Lúcia Mendes
"Dois mil dólares. Dois mil. Dó-la-res."
As palavras martelavam na minha cabeça enquanto eu andava de um lado para o outro na entrada do salão principal. Cada clique do salto no mármore parecia gritar a minha própria idiotice.
Eu era a responsável, naquela noite, por representar a DRTech diante de novos investidores e estava a um passo de fazer o maior papel de trouxa da minha vida.
Não chequei referências. Não pesquisei o site. Só paguei. Dois mil dólares, num impulso de raiva e desespero, porque deixei a dor da traição me invadir.
Olhei o celular pela milésima vez. Vinte minutos de atraso. O ar parecia mais pesado, o vestido azul colando à pele com o nervosismo.
"Você não precisava disso, Lúcia," murmurei, o peito apertado.
Mas eu precisava. Depois do que Célia e Eduardo fizeram, tudo só piorou. As exigências dos outros diretores aumentaram. As fofocas sobre mim se espalhavam como um veneno. Cada passo que eu dava à frente parecia me arrastar ainda mais longe dos meus planos, da vaga que eu lutei tanto para conquistar.
Ah, se eu soubesse que me envolver com aquele maldito destruiria todas as minhas chances...
A festa anual da DRTech não era apenas um evento. Era uma vitrine de poder. Investidores, rodadas de negócios, demonstrações de tecnologia em cada uma das salas anexas. O salão reluzia sob lustres de cristal, o ar pesado com perfumes caros e segredos não ditos. E eu... parada ali, sozinha, sentindo o desespero apertar a garganta enquanto homens de terno passavam por mim sem sequer lançar um olhar.
"Onde você está?" suspirei resignada olhando para o celular mais uma vez.
Célia, do outro lado do salão, reinava como uma rainha venenosa. O vestido vermelho gritava poder, e o braço de Eduardo em sua cintura era um lembrete cruel de tudo que eu perdi. Os olhares dos colegas já começavam a pesar. "Cadê o acompanhante que ela tanto falou?" eu podia quase ouvir.
"Burra. Uma completa burra," sussurrei, apertando os olhos para não desmoronar.
Estava a um passo de fugir, inventar uma desculpa qualquer: um resfriado, uma emergência..., quando um homem se aproximou. Alto, mais de um metro e noventa, o terno preto impecável abraçando um corpo esculpido. O rosto era de tirar o fôlego: barba cerrada, uma cicatriz sutil no maxilar dando um ar perigoso, olhos cinza que pareciam atravessar a alma. Um relógio vintage brilhava no pulso, como se carregasse histórias que eu nunca saberia. Ele parou a poucos passos, hesitante, como se quisesse dizer algo.
"Com licença," começou, a voz grave e firme, "você sabe onde fica a sala de apresentações do conselho?"
Meu coração disparou. Era ele. Só podia ser. Eu tinha deixado claro: estaria na frente da sala de apresentações do conselho. Tinha que ser ele. Dois mil dólares não podiam ter comprado menos do que aquilo. Antes que a coragem me traísse, soltei:
"Até que enfim! Você está atrasado!"Ele franziu a testa, o corpo enrijecendo visivelmente, como se eu tivesse falado em outra língua. "Perdão?"
"Vinte minutos atrasado!" Cruzei os braços, tentando esconder o tremor nas mãos. "Marcamos às 19:30, e já são 19:50. Se eu não tivesse pago adiantado, descontaria do seu cachê."
"Senhorita, acho que há um engano..." Ele deu um passo atrás, a tensão nos ombros clara, mas eu não ia deixá-lo escapar.
"Sem desculpas!" Avancei, agarrando seu braço com mais força do que pretendia. O perfume amadeirado dele me envolveu, intenso, quase me fazendo perder o foco. "Você é tudo e mais um pouco do que eu pedi. Vale cada centavo, mas agora vamos trabalhar."
Os olhos cinza se arregalaram, uma mistura de choque e algo que parecia... diversão? Ele hesitou, como se debatesse entre corrigir o mal-entendido ou seguir adiante. "Trabalhar?" perguntou, a voz carregada de um tom que me deixou incerta.
"Sim!" Baixei a voz, inclinando-me para ele, o coração martelando. "Te paguei para fingir ser meu namorado. Perdidamente apaixonado. Mãos dadas, olhares intensos, o pacote completo. E nem pense em se distrair com as cobras lá dentro, especialmente a de vermelho. Eu paguei, e você é meu por essa noite. Entendeu?"
Ele ainda me encarava, a tensão nos ombros visível. Mas em vez de responder, seu olhar deslizou para o meu pescoço.
"Esse lenço..." Ele inclinou o queixo, apertando os olhos, curioso. "É o logo da DRTech?"
Eu me encolhi levemente, surpresa. Levei a mão até o tecido, tentando arrumar.
"Sim," admiti, engolindo em seco. "Eu trabalho lá. Vice-diretora de Relações Públicas."
Algo mudou no olhar dele. Não exatamente surpresa, mas um interesse desperto. Ele pareceu pesar alguma coisa por um segundo, o maxilar trabalhando de leve.
"Vocês têm uma grande participação no evento de hoje," murmurou baixo, quase para si mesmo.
Franzi a testa. "Como você sabe?"
Ele não respondeu diretamente. Em vez disso, um canto da boca se ergueu num sorriso lento, calculado, quase predatório.
"Entendi," disse finalmente, a voz rouca roçando minha pele como veludo. " Sou seu namorado falso. A quem devemos impressionar ?
Apoiei a mão no peito dele, sentindo o calor sob o terno, e apontei discretamente para Célia. "Aquela ali, de vermelho, é a assistente do meu ex. Ela e Eduardo tramaram contra mim. Ainda não sei exatamente o que eles estão tentando fazer, mas... me humilharam. Só preciso que você me ajude a sobreviver essa noite, até eu decidir o que fazer."
Ele seguiu meu olhar, os olhos estreitando ao focar em Célia e Eduardo. Por um instante, pareceu reconhecer alguma coisa, ou alguém.
"Entendi," murmurou, agora em um tom baixo, quase conspiratório. "Vamos, então. Primeiro as damas."
Enlacei seu braço, os saltos batendo firmes no chão polido enquanto atravessávamos o saguão. Os olhares dos colegas se voltaram para nós, curiosos, maliciosos. Célia e Eduardo nos observaram do outro lado, e o sorriso dela vacilou por um segundo. Eduardo franziu a testa, como se algo no meu acompanhante o incomodasse. Meu peito inflou, a dor ainda latejando, mas abafada por uma fagulha de triunfo.
De repente, ele parou, a mão grande escorregando para minha cintura com uma firmeza que me fez prender o ar. O calor dos dedos atravessou o tecido do vestido, enviando ondas de choque direto para meu ventre.
Ele se inclinou, os lábios quase roçando minha orelha. Sua voz saiu baixa, rouca, com um timbre carregado de promessas perigosas:
"Se é para fingir, senhorita, vou te dar um show que ninguém aqui vai esquecer. Mas cuidado..."
Os olhos cinza me prenderam, ardendo com algo que eu não soube nomear. Um aviso. Uma promessa. Um convite.
"... esse pacote completo pode acabar sendo mais do que você consegue suportar."
Meu coração disparou. Minhas mãos tremeram contra o tecido do terno impecável dele. A boca secou.
E pela primeira vez naquela noite, eu me perguntei se tinha feito um acordo com o diabo.