Cicatrizes e Demônios — Trilogia Jornadas do coração
Cicatrizes e Demônios — Trilogia Jornadas do coração
Por: Amanda Campos
Prólogo

O que te dá prazer na vida?

Se essa pergunta for feita para algumas pessoas normais irão responder o comum entre muitos: dinheiro, amor, saúde… Essas coisas básicas.

Mas, para mim, é o controle! Nada me agrada mais do que ter o controle de tudo, bem na palma da minha mão.

Só funciono se for assim, meu mundo gira em torno disso e vivo muito bem dessa forma. Mesmo meu psicólogo dizendo o oposto!

Sou movido de forma que tudo que acontece em minha vida é metodicamente controlado.

Não posso abdicar disso. Não se eu quiser continuar sobrevivendo e mantendo o resto de saúde mental que ainda tenho sob controle. Os demônios dos traumas, os malditos traumas, me cercam desde muito novo e fui obrigado a aprender lidar com eles sozinho.

Aos três anos tive que engolir o medo, a solidão, o sentimento de rejeição e da culpa, para conseguir sobreviver nesse maldito mundo em que fui posto.

Depois que uma criança passa por toda a merda que passei, é impossível sair sã de tudo isso. Isso deixa cicatrizes, que são invisíveis aos olhos, mas sinto cada uma delas doerem a cada segundo e me olhar no espelho é como ver um reflexo despedaçado, escondido por baixo da carcaça do famoso homem de negócios.

Muitos dizem que tive sorte por ser adotado por uma família boa, por ter me tornado um rapaz íntegro, inteligente e dono de uma das maiores empresas de publicidade do Brasil. E tudo isso antes dos 30 anos.

Não concordo com nada disso, mas apenas aceito o fardo e agradeço por não morrer dentro daquela casa escura após ter ficado dias sem comer e completamente abandonado, a mercê da própria sorte. Mas, o que muitos não sabem é que entrar para a família Jones não é uma benção.

É um fardo que muitos não aguentaria.

Tento dispersar os pensamentos e bebo o último gole de whisky no copo, me levanto e volto a encher o copo no mini bar que possuo no escritório. Me sento novamente e olho o relógio em meu pulso, os ponteiros marcam 07h50.

Os papéis em cima da mesa me lembram da entrevista que tenho marcada daqui a alguns minutos.

Pego as folhas novamente entre os dedos e avalio pela milionésima vez as informações que tem na primeira página de seu currículo.

— Maria Eduarda… — sussurro.

Formada com êxito e notas altas, estagiou numa empresa conhecido, dentre as primeiras do Brasil, depois da Jones.

O currículo foi indicação de uma funcionária que trabalha aqui há mais de 6 meses.

Margareth, ou Maggie como gosta de ser chamada por muitos, começou como estagiária e mostrou um ótimo desempenho na equipe, o que fez sua efetivação vir mais rápido do que o habitual.

Ela passou semanas insistindo que a amiga seria uma ótima escolha para o cargo em aberto na empresa e depois de tanta insistência, resolvi ceder e chamar a garota para uma entrevista.

Geralmente, esse é o papel imposto para o setor de recrutamento da empresa, mas como o cargo é para trabalhar diretamente comigo, achei melhor eu mesmo conduzir a entrevista.

Termino de tomar minha bebida e coloco o copo no lugar dele, olho novamente o relógio constatando que o ponteiro acabou de bater 8h.

— Ela está atrasa… — antes de prosseguir, ouço meu telefone tocando.

Não preciso verificar para ter certeza de que é o ramal da recepção. Aperto o botão do alto-falante sem precisar tirar o telefone do gancho para atender.

— Bom dia, Valentina! — respondo, me recostando no encosto.

— Bom dia, chefe! — a voz dela sobe um tom de animação, me fazendo revirar os olhos.

Não é segredo nenhum que ela tem atração por mim, mas não misturo o pessoal com o profissional.

E mesmo que não fosse por isso, duvido muito que o que procuro ela esteja disposta a me dar.

— A moça para entrevista chegou, posso pedir para entrar?

— Sim — respondo prontamente.

Ela concorda e desliga a ligação.

Solto uma risada baixa e balanço a cabeça.

— Se as pessoas realmente soubessem o que se passa em minha mente, duvido muito que iriam querer cogitar qualquer tipo de relacionamento comigo — falo, amargamente.

Me levanto e fico de frente para a enorme janela panorâmica que tenho na sala, coloco as mãos no bolso e aguardo a garota entrar.

Aguardar…

Está aí uma coisa que nunca gostei. Sim, sou imediatista e sei que isso não é bom, pois me faz pensar em milhões de cogitações do que possa acontecer e isso me gera crise. E é exatamente por isso que não gosto de lidar com entrevistas. Muitas vezes esse estresse não valia o meu tempo.

Tiro as mãos do bolso e as cruzo para trás, impaciente. Já estou cogitando em ligar para Valentina, quando ouço alguns toques em minha porta.

— Pode entrar! — Permaneço na mesma posição que estou. — Bom dia, Maria Eduarda, pode se sentar!

Ouço os passos do salto dela no assoalho e aguardo até o barulho cessar, indicando que ela se sentou na cadeira.

— Bom dia, senhor Caleb. Tudo bem? Muito obrigada por me receber. — ela fala e percebo o nervosismo em sua voz.

Sua voz é doce e desperta certa curiosidade em mim. Algo repentino de se acontecer. Opto por me virar e finalmente conhecer minha possível funcionária.

Nossos olhares se encontram, seus olhos são de um castanho mel e seu olhar curiosa me deixa um pouco desconcertado.

Algo repentino também…

Desconheço essas sensações, há muito tempo que não tenho curiosidade por nada e muito menos ninguém. Desço os olhos rapidamente pelo seu corpo, suas pernas estão cruzadas e ela tem as mãos cruzadas sob os joelhos.

Consigo sentir o nervosismo e a tensão emanando dela. Já estou acostumado com isso, minha presença sempre gera essa tensão nas pessoas, é como meu repelente natural de seres humanos. É a única forma de manter todos longe o bastante de mim.

 

Ela engole em seco assim que meu olhar encontra o seu e ali, naquele instante, algo dentro da minha cabeça me alerta. Aquela vozinha no fundo da consciência que chamamos de autopreservação, me pede, não, na verdade, me implora para me manter longe dela, porque algo me diz que essa garota de olhos amendoados irá desgraçar ainda mais minha vida.

É uma pena que eu nunca dou ouvidos para essa voz.

Coitado do meu terapeuta.

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