A primeira noite no grande casarão foi silenciosa, tão silenciosa que Clara sentiu como se estivesse em um outro mundo, isolada de tudo o que um dia conheceu. O lugar, imenso e imponente, estava longe de ser acolhedor. Ela se mexia na cama, tentando se ajustar ao novo ambiente, mas a cama enorme parecia fria e distante, e a quietude da casa fazia com que ela sentisse um peso no coração. Nada sobre aquele lugar parecia familiar.
Quando Clara olhou ao redor, a decoração luxuosa e impessoal não fazia sentido para ela. Cada objeto, cada móvel, parecia ter sido colocado ali com o único propósito de impressionar, e não de trazer aconchego. A grande janela do quarto, que dava para o jardim, permitia que ela visse as luzes da cidade distante, mas não oferecia a sensação de conforto que ela desejava. Ela fechou os olhos, tentando bloquear os pensamentos que invadiam sua mente, mas não conseguia. As imagens do casamento, a assinatura do contrato, a promessa de Enrico de cuidar dela... Tudo parecia um pesadelo distante que ela não podia simplesmente esquecer.
Enrico, por sua vez, estava sentado na beirada da cama, tirando o terno com calma. Ele parecia alheio à angústia de Clara, como se fosse natural estar ali, naquele quarto, naquela casa. Ele se virou para ela e, com um sorriso, disse:
— Você está cansada, Clara. Eu sei que a mudança é difícil, mas com o tempo você vai se acostumar. Eu estarei aqui para garantir que tudo o que você precisar esteja à sua disposição.
Clara tentou sorrir, mas não conseguiu. Era uma mentira, ela sabia. Não havia como se acostumar com algo tão vazio e calculado. Ela sabia que ele estava sendo educado, mas as palavras dele soavam vazias para ela. Ela não queria ser uma dependente dele, não queria ser uma peça em um jogo que ela nunca escolheu jogar.
— Eu entendo — respondeu Clara, sua voz suave, sem energia. — Eu só... só preciso de um tempo para me ajustar.
Enrico assentiu, levantando-se da cama e indo até o banheiro. Ele parecia tão tranquilo, tão seguro de si, como se já tivesse aceitado o que quer que fosse esse casamento. Clara, por outro lado, sentia uma ansiedade crescente, um vazio dentro dela que parecia cada vez mais difícil de preencher.
Ela olhou para o teto, pensando na vida que deixara para trás. A casa de seus pais, seus irmãos, os momentos simples que compartilhavam juntos. Nada disso importava mais agora. Tudo estava perdido. Ela não tinha mais escolha.
Enquanto Enrico tomava seu banho, Clara se levantou e caminhou até a janela. O vento frio da noite entrou pela fresta, trazendo com ele o cheiro da cidade e o som distante da vida acontecendo lá fora. Lá, no fundo, as ruas ainda estavam movimentadas, as pessoas ainda riam, conversavam, viviam suas vidas. E Clara estava ali, prisioneira de uma vida que não escolheu, observando tudo aquilo de longe.
Ela queria gritar, mas sabia que não adiantaria. Nada mudaria.
Quando Enrico saiu do banheiro, ele se aproximou de Clara e colocou a mão em seu ombro com um gesto suave.
— Eu sei que é difícil — disse ele, com uma voz baixa, quase como se estivesse tentando consolar ela. — Mas eu estou fazendo isso por nós dois. Eu prometi ao meu pai que tomaria conta de tudo, e agora sou responsável por você também.
Clara fechou os olhos por um momento, sentindo a pressão de suas palavras. Ele estava certo, de certa forma. Ele a "tomara" como uma responsabilidade, assim como tomava a empresa, os negócios e sua vida. Ela não era uma parceira, não era alguém com quem ele dividia o peso da vida. Ela era uma obrigação, e ele agia como se estivesse cumprindo um papel.
A tensão no quarto aumentou, e Clara sentiu o frio no ambiente apertando ainda mais seu peito. Ela sabia que esse casamento não seria apenas um contrato social, mas também uma prisão emocional. Enrico podia ter boas intenções, mas, no fundo, ele não a via como alguém capaz de tomar suas próprias decisões. Para ele, Clara era apenas mais uma parte do império que ele construía, uma peça que, sem saber, já estava sendo manipulada.
Enrico se deitou na cama ao lado dela, e o silêncio entre os dois se fez novamente. Clara ficou de olhos abertos, olhando para o teto, até que o sono finalmente a tomou.
Naquela noite, Clara sonhou com a casa de seus pais. Ela sonhou com os risos de seus irmãos, com o cheiro da comida que sua mãe sempre preparava com tanto carinho. Mas, logo, o sonho foi interrompido pela imagem de Enrico, que apareceu em seu pesadelo como uma sombra escura. Ele estava sentado à mesa, olhando-a com uma expressão fria, implacável.
Ela acordou de repente, com o coração acelerado. O quarto estava silencioso, e a luz do amanhecer começava a invadir o ambiente. Ela olhou para o lado e viu Enrico ainda dormindo ao seu lado, alheio ao turbilhão que acontecia na mente dela.
A nova vida dela havia começado, mas Clara não sabia se conseguiria se acostumar com ela. A cada dia, ela se afastava mais do que conhecia, e se aproximava de algo que não compreendia completamente. Enrico tinha o controle de sua vida agora, mas ela sabia que esse controle não duraria para sempre.
A vida na casa de Enrico começou a se moldar em uma rotina. Embora Clara ainda estivesse tentando se adaptar, o novo ambiente parecia ser mais uma prisão do que um lar. Todos os dias, ela acordava cedo, enfrentava o silêncio da casa e passava os momentos mais desconfortáveis tentando entender seu lugar ali. Enrico, por sua vez, se mostrava distante, imerso nos seus próprios pensamentos e tarefas, como se já tivesse se acostumado com a presença dela, mas sem nunca realmente estar presente. Clara sentia falta da liberdade que tinha antes. Mesmo com a obrigação do casamento, ela não podia negar a saudade que sentia de sua antiga vida, da simplicidade das manhãs na casa de seus pais. Mas, com o passar dos dias, as coisas começaram a mudar — para pior. A rotina de Clara era marcada por longos períodos de solidão. Enrico saia cedo para trabalhar e só voltava à noite, deixando-a sozinha com a casa, os empregados e a imensidão daquele lugar. Embora ela tivesse total acesso aos luxos do casa
Os dias começaram a se arrastar de maneira monótona, mas Clara não conseguia afastar da cabeça as palavras que ouvira naquela noite. Enrico estava escondendo algo, algo que poderia mudar tudo. Ela não sabia o que era, mas a sensação de desconforto só aumentava. Toda vez que ele a olhava com aqueles olhos frios, Clara sentia que ele sabia mais do que dizia. Algo no comportamento dele estava fora do lugar, mas o que exatamente? Era como se ela estivesse cercada por um jogo de sombras, onde as regras estavam sendo constantemente mudadas, e ela era a única que não sabia as respostas. Enrico, por sua vez, não parecia nem um pouco abalado. A cada dia, ele se tornava mais distante, mais centrado no trabalho. Suas interações com Clara estavam limitadas a momentos formais, como se ela fosse uma estranha, uma convidada em sua casa e não sua esposa. Embora fosse óbvio que ele tinha outros interesses além dela, Clara se sentia pressionada a manter as aparências, a continuar com o papel que lhe f
Clara acordou com uma sensação de desconforto. O vento frio que entrava pelas janelas abertas sussurrava uma música melancólica. A casa parecia imensa, mas ao mesmo tempo opressora, como se as paredes estivessem se fechando sobre ela a cada dia. Ela levantou da cama lentamente, os pensamentos turvos e entrelaçados, mas a imagem de Gabriel e a reação de Enrico ainda estavam frescas em sua mente. Ela tentou racionalizar tudo. Enrico sempre fora tão reservado, sempre tão controlador. Mas algo nela, talvez a intuição, lhe dizia que o marido estava escondendo algo muito maior. Clara não conseguia ignorar o fato de que, quando Gabriel apareceu, Enrico mudou completamente. O comportamento rígido e autoritário de Enrico não era apenas com ela, mas também com os outros ao seu redor. Gabriel, um homem aparentemente comum, parecia ter algum tipo de importância para Enrico. Isso, por si só, já era suficiente para que Clara se sentisse inquieta. Enquanto tomava seu café na grande cozinha da mans
A tensão no ar era palpável. Clara ficou ali, na biblioteca, encarando Enrico com uma mistura de confusão e raiva. Ele sabia que algo estava acontecendo, e ela também sabia que ele estava escondendo mais do que podia imaginar. Gabriel se afastou discretamente, permitindo que Clara tivesse a atenção total de Enrico. A sala parecia ainda maior agora, as sombras projetadas pelas luzes suaves do lustre criando uma atmosfera carregada de mistério. Enrico entrou na biblioteca, fechando a porta atrás de si com um estalo seco. Ele não disse nada por um longo momento, apenas observando Clara, como se estivesse esperando que ela falasse. Mas Clara não podia mais esperar. Ela precisava saber a verdade. — O que você está escondendo de mim, Enrico? — Clara perguntou, sua voz firme, apesar da apreensão que sentia. Ela não podia mais fingir que tudo estava bem. Enrico deu um passo à frente, seu olhar cortante como uma lâmina afiada. Ele parecia pesar suas palavras, mas, em vez de responder direta
A manhã seguinte chegou mais lenta do que Clara imaginava. O som suave dos passarinhos que cantavam do lado de fora da janela parecia uma ironia diante da tempestade interna que se formava em seu peito. Ela acordou cedo, muito antes de Enrico ou qualquer outra pessoa. O silêncio da casa era opressor, como se todos estivessem aguardando algo que, embora inevitável, ninguém queria enfrentar. Clara se levantou da cama com um suspiro, seus pensamentos ainda girando em torno do que Enrico lhe dissera na noite anterior. Ele havia se afastado, fugido de suas perguntas, e isso apenas a fez sentir que estava lidando com algo muito maior do que imaginava. Algo que ela não estava pronta para enfrentar, mas que agora parecia ser seu único caminho. Ela sabia que precisava seguir em frente, descobrir a verdade que ele tentava esconder, não importa o custo. Quando entrou no banheiro, olhou seu reflexo no espelho. Seus olhos estavam marcados pelo cansaço, e seu rosto pálido refletia a tensão que el
Clara estava sem palavras. A revelação de Enrico ainda ecoava em sua mente, mas, antes que pudesse digerir completamente o que ele acabara de dizer, ele a interrompeu, seu olhar grave refletindo a seriedade do momento. — Eu sei que você está confusa, Clara. E eu não espero que você me perdoe agora. Mas você precisa entender uma coisa — ele fez uma pausa, como se ponderasse as palavras que viriam a seguir. — Gabriel não é apenas meu irmão. Ele tem mais envolvimento com nossa família do que você imagina. Clara sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Gabriel. Tudo o que ela soubera até então parecia desmoronar diante dessa nova informação. Como ele estava envolvido? O que isso significava para ela? A dúvida a corroía, mas ela sabia que, se quisesse realmente entender a teia de mentiras em que estava enredada, precisava ouvir Enrico até o fim. — Eu preciso que você me explique, Enrico — Clara disse, sua voz tremendo levemente, mas sua postura ainda firme. Ela estava determinada a ent
Clara não sabia exatamente o que esperava encontrar quando decidisse confrontar Gabriel. Mas algo dentro de si a impulsionava para frente, como se ela já tivesse esperado por aquele momento há muito tempo. Ela sabia que ele possuía o poder de destruir tudo o que restava da sua vida, mas agora, com as peças do quebra-cabeça começando a se encaixar, ela sentia que não poderia mais viver na ignorância. Era uma tarde fria e chuvosa quando Clara decidiu que seria aquele o dia. O escritório de Gabriel ficava no centro da cidade, um prédio imponente que simbolizava o domínio que ele tinha sobre o mercado e sobre a vida das pessoas ao seu redor. Quando Clara entrou no edifício, a atmosfera parecia opressiva. A entrada era luxuosa, com mármores brancos e dourados em cada canto. Um contraste direto com o turbilhão de sentimentos que ela carregava dentro de si. Ela foi conduzida até a sala de reuniões, onde Gabriel a aguardava, sentado em uma cadeira de couro preto. Seu olhar não era o mesmo d
Clara se afastou de Gabriel, mas seu coração ainda batia forte, cheio de emoções conflitantes. Ela não sabia o que sentia, ou o que deveria sentir. O confronto com ele a havia deixado mais confusa do que antes. A sinceridade em sua voz a afetou de maneira inesperada, mas ela não podia simplesmente esquecer tudo o que ele fizera, tudo o que ele a fizera sentir. A chuva lá fora continuava forte, com os trovões ressoando no céu, como se o tempo refletisse o turbilhão em seu interior. Clara olhou pela janela, tentando encontrar algum tipo de resposta na paisagem cinzenta e distante. As ruas estavam vazias, as pessoas apressadas, buscando abrigo da tempestade. Ela sentiu uma necessidade quase urgente de escapar dali, de encontrar um lugar onde pudesse pensar, onde pudesse finalmente entender o que queria da vida, e o que ela realmente merecia. — Gabriel — ela disse, sua voz agora mais suave, mas cheia de um tom determinado. — Eu preciso de um tempo. Eu não sei o que sinto. Não sei se pos