Prólogo (II)

Eu era uma adolescente. E nenhuma expectativa de ser alguém importante na vida. Morava no meio do nada e nunca tive direito a escolhas. Meus pais mandavam e eu obedecia.

Vi Marco pela primeira vez na manhã de Natal, durante a missa da cidade. Me chamou a atenção a postura dele e a roupa, diferente dos garotos dali. Eu cantaria a música principal da celebração, acompanhada do coral. Estava envergonhada e nervosa. Mas foquei nele, que estava junto da família num dos últimos bancos. Ele sorriu para mim e piscou. Aquilo me deu uma segurança que jamais imaginei ter.

A surpresa foi tê-lo reencontrado na escola que eu faria o Ensino Médio. Nossos olhos se encontraram e eu soube que ele seria o meu amor para sempre.

Já no primeiro dia de aula começamos a conversar e passarmos o tempo todo juntos. E depois daquilo nunca mais nos separamos. E todos os dias, quando acabava a aula, ele me levava até próximo de casa, em segurança. E no caminho subíamos o morro e nos beijávamos e fazíamos juras de amor. E eu achei que seria para sempre, porque o que sentia por Marco jamais seria capaz de sentir por outra pessoa novamente.

- Vamos, escolha um ponto de encontro. – Ele me pediu de forma séria, com os dedos alisando meu queixo.

- Eu... Não sei. – Eu não acreditava que haveria um encontro novamente entre nós dois.

- Qualquer lugar no mundo! Diga e eu estarei lá.

Suspirei e proferi, sorrindo:

- Taj Mahal.

Os olhos dele se estreitaram e depois deu um sorriso questionador:

- Por que o Taj Mahal?

- Porque é a única maravilha do mundo moderno que você ainda não conhece. Então... Se tudo der certo, nos encontraremos um dia no Taj Mahal, onde visitaremos o lugar juntos, eu e você. – Sorri, em meio às lágrimas, sabendo o quanto aquilo era loucura.

- Você é incrível, minha garota! – Ele beijou meus lábios – Estarei no Taj Mahal.

- Quando?

- Eu... Não tenho ideia de quando será! – Ele meneou a cabeça, rindo.

- Muita coisa teria que dar errado para nos encontrarmos lá... Como... Os seus e-mails nunca chegarem...

- Eu os mandarei e eles chegarão sim. - Garantiu

- Se não chegarem... Daqui há dois anos você vai ter 18... Então... Poderá fazer suas escolhas... E vir me buscar... Caso queira. – Sugeri, envergonhada, temendo que ele achasse que eu fosse uma garota desmiolada.

- Eu virei.

- E... Se você conhecer alguém neste meio tempo?

- Você será meu único e eterno amor, garota dos cabelos de fogo.

Eu ri:

- Você... Ainda lembra o meu nome? Porque sempre me chama de... Garota dos cabelos de fogo.

- Lembro seu nome, sobrenome, número do seu armário, da sua roupa, do seu pé. Sei até que os fios dos seus cabelos medem 45 centímetros. E que nos conhecemos no dia 25 de dezembro do ano passado, na igreja. Você cantava no coral e usava uma roupa bem esquisita.

Começamos a rir de novo. Marco retirou um embrulho da mochila e me entregou:

- Eu comprei para você.

- Um presente?

- Sim. Espero que goste.

Abri o embrulho amassado e dentro havia uma echarpe branca com minúsculas flores azuis.

- É... A coisa mais linda que alguém já me deu! – Confessei.

- Amo você, minha garota. E amarei para sempre.

- Quando você irá partir?

Ele respondeu de forma hesitante:

- Amanhã.

- Amanhã? Mas... Você sabia disto antes? Por que... Só me disse agora?

- Eu não sabia antes, juro. Como disse, minha vida sempre foi assim. Um dia aqui, outro acolá. É por conta do trabalho do meu pai... E dos desejos de minha mãe. Às vezes me sinto como um andarilho.

- Andarilhos não correm o mundo nos lugares mais lindos! – observei – Vocês... São pessoas de sorte!

- Não, não somos! – ele franziu a testa – Nunca, em toda a minha vida, eu quis tanto ficar num lugar. E foi por você... Meu amor!

- Eu... Sou o seu amor? – Minha voz mal saiu.

- Por toda eternidade.

O abracei com força:

- Veremos o pôr do sol juntos – garanti – E também o nascer dele... Aqui... Hoje.

Marco afastou me encarou:

- Mas...

Limpei as lágrimas e disse, num tom corajoso:

- Quero que me faça sua... Desejo ser a sua mulher – falei com toda certeza – Não importa que não nos encontremos nunca mais, que o destino nos afaste para sempre. Ainda assim quero ter na memória a minha primeira vez... Com você.

Marco pôs para tocar novamente a nossa música: La Solitudine. E ali, no alto do morro, sob o sol do final da tarde, me fez mulher. Eu não tive medo. Pelo contrário, sabia que ele jamais faria qualquer coisa que pudesse me machucar.

Fizemos amor até o dia amanhecer, tendo como testemunhas o sol e a lua, o pôr e o nascer do sol, que tanto sonhamos um dia ver dali, juntos.

Eu sabia que jamais me arrependeria de minha decisão. O único lamento daquele nosso encontro foi que o tempo passou depressa demais e acabou.

A jaqueta masculina ainda cobria minhas costas quando eu estava sentada com os joelhos para cima, escorando meu queixo par apoiar a cabeça enquanto observava o Rio da Solidão, cercado de pinheiros por toda a margem. Era ali o lugar onde os jovens se reuniam nos finais de tarde. Eu nunca fui. Sempre me senti diferente dos demais. E parecia que a vida inteira fiquei a esperar por aquele garoto que estava ao meu lado.

- Machuquei você? – Ele perguntou pela décima vez eu acho.

- Não! – Garanti novamente.

- Foi... A minha primeira vez também. – Falou, sem jeito.

O encarei:

- Mas... Você pareceu tão... Seguro. E... Saber tudo. – Fiquei surpresa.

- Era para ser você, minha garota dos cabelos de fogo – sorriu e alisou meus fios vermelhos – Encrenquei você, não é mesmo? Seus pais devem estar procurando-a neste momento.

Levantei assustada, lembrando que eu tinha uma família. E que certamente minha mãe e meu pai já tinham acionado até o xerife local atrás de mim.

- Preciso ir!

Eu já tinha feito loucura o bastante em ter passado a noite ali e não ter avisado nada. E embora tivesse medo de aparecer em casa àquela hora, sabia que mais cedo ou mais tarde teria que enfrentar meus pais e que não seria nada fácil.

Peguei a echarpe e fui descendo o morro.

- Ei, espere! – Marco veio atrás de mim.

Segui praticamente correndo, desesperada. Marco partiria de Solidão para sempre, mas eu não. Teria que ficar e enfrentar a minha família. E não haveria desculpa para ter passado a noite fora.

Ele me alcançou, pegando-me pelo braço:

- Não pode partir assim!

- Você partirá... Não eu. E este é o problema. Vou ficar... E precisarei justificar esta noite que passei fora pelo resto da minha vida.

- E o nosso encontro. – Ele perguntou.

- No Taj Mahal. – Eu ri daquela ideia louca, descendo novamente, com pressa.

- Quando? – Ele quis saber.

- Daqui há 25 anos – gritei – Vinte e cinco é nosso dia... Nos conhecemos no dia 25 e... Hoje é dia 25. – Lembrei imediatamente, olhando para trás enquanto ainda caminhava.

- Vinte e cinco anos é muito tempo. – Sua voz chegou até mim em forma de eco.

- Acredite, é pouco tempo para eu conseguir todo dinheiro que preciso para chegar na Índia. – Fui sincera – Nos encontraremos no Taj Mahal, daqui a há 25 anos.

- No dia 25 de dezembro – ele gritou – Pois estará fazendo 26 anos que nos conhecemos.

- Estarei lá... No Taj Mahal, daqui há 25 anos, no dia 25 de dezembro.

- Como a reconhecerei?

Levantei a echarpe, que voava com o vento:

- Estarei usando o presente que você me deu! – Temi já não ser mais ouvida.

- E eu estarei com o discman, ouvindo a nossa música. – A voz de Marco foi levada pelo vento, devido à nossa distância, mas não o suficiente para que eu não pudesse ouvir que ele estaria ouvindo a nossa música.

Te imploro, Marco, me espere

Porque não posso viver a vida sem você.”

Marco deixou a cidade, levando o ar que me fazia respirar e viver.

Mas naquela noite, sob as estrelas que testemunharam nosso amor e nossa despedida, fizemos algo bem maior que uma promessa.

E quando Marco partiu de Solidão, levou consigo três coisas: o Discman com nossa música, a certeza de que um dia nos encontraríamos novamente e o segredo que eu carregaria sozinha para sempre, nossa filha.

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