Capítulo 4

— Acho que do jeito que as coisas vão, eu não duro até meia-noite.

Olívia inclinou a cabeça, pensativa, como se estivesse ponderando uma questão complexa de matemática.

— Que pena.

Aquilo me pegou desprevenida. Pisquei, surpresa, afastando uma mecha de cabelo molhado do rosto.

— Por quê? Você... quer que eu fique?

Ela deu de ombros, com aquela naturalidade assustadora de criança que fala verdades sem filtro.

— Não ligo. Mas meia-noite eu já estou dormindo.

Franzi a testa, tentando entender onde ela queria chegar.

— Como assim?

— Gosto de assistir.

— Assistir o quê?

— Meu pai demitindo as babás.

Ah. Claro. Porque minha vida não podia ficar mais humilhante.

A filha do meu patrão tinha um hobby. E esse hobby era me ver sendo despedida. Provavelmente comendo pipoca.

Respirei fundo, tentando manter algum resquício de dignidade enquanto a água do meu corpo e cabelo continuava formando uma poça aos meus pés.

— Ótimo — murmurei. — Então eu vou me esforçar pra, pelo menos, sobreviver até o café da manhã. Só pra não estragar sua diversão.

Olívia sorriu. Um sorriso pequeno, mas genuíno, que iluminou o rostinho dela de um jeito quase fofo. Quase. Porque aquela criança continuava sendo ligeiramente assustadora.

— Mas, pra isso, eu preciso de uma roupa seca. E minhas coisas ainda estão no quarto do seu pai, porque eu entrei na porta errada.

Fiz uma pausa, contando mentalmente nos dedos o que tinha deixado para trás.

— Minha mala. A roupa limpa que eu separei. E a babá eletrônica.

Olívia me olhou com aquela expressão calculista que era perturbadora demais para uma criança de seis anos.

— Eu posso resolver isso.

Um fio de esperança acendeu no meu peito.

— Sério?

— Em troca de três barras de chocolate.

A esperança morreu na mesma velocidade que tinha nascido.

— Isso é chantagem — falei, indignada, cruzando os braços sobre o peito molhado. — Chantagem é feio. E o seu pai não te deixa abusar de açúcar.

Ela não pareceu nem um pouco abalada pela acusação. Pelo contrário. Cruzou os bracinhos magros, espelhando minha postura, e adotou uma expressão que eu tinha certeza absoluta de que tinha copiado diretamente do pai.

— Não é chantagem. É negócio. Meu pai diz que ninguém se movimenta sem incentivo. A gente troca valor.

Fiquei olhando para ela, completamente boquiaberta. A água continuava pingando, formando uma poça cada vez maior aos meus pés, mas eu mal conseguia processar isso. Estava ocupada demais tentando entender como uma criança de seis anos falava como executiva de Wall Street.

— Você tem mesmo seis anos?

— Seis e meio — corrigiu, muito séria, como se aquele meio ano fizesse toda a diferença do mundo. — E estudo numa escola especial. Papai diz que eu sou um prodígio.

Se for prodígio em extorquir as pessoas, ele não tá errado.

Tentei uma última cartada, reunindo o pouco de poder de negociação que ainda me restava.

— Duas barras. E eu ainda finjo que você não é ligeiramente assustadora.

— Três. E eu finjo que você tem chance de durar mais de uma semana.

Suspirei, derrotada, sentindo meus ombros caírem.

— Tá. Três. Mas em doses homeopáticas, viu? Eu gostaria de viver o suficiente pra receber meu primeiro salário.

Ela assentiu uma vez, satisfeita, e virou-se para sair. Parou na porta, olhou para trás e disse, com toda a seriedade do mundo:

— Negócio fechado.

Fiquei ali, sozinha, ouvindo a respiração suave do Liam no berço. Pelo menos já tinha aprendido a primeira regra da casa: nunca subestime uma criança de seis anos.

Alguns minutos depois, ouvi passos no corredor. A porta se abriu.

Levantei a cabeça rápido demais, esperando ver Olívia de volta com minhas coisas.

Não era Olívia.

Era o senhor Novak.

Ele entrou no quarto com a minha mala numa mão e a roupa limpa que eu tinha separado dobrada com precisão militar na outra. Eu permaneci parada ali, provavelmente parecendo um poodle que tinha caído numa piscina.

— Segundo a minha filha — ele disse, a voz grave cortando o silêncio —, você "não consegue sobreviver até o café da manhã" sem isso.

Engoli seco, sentindo meu rosto esquentar.

— Obrigada, senhor Novak. Eu… sinto muito pela confusão, de verdade.

— Tente não errar mais — disse, cada palavra saindo controlada, medida. — Já vi você hoje por mais tempo do que gostaria em uma semana inteira. Funcionários eficientes são funcionários invisíveis, senhorita Mareu.

— Certo. Não vai acontecer de novo.

Ele deu meio passo para trás, pronto para sair, e eu respirei aliviada por um segundo.

Mas então lembrei.

— Ah… senhor Novak? — chamei, a voz saindo mais baixa do que eu pretendia.

Ele parou na porta, sem se virar completamente. Apenas olhou por cima do ombro, esperando.

— A babá eletrônica. Ela ficou no… no banheiro. A governanta disse que eu precisava ficar com ela sempre, então…

Então ele soltou um suspiro. Longo. Profundo. O tipo de suspiro de homem que estava no limite absoluto da paciência.

— Vou buscar.

Mal tive tempo de respirar aliviada, pois assim que o senhor Novak saiu, Olívia entrou novamente, provavelmente para cobrar seu chocolate.

— Ele é sempre assim tão… bravo? — perguntei.

— Só quando lida com incompetência.

Virei a cabeça rápido, indignada.

— Hey!

Ela me olhou com aquela seriedade desconcertante.

— Tudo bem. O nível dele é bem alto — fez uma pausa. — Mas papai é legal. Às vezes.

— Essa parte do legal eu ainda não vi — murmurei. — E olha, ele é bonito, eu não sou cega. Mas é um ogro. Pacote completo: cara de protagonista de dorama, humor de chefe durão.

Olívia fez uma careta divertida, os olhos brilhando com algo que parecia genuína diversão.

— Nunca chamaram ele disso na minha frente antes.

— De bonito ou de ogro? — perguntei, levantando uma sobrancelha.

— Dos dois — ela respondeu, rindo baixinho.

Ia responder quando ouvi um barulhinho.

Bip.

Minha cabeça virou automaticamente para a mesinha ao lado do berço.

A babá eletrônica.

A parte que ficava no quarto.

A luzinha verde estava acesa, piscando suavemente.

E fazia aquele barulhinho baixinho, quase imperceptível, que indicava que a outra parte, a que ficava com a pessoa responsável pelo bebê, tinha sido ligada.

A governanta tinha comentado mais cedo que dava pra ouvir tudo do outro lado.

Meu estômago despencou.

Senti o sangue fugir do meu rosto.

Não.

Não, não, não, não.

Olhei para Olívia. Ela olhou para mim.

— Quanto tempo faz que a luz acendeu? — perguntei, a voz saindo em um fio fraco e desesperado.

Olívia inclinou a cabeça, pensando com aquela calma irritante.

— Desde “bonito, mas ogro", acho.

Puta. Que. Pariu.

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