Lúcia Mendes
As portas do elevador se abriram com um tinido agudo, me arrancando um suspiro nervoso. Apertei as pastas contra o peito com um braço enquanto equilibrava dois cafés na outra mão.
Merda, eu estava atrasada. Eduardo ficaria furioso.
Saí apressada, desviando por pouco de um estagiário que quase me derrubou.
"Cuidado, senhorita Mendes!"
"Desculpa, Ben!" falei de volta, sem nem olhar pra trás.
Um dos analistas tentou me interceptar, sorrindo meio sem graça. "Lúcia, posso falar rapidinho sobre..."
"Depois! Estou atrasada!" cortei com um sorriso tenso e balancei a pasta, sinalizando que não tinha nem uma mão livre pra discutir qualquer coisa.
Fui em direção ao corredor executivo sem parar para respirar. Meu coração martelava, o suor começava a se acumular na base do pescoço. As reuniões estavam para começar e eu precisava da assinatura dele agora.
Três mensagens não lidas. Duas ligações ignoradas.
Mordi o lábio. O celular vibrou no bolso, mas não tive coragem de olhar.
"Merda, Eduardo," murmurei, quase num grunhido, empurrando a porta dupla que dava para o hall das salas de diretoria.
Vi o nome dele reluzindo em placa metálica.
Respirei fundo. Equilibrei melhor as pastas e os cafés. Tinha que ser rápida. Tinha que manter a compostura.
Empurrei a porta sem bater, já me preparando pra sua reclamação sobre o atraso.
"Eduardo, eu PRECISO que você assine esses relat..."
Minha voz morreu na garganta.
O mundo parou.
Célia, sua assistente, estava sentada na beira da mesa dele, as pernas cruzadas de forma obscena. O vestido subindo perigosamente, o sorriso pintado de veneno.
Eduardo... meu Eduardo, inclinando-se sobre ela. Os dedos passeando pela cintura dela como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele riu baixo, íntimo, os lábios encostando no pescoço dela, deixando um beijo leve, demorado.
O som me atingiu como uma facada.
Os copos de café tremeram na minha mão antes de escorregar, tombando no chão com um estrondo surdo. O líquido se espalhou entre as pastas que se abriram como um leque, papéis se arrastando no piso.
Eduardo se afastou dela sem pressa, como se tivesse sido apenas levemente incomodado. Seus olhos encontraram os meus.
Célia ajeitou o vestido, o sorriso venenoso brilhando nos lábios vermelhos.
"Lúcia?" Eduardo arqueou uma sobrancelha. "Não é o que você está pensando..."
As palavras me atingiram como um soco. Minha garganta fechou. O gosto amargo subiu pela boca. As mãos tremiam.
Meus joelhos quase cederam, mas consegui dar um passo à frente."O que... o que você está fazendo com ela, Eduardo? Como não é o que eu estou pensando?"
Célia riu. Um som afiado, que ecoou na sala.
"Nossa, Lúcia, que cena ridícula." Ela desceu da mesa, os saltos clicando com precisão, e parou a poucos centímetros de mim.
"Entrando assim na sala de um diretor, com essa voz esganiçada... Precisa ter mais modos...""Ele é meu namorado! Tenho todo o direito de..."
Mas não consegui terminar. A risada dela soou alta, escandalosa.
"Namorado? Ah, querida, que ilusão. Você realmente acreditou nisso?
Eduardo e eu... bem... faz mais de um ano que estamos juntos. Nunca percebeu? Ele te usou como isca pra acalmar os diretores, só isso. Nunca foi você."Seus olhos brilhavam de puro veneno. O mesmo que sempre vi nos anos em que cursamos faculdade juntas. Ela sempre tentou me diminuir, sempre tentou conquistar o que era meu, mas ali... ali eu tinha triunfado como vice-diretora de Relações Públicas. Então ela me deu um bote diferente.
"Você achou mesmo que ele te queria?"
Eu me virei para Eduardo, o peito arfando.
"Isso é verdade, Eduardo...?" eu disse, a voz rasgando. "Você disse que me amava. Que queria uma família. Você me chamou para morar com você, seu cretino!"
Ele soltou um suspiro, desistindo do papel de namorado arrependido. Como se eu fosse uma criança fazendo birra.
"Lúcia, por favor. Não aumente ainda mais esse show.
Fui... gentil com você. Fiz o que pude, mas já estava cansado de me enganar." Um sorriso torceu seus lábios. "Você não é de se jogar fora, mas não é pra mim. Célia tem razão, só te usei para acalmar a Diretoria. Seu trabalho sempre foi bem feito. E eu sempre quero ter o melhor para mim.""Seu maldito, filho da puta."
"Não seja cínica, sei que também me usou. Quer o cargo de diretora de Relações Públicas. Eu poderia até ter te indicado, mas com esse show que você provocou, a única coisa que posso fazer é tentar que você não seja demitida."
A sala girou. Minha visão embaçou com lágrimas que eu me recusava a deixar cair.
"Você é um monstro," sussurrei, o peito queimando.
Dei um passo à frente, os punhos cerrados, o ódio me cegando.
Célia estava ali, sorrindo. O rosto perfeito implorando por um tapa.Avancei contra ela, o braço erguido, mas Eduardo foi mais rápido. Agarrou meu pulso e me empurrou com força contra a parede.
"Chega, Lúcia," ele rosnou, o olhar duro. "Você está se humilhando."
O impacto tirou o ar dos meus pulmões. Pontos pretos dançaram na minha visão.
Mas eu não ia deixar assim.
"Solta. A porra. Do meu braço!" rosnei, me debatendo, o corpo inteiro em tensão.
Ele me largou de súbito, como se eu fosse algo sujo.
Cambaleei, mas me mantive de pé.
O peito arfando. As lágrimas ardendo.Célia riu, agora mais alto, chamando a atenção do corredor.
Colegas se aglomeraram na porta. Sussurros. Risos abafados. Celulares prontos para registrar minha humilhação.
"Ela surtou," ouvi alguém dizer.
"Só ela não sabia do caso dos dois?"Célia se aproximou, o salto agulha roçando meu pé, como uma ameaça.
"Você nunca esteve no jogo, querida," sussurrou, o veneno pingando.
"Agora? Todo mundo sabe. Você é uma piada. Uma vadia amante de algo que sempre foi meu."Minhas pernas tremiam. Mas o queixo estava erguido. Os olhos cravados nos dela.
"Você vai se arrepender disso," murmurei, a voz rouca.
Ela riu e saiu com Eduardo, os braços entrelaçados, como se fossem donos do mundo.
"Vamos para nossa reunião, querido. Depois lidamos com essa... oportunista."
O corredor se esvaziou, mas os ecos das risadas ficaram.
Voltei para minha sala. Cada passo, um esforço para não desabar.
Tranquei a porta e me soltei na cadeira, o rosto encharcado de lágrimas.
Pensei em pedir demissão. Sumir. Mas não.A vaga de diretora de RP... estava tão perto. Anos de esforço. Não ia entregar de bandeja.
O computador piscou, tirando-me do torpor.
Um anúncio surgiu zombando do meu estado:"Acompanhantes de luxo. Discrição. Profissionalismo. Eventos sociais e festas corporativas."
Meus olhos grudaram nas palavras.
A festa anual para investidores seria em três semanas.
O ninho de cobras onde Célia reinava.
Onde eu seria massacrada... se aparecesse sozinha.Não.
Não dessa vez.Peguei o celular, as mãos ainda trêmulas.
Disquei. A linha chamou uma, duas vezes.
Quando atenderam, minha voz saiu firme, cortante como lâmina:
"Quero um acompanhante."
Respirei fundo
"Não um qualquer. Quero um homem que entre comigo e faça todos se calarem. O mais bonito. O mais elegante. O mais caro que você tiver. Para uma festa de gala.”