Ettore mantém os olhos fixos nos meus, como se tentasse ler o que se passa na minha cabeça. Seu rosto continua tranquilo, mas seu olhar muda, se torna mais frio, mais calculado. — Podemos ir embora? — pergunto, num tom mais baixo do que eu gostaria. — Não — responde calmamente, tomando um gole de vinho. — Acabamos de pedir a sobremesa. Lanço-lhe um olhar irritado, percebendo o brilho satisfeito em seus olhos. Ele está gostando disso, claro que está. Mais uma oportunidade de me ver vulnerável, desconfortável. — Como quiser — respondo, tentando aparentar uma calma que está longe de existir. Seguro o guardanapo com força, tentando controlar a ansiedade que cresce dentro de mim. O que deveria ser uma refeição tranquila após um dia caótico se transformou em mais um teste. Mais uma tortura. Desvio o olhar para Marco, que agora está sentado em uma mesa próxima. Ele não nos viu, mas é só uma questão de tempo. O sócio ao lado dele provavelmente já me reconheceu. E então acontece. Marc
Uma semana se passou desde aquele dia caótico, desde aquela noite de farpas trocadas nas escadas. Sete dias de silêncio educado e distância proposital. É como se tivéssemos estabelecido uma trégua não verbal, cada um mantendo-se em seu território. Ettore no escritório, eu no quarto. No café da manhã, interpretamos nossos papéis com perfeição diante dos empregados e seguimos com vidas separadas que raramente se cruzam. Na empresa, é a mesma coisa. Educação fria, profissionalismo exagerado. Como se aquela noite tivesse esgotado todas as emoções possíveis entre nós. É estranho como um único dia caótico parece ter valido por sete dias monótonos. Como se o universo tivesse decidido nos dar um breve respiro antes da próxima tempestade. E a próxima tempestade, aparentemente, é uma viagem de negócios à Suíça. — Liz, essa blusa já está implorando por misericórdia — a voz de Giulia me arranca dos pensamentos. Olho para a peça em minhas mãos, que de fato dobrei e desdobrei tantas vezes qu
— Tem certeza de que é uma boa ideia fazer uma surpresa, Liz? — minha melhor amiga pergunta, pela quarta vez só nessa ligação. — Sei lá… surpresas nem sempre acabam bem. E, sinceramente? Não confio nesse seu namorado. — Você implica com o Marco desde que o conheceu, Giulia. Admita, você o odeia porque ele é sério demais, diferente de você. — E você devia desconfiar justamente por isso. — Você disse que estava feliz por mim — sussurro, estacionando em frente à empresa. — E estou, mas… só tome cuidado, ok? Gosto de ver esse brilho voltando aos seus olhos, mas odeio imaginar que alguém possa apagá-lo de novo. Sorrindo diante da proteção excessiva da minha amiga, desligo o motor do carro. Após tudo o que aconteceu há três anos, o simples fato de me envolver com outro homem já é quase um ato de coragem. — Te ligo mais tarde, amiga. Vou tentar convencê-lo a almoçar comigo. Quero comemorar esses seis meses juntos. — Bem, boa sorte, amiga. Encerro a ligação e respiro fundo antes de
Por um segundo, tudo em mim congela. O coração, a respiração… até a lógica. E ele só me encara, como se estivesse me vendo pela primeira vez.Os traços continuam os mesmos — o maxilar marcado, os olhos azuis intensos, os cabelos escuros perfeitamente alinhados.Mas, ainda assim, Ettore está diferente. Nem sombra do garoto apaixonado que um dia me olhou como se eu fosse o centro do universo.Agora, aos 27 anos, aqueles olhos que já me adoraram me examinam como um executivo, analisando um investimento ruim.Tento não demonstrar o choque que é vê-lo depois de tanto tempo.Fingir calma é tudo o que me resta. Mesmo que, por dentro, o que eu realmente queira seja gritar, chorar, correr.Especialmente depois do dia que estou tendo.— Espero que atrasos não se tornem um hábito, Srta. Montesi — ele diz, num tom grave, impassível.Meus lábios se entreabrem sem querer. Depois de tudo que vivemos, ele vai me tratar assim? Tão frio? Tão formal?— Ettore… — sussurro, odiando o jeito frágil como min
As palavras saem de mim como uma rendição, como a sentença de algo que jamais escolheria. Ettore se vira lentamente, e, apesar de seu rosto parecer calmo, seus olhos o entregam. Ele está saboreando cada segundo disso.— Excelente escolha, Srta. Montesi — ele diz, com a voz controlada, quase indiferente.Enquanto ele se aproxima, meu pai solta um suspiro aliviado ao meu lado. Satisfeito por finalmente me quebrar para satisfazer seu desejo.— Ótimo, podemos voltar à sala e finalizar…— Na verdade, Sr. Montesi — Ettore o interrompe —, acho que agora é uma questão entre minha filha e eu. Meu advogado nos espera para finalizar o contrato.— Entendo, mas como presidente da Montesi, eu deveria…— Os documentos referentes à empresa serão enviados ao seu departamento jurídico ainda hoje — Ettore interrompe novamente, com um tom que não permite argumentos. — Porém, o acordo matrimonial é uma questão privada.— Claro — meu pai finalmente aceita, claramente insatisfeito. — Liz, não me decepcione
“Ettore Bianchi”Observo a lágrima solitária escorrendo pelo rosto de Liz, caindo sobre o contrato recém-assinado. A satisfação me faz sorrir.Passei mais de dois anos ao lado dela. Já a vi chorar antes, claro. Mas é a primeira vez que não sinto o impulso de enxugar suas lágrimas.Há alguns anos, eu teria movido montanhas para evitar sua dor. Hoje, cada gota que cai é uma pequena vingança.— Parabéns, piccola — digo, deixando o apelido sair com um veneno sutil. — Acabamos de dar o primeiro passo para o nosso futuro.Ela finge coçar os olhos antes de levantar o rosto para me encarar. Aqueles mesmos olhos que, um dia, prometeram amor eterno, agora estão vermelhos, vulneráveis. Exatamente como os meus estavam da última vez que nos vimos.Perfeito.— Tudo pronto, Max? — pergunto, me levantando com calma.— Quase — ele responde, estendendo uma pasta para Liz. — Aqui está seu cronograma até o casamento. Provas do vestido, detalhes da cerimônia…Ela apenas assente, sem dizer nada, aceitando
“Liz Montesi” Mal tenho tempo de digerir o corte que Ettore acaba de me dar quando percebo que outro desconforto se aproxima. Isabella Ricci. A queridinha da mãe de Ettore. Alta, elegante, longos cabelos castanhos e um sorriso perfeito, daqueles que só servem para disfarçar o veneno. Isabella sempre representou tudo que Chiara Bianchi julgava ser a escolha ideal para o filho: família influente, comportamento impecável… ótima candidata a esposa perfeita de um herdeiro. — Isabella — Ettore diz com um sorriso educado, mas os olhos continuam frios. — Estou tão feliz em ver você — ela responde, alternando o olhar entre nós dois. — E vejo que não está sozinho. Liz, quanto tempo! — Olá, Isabella — digo com meu melhor sorriso falso. — Você está tão elegante quanto me lembrava. — Obrigada — ela esboça um sorriso que não chega aos olhos, então foca na minha aliança. — Vejo que está noiva. Parabéns. Posso saber quem é o… felizardo? Ettore coloca a mão sobre a minha na mesa, um gesto po
Meu coração salta ao ouvir a palavra dita sem nenhum traço de desprezo. Piccola. Pequena. O apelido que ele sussurrava contra meus lábios, contra minha pele, nas noites que passamos juntos. O tempo parece congelar enquanto continuamos assim, imóveis, presos em um instante que se estende além da lógica. Parte de mim quer ceder. Quer realmente beijá-lo. Quer fingir que os últimos três anos nunca aconteceram. Mas a outra parte, a que ainda sente o gosto amargo das palavras frias, a que não esqueceu o olhar de desprezo, resiste. — Não — consigo dizer, quase num sussurro. Minha negação, provavelmente desmentida pela minha respiração ofegante, arranca um sorriso lento dele. Ettore aproxima o rosto um pouco mais, e por um segundo, acho que ele vai me beijar. Mas, em vez disso, seus lábios roçam minha bochecha e seguem até meu ouvido. — Péssima mentirosa — murmura, rouco, provocando um arrepio involuntário que percorre minha espinha. Com um movimento lento, ele apoia uma das