu
Algo naquele lugar escuro, no Deserto de Chihuahua cheirava bem. Helena gostava do aroma. Dario a servia de um caldo de legumes, batido e leve. Guiou as mãos dela até a borda da tigela e da colher, mas ela não tinha firmeza nas mãos, tremia muito, ainda sem forças. — Me permita ajudá-la, senhora. - Dario tomava a frente, alimentando-a, colher por colher. Ela se fartou com pouco, o estômago cheio. - Amanhã, vamos partir e levar você até a fronteira. - Ele anunciou, precisava resolver aquela militar antes que ela identificasse o caminho. - Não se preocupe, você estará em casa, com sua criança, antes do anoitecer. — Não tenho uma criança, amigo. - Ela respondeu, curtamente.— Mas tem uma cicatriz no ventre. - Ele seguiu, aplicando o gel sobre a queimadura e o colírio nos bonitos olhos daquela mulher. — Oh! Isso. - Ela piscou os olhos, já não ardiam mais e nem sentia tanta dor. O ferimento no braço era o mais incômodo. Dario limpou o ferimento, cobrindo-o com gaze. — Não precisa falar
Um dia no trabalho e o relatório da ação indicava falha na ação. Em seu escritório recebia o comandante, com o braço que repousava, fora da tipóia, sobre a mesa.— Como está, Helena? - Renard perguntou, fechando a porta atrás de si. — Ah, Peter! Cara! Tive muita sorte. - Ela suspirou. - Fomos emboscados. Ou errei feio nos cálculos do planejamento ou vazou informação. De qualquer forma, a sindicância vai encontrar o problema e me cortar ou achar o boca aberta. Fiz o que pude para livrar a equipe. No time, só eu não tenho família. Sabe como é difícil dar notícia de "Morto em Ação" para quem sobrevive. — Helena, mesmo assim, deveria ser mais cautelosa com esses imprevistos. - Peter a repreendia, suave e amistosamente.— Vou tentar na próxima, Peter. - Ela respondeu, massageando os olhos sob as pálpebras. — Complicadas essas queimaduras nos olhos. Coçam um inferno. - Ele puxava conversa. — Começou aqui. No deserto, esse cara que me resgatou, tinha um colírio que foi excelente. - Ela r
Peter a fez companhia. Stuart foi chamado e chegou o quanto antes, examinou Helena. Parecia bem. — Tenente Brown, a senhora está esgotada e passou por eventos importantes recentemente. - Ele informou, friamente. - Minha dificuldade está em traçar o claro limite entre Burnout e TPT. - Ele disse, direto. — Impossível, Capitão. - Peter interveio. - Ela estava bem ontem. — Ontem? Eu apaguei vinte e quatro horas? - Helena perguntou, impressionada. — Aí é que estamos. - Stuart pontuava. - Você já tinha passado mal assim antes, quando seu marido morreu e você, por pouco, não foi a terceira vítima daquele caminhão. O que a fez saber que ia desmaiar? - O médico investigava. — Senti um desequilíbrio, minha visão turvou de uma vez, como se eu estivesse, não sei, flutuando no ar. - Ela respondeu. — Você precisa tirar algum tempo para si. - Stuart recomendou. - Encontre algum apoio, talvez o comandante. Ao que me parece, são amigos chegados. - O médico se virou para Peter. - Certifique-s