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Capítulo 3 — Assinaturas e Silêncios 

Clara passou o restante do dia como se estivesse vivendo um sonho lúgubre. Após a conversa com Enrico, voltou para casa com o mesmo motorista, mas não conseguiu sequer apreciar o trajeto. A cidade parecia mais distante, mais cinza. Sua casa, antes pequena e acolhedora, agora lhe dava a sensação de confinamento.

Assim que entrou, encontrou a mãe preparando o almoço, os irmãos rindo no sofá da sala, e o pai... ausente. De novo. Aquilo parecia se tornar padrão.

— Clara? — perguntou a mãe, sorrindo, com o rosto cansado e olhos sublinhados por olheiras. — Onde esteve, querida?

— Eu... fui resolver umas coisas — respondeu, hesitante. — Com o papai.

A mãe não questionou. Talvez já estivesse acostumada com os segredos que circulavam por aquela casa como fantasmas. Clara subiu para o quarto, sentindo-se mais só do que nunca.

Naquela noite, não dormiu. E no dia seguinte, como prometido, o contrato chegou.

Foi entregue por um mensageiro formal, dentro de uma pasta de couro preta, com uma carta educada anexada, redigida com a frieza típica de alguém que transforma vidas em cláusulas. Clara passou horas encarando aquele papel como se esperasse que ele desaparecesse. Não desapareceu.

O contrato previa todos os termos que Enrico havia mencionado. O casamento seria oficializado em cartório, seguido de uma cerimônia simbólica e privada em uma das propriedades da família Hernandez. Clara teria direito a uma conta bancária própria, residência independente caso desejasse, e nenhuma obrigação íntima sem consentimento. Em troca, o nome dela apareceria ao lado de Enrico em eventos, jornais, reuniões. Uma esposa moldada para o papel que o empresário precisava desempenhar.

Mas havia também uma cláusula que arrepiou sua pele: confidencialidade. Nada daquilo poderia ser revelado publicamente. Qualquer quebra do contrato implicaria multa milionária e um processo por difamação e quebra de acordo civil.

No rodapé da última página, dois espaços aguardavam assinaturas: Enrico A. Hernandez e Clara E. Almeida.

Ela leu aquele trecho várias vezes. Seu nome, frio e solitário, gravado como se fosse apenas parte de uma peça jurídica.

Quando o pai chegou em casa à noite, encontrando-a sentada à mesa com o contrato à frente, ele parecia mais sóbrio e abatido do que nunca.

— Eu não esperava que isso chegasse tão longe, filha... — disse ele, se aproximando. — Mas é nossa única chance.

— Nossa? Ou sua? — Clara levantou os olhos, desafiadora. — Não me envolva nisso como se fosse por todos. Você apostou tudo. E agora quer que eu pague o preço com a minha vida.

O pai abaixou a cabeça.

— Eu errei. Sei disso. Mas se você não fizer isso... não sei como vamos sair dessa.

Ela riu, amarga.

— E você acha que eu sei?

Houve um silêncio denso entre os dois. Ele colocou uma mão sobre a dela.

— Só... pense com carinho. Eu juro que, se aceitar, eu nunca mais toco num jogo. Eu mudo. Por você. Por todos nós.

Clara não respondeu. Subiu para o quarto levando o contrato consigo, mas sem uma decisão tomada.

Nos dias seguintes, passou a viver em função daquela dúvida. Evitou os amigos. Parou de ir à faculdade. Sua mãe começou a notar seu silêncio, mas preferiu não perguntar. Apenas observava, com aquele olhar de mãe que sabe mais do que demonstra.

Foi numa tarde cinzenta de terça-feira que Clara enfim decidiu.

Colocou o contrato sobre a escrivaninha, pegou a caneta com dedos trêmulos e assinou. Não porque acreditasse na promessa de redenção do pai. Nem por confiar em Enrico. Mas porque não via mais como continuar vivendo numa casa onde tudo parecia se desmanchar.

No dia seguinte, uma mensagem discreta chegou ao seu celular.

“Contrato recebido. Preparativos para o casamento em andamento. Sua nova vida começa em breve. — E.”

Clara leu aquela frase repetidamente. “Sua nova vida”. Como se fosse um recomeço. Para ela, parecia o fim de tudo o que havia sonhado.

Dois dias depois, uma mulher chamada Daniela bateu à sua porta. Era uma assistente de Enrico, com roupas sóbrias, cabelos curtos e modos eficientes.

— Estou aqui para ajudá-la com os ajustes necessários para a cerimônia — disse ela, sem rodeios. — Vestido, documentos, plano de viagem, escolha de residência. O Sr. Hernandez já deixou tudo encaminhado.

Clara se sentiu uma peça sendo encaixada em um tabuleiro que não escolhera jogar. Ainda assim, seguiu Daniela até o carro, como quem cumpre uma sentença.

Foram a três lojas diferentes. Clara experimentou vestidos caríssimos, todos lindos, todos impessoais. Optou por um modelo simples, de cetim branco com mangas de renda. Daniela aprovou com um sorriso profissional.

— Discreto e elegante. Exatamente como o senhor Hernandez imaginou.

Clara não respondeu.

Nos bastidores daquele “acordo”, tudo acontecia com uma precisão assustadora. Convites foram enviados apenas para alguns empresários e familiares próximos. A cerimônia seria restrita, sem grande exposição. Clara escolheu não convidar ninguém além da mãe, que aceitou ir com os olhos marejados e um aperto silencioso de mãos. Os irmãos sequer foram informados da gravidade da situação. Para eles, tudo parecia mais um capricho da irmã mais velha que sumia por dias e voltava com cara triste.

Na véspera do casamento, Clara olhou pela última vez seu quarto, seu espelho antigo, os livros empilhados, as fotos de infância com os irmãos. Guardou tudo em uma mala pequena — uma vida inteira reduzida a roupas dobradas e memórias apertadas num zíper.

Na manhã do casamento, o céu estava limpo. Clara acordou cedo, tomou um banho demorado e encarou seu reflexo no espelho. Não chorou. Não sorriu. Apenas respirou fundo.

E caminhou para um destino que não havia escolhido... mas que, agora, era o único que tinha.

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