A manhã do casamento chegou com uma suavidade desconcertante, como se o mundo quisesse ignorar o peso do que estava prestes a acontecer. O céu estava limpo, sem uma nuvem à vista, e o ar fresco da primavera invadia a casa com uma suavidade que parecia irônica diante da tensão que Clara sentia. O dia deveria ser especial, mas, para ela, parecia apenas um rito de passagem forçado.
Clara se olhou no espelho do quarto que agora dividia com Enrico, o rosto pálido, com a maquiagem impecável que Daniela, assistente de Enrico, fizera questão de aplicar. O vestido de noiva, que ela escolheu sem muita emoção, parecia mais uma armadura do que um traje de celebração. O tecido branco e a renda delicada contrastavam com a frieza de seus pensamentos. O espelho refletia a imagem de uma mulher que estava prestes a dar um passo irreversível em sua vida, mas que não sabia se ainda conseguia se reconhecer no reflexo.
A casa estava calma. Sua mãe havia ficado na cozinha, preparando um café que ninguém beberia. Seus irmãos estavam entretidos com seus próprios dilemas, alheios ao peso do casamento. Clara não sentia raiva deles, nem ressentimento. Apenas uma indiferença vazia. Nada disso parecia real. Apenas um pesadelo do qual ela não conseguia acordar.
O carro de Enrico chegou pontualmente ao meio-dia, um modelo luxuoso e de aparência impessoal. Daniela abriu a porta para Clara, e ela entrou sem dizer uma palavra. Não havia necessidade de mais despedidas ou conversas. O que restava agora era seguir o fluxo, esperar que a cerimônia terminasse e enfrentar o que quer que fosse depois.
O trajeto até o local do casamento foi curto, mas para Clara, parecia uma eternidade. Ela observava pela janela, tentando encontrar algum vestígio de emoção, mas tudo o que via era a cidade distante, como se ela estivesse prestes a ser deixada para trás.
Chegaram a uma mansão imponente, de fachadas brancas e jardins bem cuidados. Clara nunca imaginou que um dia estaria ali, naquele espaço de luxo e ostentação, se sentindo como uma intrusa. A cerimônia seria íntima, como havia sido prometido, mas o luxo ao redor só destacava a sensação de desconforto que ela não conseguia evitar.
Quando Clara entrou no salão, os poucos convidados se levantaram. Os olhares eram breves, educados, mas sem o afeto que ela esperava. Enrico estava ali, à sua espera, com um terno escuro que parecia feito sob medida, a postura impecável e o sorriso rígido. Ele se aproximou de Clara com um olhar calculista, mas com o que Clara reconheceu como uma sombra de preocupação. Ele não queria aquilo tanto quanto ela, mas ambos estavam ali, presos por um destino que os obrigava a seguir em frente.
A cerimônia foi rápida. As palavras do sacerdote se perderam no ar. Clara mal prestou atenção no que ele dizia, seu foco estava em outra parte. Sentia uma pressão no peito, uma dor silenciosa que não podia expressar. Aquelas promessas eram vazias, e ela sabia disso. Assinou o papel sem hesitar, sentindo que estava perdendo algo irreparável, algo que nunca mais poderia recuperar.
Enrico, ao contrário, parecia aliviado. Com a cerimônia concluída, ele sorriu novamente, dessa vez com mais sinceridade. Ele estendeu a mão para Clara, e ela a pegou com relutância. Não havia como negar que ele era um homem de presença. Mas, ao mesmo tempo, ele era um homem de compromissos e interesses, e Clara agora sabia que fazia parte desses interesses.
A recepção foi ainda mais impessoal do que a cerimônia. Poucos convidados conversaram com Clara. A maioria estava mais interessada nos negócios que Enrico comandava do que na recém-casada. Clara sentiu-se isolada, cercada por rostos que sorriam para ela como se estivessem cumprindo uma obrigação, como se sua presença ali fosse apenas mais uma formalidade.
Ela e Enrico trocaram poucas palavras durante a festa. Ele estava ocupado com os investidores e parceiros de negócios, enquanto Clara se mantinha distante, tentando se acostumar com o ambiente. O espaço era luxuoso, mas para ela, tudo parecia falso, vazio. Sentiu falta de sua antiga casa, com sua simplicidade acolhedora e suas conversas sinceras. Aqui, tudo parecia ser movido por interesse, por uma necessidade de agradar os outros, de manter uma fachada impecável.
Quando a noite caiu, Clara foi conduzida ao quarto do casal. A casa era tão grande e silenciosa que, por um momento, ela se sentiu ainda mais sozinha do que antes.
Enrico entrou no quarto poucos minutos depois. Ele parecia cansado, mas ao mesmo tempo, tranquilo. Ele se aproximou de Clara e a olhou com um sorriso gentil.
— Agora, você está segura. Tudo o que prometi, você tem. Nada mais vai te faltar.
Clara olhou para ele, sem saber o que dizer. Não havia conforto em suas palavras. Não havia alívio. Ela apenas assentiu, tentando disfarçar a angústia que se formava em seu peito.
O silêncio se estendeu entre os dois. Clara se deitou na cama, ainda vestida com o pesado vestido de noiva, e fechou os olhos, desejando que o tempo passasse rapidamente.
Mas o silêncio não durou muito. Enrico se deitou ao seu lado, e Clara sentiu o peso de sua presença ao seu lado, mas de uma maneira estranha e distante. Ele estava ali fisicamente, mas mentalmente, ele já havia se distanciado dela.
Ela sabia que a vida ao seu lado seria uma sucessão de contratos e obrigações. E mais uma vez, ela se perguntava se algum dia seria capaz de se encontrar novamente em meio a tudo aquilo.
A primeira noite no grande casarão foi silenciosa, tão silenciosa que Clara sentiu como se estivesse em um outro mundo, isolada de tudo o que um dia conheceu. O lugar, imenso e imponente, estava longe de ser acolhedor. Ela se mexia na cama, tentando se ajustar ao novo ambiente, mas a cama enorme parecia fria e distante, e a quietude da casa fazia com que ela sentisse um peso no coração. Nada sobre aquele lugar parecia familiar. Quando Clara olhou ao redor, a decoração luxuosa e impessoal não fazia sentido para ela. Cada objeto, cada móvel, parecia ter sido colocado ali com o único propósito de impressionar, e não de trazer aconchego. A grande janela do quarto, que dava para o jardim, permitia que ela visse as luzes da cidade distante, mas não oferecia a sensação de conforto que ela desejava. Ela fechou os olhos, tentando bloquear os pensamentos que invadiam sua mente, mas não conseguia. As imagens do casamento, a assinatura do contrato, a promessa de Enrico de cuidar dela... Tudo par
A vida na casa de Enrico começou a se moldar em uma rotina. Embora Clara ainda estivesse tentando se adaptar, o novo ambiente parecia ser mais uma prisão do que um lar. Todos os dias, ela acordava cedo, enfrentava o silêncio da casa e passava os momentos mais desconfortáveis tentando entender seu lugar ali. Enrico, por sua vez, se mostrava distante, imerso nos seus próprios pensamentos e tarefas, como se já tivesse se acostumado com a presença dela, mas sem nunca realmente estar presente. Clara sentia falta da liberdade que tinha antes. Mesmo com a obrigação do casamento, ela não podia negar a saudade que sentia de sua antiga vida, da simplicidade das manhãs na casa de seus pais. Mas, com o passar dos dias, as coisas começaram a mudar — para pior. A rotina de Clara era marcada por longos períodos de solidão. Enrico saia cedo para trabalhar e só voltava à noite, deixando-a sozinha com a casa, os empregados e a imensidão daquele lugar. Embora ela tivesse total acesso aos luxos do casa
Os dias começaram a se arrastar de maneira monótona, mas Clara não conseguia afastar da cabeça as palavras que ouvira naquela noite. Enrico estava escondendo algo, algo que poderia mudar tudo. Ela não sabia o que era, mas a sensação de desconforto só aumentava. Toda vez que ele a olhava com aqueles olhos frios, Clara sentia que ele sabia mais do que dizia. Algo no comportamento dele estava fora do lugar, mas o que exatamente? Era como se ela estivesse cercada por um jogo de sombras, onde as regras estavam sendo constantemente mudadas, e ela era a única que não sabia as respostas. Enrico, por sua vez, não parecia nem um pouco abalado. A cada dia, ele se tornava mais distante, mais centrado no trabalho. Suas interações com Clara estavam limitadas a momentos formais, como se ela fosse uma estranha, uma convidada em sua casa e não sua esposa. Embora fosse óbvio que ele tinha outros interesses além dela, Clara se sentia pressionada a manter as aparências, a continuar com o papel que lhe f
Clara acordou com uma sensação de desconforto. O vento frio que entrava pelas janelas abertas sussurrava uma música melancólica. A casa parecia imensa, mas ao mesmo tempo opressora, como se as paredes estivessem se fechando sobre ela a cada dia. Ela levantou da cama lentamente, os pensamentos turvos e entrelaçados, mas a imagem de Gabriel e a reação de Enrico ainda estavam frescas em sua mente. Ela tentou racionalizar tudo. Enrico sempre fora tão reservado, sempre tão controlador. Mas algo nela, talvez a intuição, lhe dizia que o marido estava escondendo algo muito maior. Clara não conseguia ignorar o fato de que, quando Gabriel apareceu, Enrico mudou completamente. O comportamento rígido e autoritário de Enrico não era apenas com ela, mas também com os outros ao seu redor. Gabriel, um homem aparentemente comum, parecia ter algum tipo de importância para Enrico. Isso, por si só, já era suficiente para que Clara se sentisse inquieta. Enquanto tomava seu café na grande cozinha da mans
A tensão no ar era palpável. Clara ficou ali, na biblioteca, encarando Enrico com uma mistura de confusão e raiva. Ele sabia que algo estava acontecendo, e ela também sabia que ele estava escondendo mais do que podia imaginar. Gabriel se afastou discretamente, permitindo que Clara tivesse a atenção total de Enrico. A sala parecia ainda maior agora, as sombras projetadas pelas luzes suaves do lustre criando uma atmosfera carregada de mistério. Enrico entrou na biblioteca, fechando a porta atrás de si com um estalo seco. Ele não disse nada por um longo momento, apenas observando Clara, como se estivesse esperando que ela falasse. Mas Clara não podia mais esperar. Ela precisava saber a verdade. — O que você está escondendo de mim, Enrico? — Clara perguntou, sua voz firme, apesar da apreensão que sentia. Ela não podia mais fingir que tudo estava bem. Enrico deu um passo à frente, seu olhar cortante como uma lâmina afiada. Ele parecia pesar suas palavras, mas, em vez de responder direta
A manhã seguinte chegou mais lenta do que Clara imaginava. O som suave dos passarinhos que cantavam do lado de fora da janela parecia uma ironia diante da tempestade interna que se formava em seu peito. Ela acordou cedo, muito antes de Enrico ou qualquer outra pessoa. O silêncio da casa era opressor, como se todos estivessem aguardando algo que, embora inevitável, ninguém queria enfrentar. Clara se levantou da cama com um suspiro, seus pensamentos ainda girando em torno do que Enrico lhe dissera na noite anterior. Ele havia se afastado, fugido de suas perguntas, e isso apenas a fez sentir que estava lidando com algo muito maior do que imaginava. Algo que ela não estava pronta para enfrentar, mas que agora parecia ser seu único caminho. Ela sabia que precisava seguir em frente, descobrir a verdade que ele tentava esconder, não importa o custo. Quando entrou no banheiro, olhou seu reflexo no espelho. Seus olhos estavam marcados pelo cansaço, e seu rosto pálido refletia a tensão que el
Clara estava sem palavras. A revelação de Enrico ainda ecoava em sua mente, mas, antes que pudesse digerir completamente o que ele acabara de dizer, ele a interrompeu, seu olhar grave refletindo a seriedade do momento. — Eu sei que você está confusa, Clara. E eu não espero que você me perdoe agora. Mas você precisa entender uma coisa — ele fez uma pausa, como se ponderasse as palavras que viriam a seguir. — Gabriel não é apenas meu irmão. Ele tem mais envolvimento com nossa família do que você imagina. Clara sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Gabriel. Tudo o que ela soubera até então parecia desmoronar diante dessa nova informação. Como ele estava envolvido? O que isso significava para ela? A dúvida a corroía, mas ela sabia que, se quisesse realmente entender a teia de mentiras em que estava enredada, precisava ouvir Enrico até o fim. — Eu preciso que você me explique, Enrico — Clara disse, sua voz tremendo levemente, mas sua postura ainda firme. Ela estava determinada a ent
Clara não sabia exatamente o que esperava encontrar quando decidisse confrontar Gabriel. Mas algo dentro de si a impulsionava para frente, como se ela já tivesse esperado por aquele momento há muito tempo. Ela sabia que ele possuía o poder de destruir tudo o que restava da sua vida, mas agora, com as peças do quebra-cabeça começando a se encaixar, ela sentia que não poderia mais viver na ignorância. Era uma tarde fria e chuvosa quando Clara decidiu que seria aquele o dia. O escritório de Gabriel ficava no centro da cidade, um prédio imponente que simbolizava o domínio que ele tinha sobre o mercado e sobre a vida das pessoas ao seu redor. Quando Clara entrou no edifício, a atmosfera parecia opressiva. A entrada era luxuosa, com mármores brancos e dourados em cada canto. Um contraste direto com o turbilhão de sentimentos que ela carregava dentro de si. Ela foi conduzida até a sala de reuniões, onde Gabriel a aguardava, sentado em uma cadeira de couro preto. Seu olhar não era o mesmo d