Capítulo 4

Luke Anderson

Desperto com o som do celular. 

— Que merda é essa? — Brendan reclama. O rosto de Charles na tela do meu celular é a primeira coisa que vejo quando abro os olhos.

— Oi, pai. — digo ao atendê-lo, enquanto limpo os olhos com o dorso das mãos. Está escuro devido às persianas fechadas, mas sei que é dia, uma vez que há claridade saindo pelos pequenos buracos da corrediça.

— O que quer de mim, Luke? — diz impaciente. — Até quando pretende levar a vida na brincadeira? Sua noiva saiu bem magoada daqui. A Geórgia não merece isso. Aquela menina…

— Ela não é mais uma menina. — interrompo-o. — E bom dia para você também, Charles. Continua mais preocupado com dinheiro do que com os próprios filhos? Quanto à Geórgia, ela supera. Bom que já vai conhecendo o futuro marido…

— Não me venha com gracinhas, Luke. Você sabe seu papel nisso tudo…  — corto-o, ácido:

— Você terá sua cota de nora e neto, Charles, não se preocupe! A farei feliz, como você à nossa mãe. caçoo enquanto ouço sua respiração entrecortada. Sei que toquei em uma de suas feridas e me parabenizo por isso. Se Miranda Anderson deixou os próprios filhos para morar com outro homem, culpo Charles e à sua arbitrariedade.

— O que será do seu casamento é problema seu. Eu só preciso dessa união e de um herdeiro. — Ele se interrompe após um excesso de tosse.

— Você tem três, Charles. — Faço questão de lembrá-lo, porque às vezes parece se esquecer.

— Que juntos não dão um. — Sinto o sangue ferver. Ele adora jogar na nossa cara o quanto somos dispensáveis.

Dê um jeito no seu noivado ou vocês podem abrir mão da mesada. E ainda deixo a herança para Kate. — refere-se à filha de sua última namorada. O relacionamento entre eles acabou, mas ela continua a menina dos olhos de Charles, mesmo sem ter o seu sangue — Não quero mais me indispor sobre isso. — E desliga por fim. 

Charles sabe que a única forma de me prender a esse casamento é sua chantagem em torno de sua maldita herança. Eu seria um mentiroso se não dissesse que amo o que temos, mas penso primeiramente em meus irmãos, que estão habituados com uma vida ostensiva.

— O que esse monte de bosta queria? — Meu irmão já está sentado na cama, sonolento, pois deve ter dormido menos do que eu, pois não sei que horas esse filho da puta voltou para o hotel. 

— O mesmo de sempre. Jogar na minha cara o quanto sou filho de nossa mãe. — minto. Não quero revelar sobre a herança e toda a chantagem de Charles, porque tenho certeza que Brendan seria o primeiro a abdicar dela, seguido por Kyle.

Brendan começa a falar de sua amiga da noite anterior e de sua foda misteriosa, uma vez que a mulher não retirou a máscara sob o comando dele.

— Pelo menos alguém foi feliz. — reclamo me lembrando de Evie, tequilas e de trabalhar a noite inteira. — Você se lembra dos Clark? — Há um ponto de interrogação em seu rosto. — Verão de 2015: Leah, Loren, Vince e a aposta? — Ele arregala os olhos em entendimento e eu completo: — A irmã de Loren, Evie…

— A que pegou vocês fodendo no lago? — Faço que sim com a cabeça. — Não tem como esquecer daquele verão, Luke. Vince fala dele sempre que bebe… — Ele se levanta e abre sua mala de viagem. — Mas o que ela tem a ver com a sua infelicidade da noite passada? — ele se espreguiça e me interrompe antes que eu possa narrar a minha despedida de solteiro tão atípica. — Precisando de um banho.

— Você não…? — deixo morrer a frase, tentando entender como uma pessoa consegue passar a noite inteira com alguém e não se dar ao trabalho de tomar um banho pós sexo, e ele compreende:

— Nãoooo! — Franzo a testa diante da ênfase de sua resposta. — Quer dizer, claro! Não tinha como não o fazer. Que nojento, cara! — resmunga como se meu questionamento fosse absurdo e ele não fosse adepto a práticas sexuais que considero, no mínimo, estranhas.

— Eu realmente não preciso saber dessas merdas. — respondo e ele ri. 

— Não é nada demais. Apenas gosto das coisas do meu jeito. 

Levanto ambas as mãos em sinal de rendição.

— Definitivamente, eu não preciso saber. — Dou uma pequena pausa para respirar. — Voltando ao que interessa, precisamos ligar para o Vince. Encontramos com a Evie no Hell Hole, onde ela trabalha, e ela nos revelou sobre a morte de Loren. — Brendan para veemente o que estava fazendo.

— O quê? 

— Isso mesmo que ouviu. E foi apenas escutar sobre o falecimento de Loren, que Vince não demorou a sair bêbado do pub. Ele de um lado e Vie do outro.  — Ando até a sacada da varanda e encaro a cidade. Brendan me acompanha. — Ela não parecia bem, sabe? Sei que a morte de sua irmã pode ter sido demais, mas tinha algo que não encaixava no contexto. — Carros e sirenes me fazem falar mais alto: — Ela parecia exausta! E com sérios problemas. O prédio onde mora é péssimo e eu sei que o sonho dela era ir para a faculdade. Então, por que estaria trabalhando naquela espelunca?

— Ela pode não ter ido para faculdade. Pode ter ficado para cuidar da irmã doente.

— Eu não sei. Algo me pareceu errado. Ela estava muito escorregadia e me lembro o quanto era grudenta! Parecia fugir daquele táxi... não sei, além de bêbada, ela parecia louca.

— Nunca te vi desse jeito, Luke. — ele ri. — Fala a verdade, você está a fim dela?

— Claro que não!

— A menina era tão feia que para encarar, o corajoso precisaria cobrir a cabeça dela... — gargalha — Ela era uma verdadeira double bagger. Ainda está assim?

— É aí que você se engana. A menina feia cresceu e está bastante gata! Cansada, mas uma gata! — respondo vendo-o esbugalhar os olhos, enquanto me lembro do semblante exausto de Evie e do seu comportamento irritante. — Só continua uma mala! Eu não aguentaria um segundo perto dela, mesmo sóbria. Se bêbada já é chata, imagina sem uma gota de álcool no sangue?

— Mas e aí? O que pretende com isso? Largue essa história, Luke, domingo retornaremos para casa. Aproveite seu tempo livre e viva seus últimos dias de solteiro. 

— É verdade. Acho que vou aproveitar esse tempo para ligar para a Leah e ver se estaria disposta a um caso extraconjugal. — afirmo.

— Ela toparia,mesmo depois do rolo com a Loren? — questiona.

Gargalho.

— Nunca demonstrou se importar… Quando as coisas apertam é para ela que eu ligo.

— Cara! Isso é fodido até para você! Agora que me lembrei… Leah era seu casinho oficial e perdeu o posto para a menina que se dizia amiga dela. E ainda de quebra você boicotou o namoro do Vince, irmão. Isso é muito fodido! Mas bons tempos.  —  sacana, ele ri.

— Não é como se fôssemos namorados, Brendan… — replico.

— E mesmo assim é estranho.

— Ah para! O cara que adora foder mocinhas ingênuas falando isso?

— Nunca foi pecado! — meu irmão se defende. 

— Ah, vai se foder, Brendan. — Volto para o quarto, pronto para fazer minha corrida e pensar, pois meu irmão não está ajudando em nada. 

++++

Correr no Central Park costuma me deixar leve e com a mente aberta, mas hoje isso não foi possível, pois meus pensamentos continuam pesados devido ao estresse do meu encontro na noite anterior com a pirralha. Sei que não é da minha conta, mas obviamente ela não tem estado bem. Não que algum dia já tenha sido normal, mas até isso estava diferente para ela. Costumo e prefiro praticar exercícios pela manhã no rancho, a diferença é que na cidade há mais opções de mulheres. 

Quando minha pele fica pegajosa de suor, compro uma água com gás e me flagro encarando as bolhas subindo na garrafa. Essa merda me faz lembrar ainda mais da noite passada, mas logo a minha atenção é desviada por uma moça que para ao meu lado e me envia um sorriso malicioso. Seus cabelos claros realçam com a luz do sol.

— Quente, não? — Ela puxa conversa e percebo seu interesse. Seria uma boa forma de começar o dia, mas peço licença e ando para o lado contrário. Eu preciso esquecer a porcaria da irritação que me incomoda desde a última noite afogada em bolhas de água. 

Mas tudo me faz retornar para essa noite quando me vejo caminhando a passos largos até o prédio digno de demolição, o qual deixei Evie. Há uma cafeteria na parte de baixo, e para a minha surpresa vejo-a sentada numa das mesas com duas crianças. Eles são bem parecidos, mas a cor dos cabelos da menina chama a minha atenção, pois me faz lembrar de Loren.

Aproximo-me sorrateiramente, e atrás da porta de entrada do estabelecimento, consigo enxergar melhor as feições dos dois. Eles lembram um ao outro, mas é no menino que vejo o queixo, os olhos e a boca de Charles e, consequentemente, a minha. Dou alguns passos para trás, lembrando-me do momento em que Evie gritou impedindo-me de subir para o seu apartamento. 

Eu sabia que ela escondia alguma coisa. 

A menina que está ao seu lado vira o rosto para mim e, assustado, corro na direção contrária da cafeteria. Atravesso alguns sinais de trânsito, desesperado, e quase sou atropelado no processo, mas é no quarto de hotel que minha mente parece um turbilhão de questionamentos, ansiedade e preocupações. 

Brendan e Vince me encaram curiosos e a única resposta que sou capaz de dar é:

— Acho que sou pai.

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