Mundo de ficçãoIniciar sessão— Senhorita Mareu?
Não, não, não, não…
— Você quer me explicar o que está fazendo?
Queria? Não. Podia? Também não. Precisava? Infelizmente, sim.
— Tomando… banho?
A resposta saiu patética, constrangida, e eu queria que o chão de mármore se abrisse e me engolisse junto com a espuma.
Senhor Novak continuou parado na porta, os olhos verdes fixos em mim com uma mistura de incredulidade e irritação.
Engoli seco e tentei me explicar:
— Eu tive um pequeno acidente trocando o Liam... O menino tem uma mira certeira, sabe? Mas ele já está bem, está dormindo, e eu achei que poderia… tomar um banho rápido antes de… continuar… eu...
Quanto mais eu falava, pior ficava. As palavras saíam atropeladas, sem nexo, e eu só conseguia pensar em como aquilo tudo parecia ridículo.
— E você achou que o meu banheiro era o lugar ideal para isso?
A voz dele era controlada, seca, cortante.
Porta elegante. Quarto enorme. Banheiro de mármore.
Claro que não era o quarto da babá. Babá nenhuma tinha banheira de mármore. Eu já devia saber disso desde o momento em que vi a cama king-size.
Mas não. Meu cérebro patricinha tinha ido direto para a porta mais bonita, como se eu ainda fosse dona de alguma coisa.
— A governanta disse que meu quarto era conectado ao do Liam e deixou minhas malas lá… — tentei explicar, a voz falhando. — Eu vi duas portas e… eu… escolhi a errada.
Ele arqueou uma sobrancelha, o tom ficando ainda mais gelado:
— Escolheu a mais luxuosa. Suponho que tenha parecido a opção mais óbvia para o seu quarto.
O sarcasmo na voz dele cortou fundo.
Era, de fato, bem parecido com o meu antigo quarto na mansão Valença. O detalhe é que lá eu era dona da casa. Aqui, eu era a funcionária. Pequenos detalhes que meu cérebro ainda não tinha aceitado.
— Eu sinto muito, senhor Novak — disse, a voz baixa. — Não foi minha intenção invadir a sua privacidade. Eu só… precisava de um banho.
Ele deu um passo à frente, a postura rígida, a expressão dura.
— Esta casa tem regras, senhorita Mareu. E limites. Você é responsável pelas crianças, não por circular pela parte privada da casa como se fosse dona dela.
Cada palavra saía precisa, calculada, cortante.
— Da próxima vez que tiver qualquer dúvida, fale com a governanta, não com a sua intuição.
Fez uma pausa, me encarando.
— Agora, saia do meu quarto imediatamente.
Ok, sair imediatamente era uma ótima ideia.
Comecei a me mexer na banheira, a água chacoalhando, e vi os olhos dele registrarem o movimento. Por uma fração de segundo, nossos olhares se cruzaram. Ele percebeu. Eu percebi que ele percebeu.
Senhor Novak desviou o olhar imediatamente, virando de costas com um movimento brusco.
— Não tão imediatamente — corrigiu, a voz um pouco mais tensa.
E saiu do banheiro, fechando a porta atrás de si.
Fiquei ali, sozinha, queimando de vergonha, o coração batendo descompassado.
Ótimo, Mareu. Ótimo trabalho. Primeiro dia e você já invadiu o quarto do patrão e quase deu um show de nudez.
Saí da banheira o mais rápido que consegui, procurando desesperadamente por uma toalha. Encontrei um roupão pendurado na porta, daqueles grossos, caros.
Me enrolei nele, ainda pingando água, e só então lembrei.
A roupa limpa.
Que eu tinha deixado em cima da cama.
Que agora eu sabia que não era a minha cama.
Puta que pariu.
Respirei fundo, apertei o nó do roupão e abri a porta do banheiro com toda a dignidade que ainda me restava. Ou seja: nenhuma.
Senhor Novak estava no quarto, em pé perto da janela, mexendo no celular, fingindo que eu não existia.
Plano A: atravessar o quarto em silêncio, pegar minhas coisas e sumir. Plano B: não existia plano B. Eu deveria ter ficado na banheira e morrido afogada.
Dei o primeiro passo. Depois o segundo. O chão de madeira estava gelado e escorregadio por causa da água que eu ia deixando pelo caminho.
Quase consegui.
Quase.
Até que meu pé bateu numa mesinha lateral. A mesinha tremeu. Um porta-retrato caiu de lado com um barulhinho alto demais para o silêncio constrangedor do quarto.
— Desculpa — murmurei, sem olhar para ele. — Eu já estou indo…
Acelerei o passo em direção à porta que dava acesso ao quarto do Liam.
E foi nesse momento que a gravidade decidiu participar ativamente da humilhação.
Meu pé escorregou na água. Senti o mundo virar. E antes que eu pudesse cair de cara no chão, uma mão forte segurou meu braço.
A outra mão... bem, a outra mão acabou exatamente onde não deveria estar.
No meu peito. Por cima do roupão. Mas ainda assim...
Congelamos.
Eu, Senhor Novak, o tempo, o universo inteiro.
Nossos olhos se encontraram por um segundo que pareceu durar uma eternidade, enquanto ele me ajudava a ficar de pé novamente.
Limpou a garganta, a voz saindo um tom mais baixo:
— Eu disse claramente para não morrer e nem deixar ninguém morrer, lembra?
Eu estava vermelha. Completamente vermelha. Da raiz do cabelo até a ponta dos pés.
— Desculpa — consegui dizer, a voz saindo fraca. — De novo. Eu… vou tentar seguir viva. E seca.
Me soltei dele com um movimento brusco, apertei o roupão ao redor do corpo e finalmente alcancei a porta.
Abri, entrei no quarto do Liam e fechei atrás de mim, encostando as costas na madeira, o coração disparado.
Clac.
O som do trinco sendo girado do outro lado.
Ele tinha trancado a porta do lado dele.
Murmurei baixinho, ainda tremendo:
— Puta que pariu, Mareu, você tá muito ferrada.
Foi quando ouvi.
Uma risadinha. Baixinha. De criança.
E só então percebi que não estava sozinha com Liam no quarto.
Uma menininha de uns seis anos estava encostada na grade do berço, me observando com aquela expressão curiosa e divertida. Ela inclinou a cabeça para o lado, analisando meu estado: descabelada, de roupão molhado, pingando no chão, ainda ofegante.
— A última babá durou três dias — disse, com aquele jeitinho precoce e sério demais para a idade.
Fez uma pausa dramática.
E então completou, com um sorrisinho de canto:
— Você vai bater o recorde?







