O céu já estava tingido de tons alaranjados quando Lara deixou a sede imponente da Moretti Corporation. O prédio de vidro refletia as últimas luzes do dia, e ela se sentia pequena diante da grandiosidade daquele lugar. Apertou a bolsa contra o corpo, ainda em estado de choque com tudo o que havia acontecido.
A caminhada até o ponto de ônibus foi silenciosa, interrompida apenas pelo barulho dos carros. Lara suspirou. Era como se vivesse em dois mundos distintos: o da empresa, sofisticado e cruel, e o dela, simples, onde cada centavo era contado. Quando finalmente chegou ao bairro onde morava, as ruas estreitas e iluminadas por postes amarelos lhe pareceram um abraço. Ali estava o seu lugar. A porta da casa rangeu ao ser aberta, e o cheiro de comida caseira invadiu suas narinas. — Filha? — a voz de Dona Helena veio da cozinha. — Já chegou? — Já, mãe — respondeu, tirando os sapatos gastos e deixando-os ao lado da porta. Antes que pudesse dar mais um passo, uma figura pequena e agitada surgiu correndo pelo corredor. — Manaaaa! — Renan, seu irmão caçula de oito anos, atirou-se em seus braços com toda a força que tinha. — Você demorou! Lara riu, erguendo-o no ar e rodando com ele. — Eu estava trabalhando, você sabe. — Mas eu queria te mostrar o desenho que fiz na escola! — disse ele, puxando-a pela mão com a urgência típica das crianças. Na mesa da sala, um papel cheio de cores mostrava uma família desenhada: Lara, Renan e a mãe, de mãos dadas, sorrindo. O coração dela apertou. — Está lindo, meu amor — disse, beijando a testa do irmão. — Você tem muito talento. Renan abriu um sorriso banguela e correu para pegar outro papel. Lara o observou com ternura, pensando em como ele era sua maior motivação. Não podia falhar. Não podia decepcioná-lo. Dona Helena surgiu na porta da cozinha, enxugando as mãos no avental. — E então, como foi o primeiro dia? Lara hesitou. Como explicar aquele turbilhão? A reunião, a pressão, o olhar penetrante do chefe, a rivalidade que já se desenhava? Optou por resumir. — Foi... intenso. Mas acho que consegui me sair bem. A mãe sorriu, orgulhosa. — Eu sabia que você daria conta. Durante o jantar simples — arroz, feijão e frango ensopado — Renan falava sem parar sobre suas aventuras na escola, enchendo a casa de alegria. Lara se pegava sorrindo, esquecendo por instantes a tensão do dia. Mas, quando se deitou em seu quarto mais tarde, a mente não a deixava descansar. Ficou olhando para o teto, lembrando da forma como Leonardo Moretti havia parado diante de sua mesa. O tom grave da voz dele ecoava em sua cabeça: “Você aprende rápido. Isso é útil.” Por que aquelas palavras, ditas de modo quase frio, a afetavam tanto? Por que sentia como se houvesse algo escondido por trás daquele olhar intenso? Lara se virou na cama, apertando o travesseiro. Não queria se iludir. Não queria cair na armadilha de confundir atenção profissional com algo mais. Ainda assim, seu coração teimava em bater mais rápido só de pensar nele. Enquanto o sono finalmente chegava, uma certeza cresceu dentro dela: aquele emprego mudaria não apenas sua vida, mas também quem ela era. E nada seria fácil dali para frente.