CAPÍTULO 00104
A água quente escorria por sobre meus ombros como se tivesse a intenção de arrancar de mim tudo o que eu carregava desde a noite passada. Fechei os olhos e deixei que o vapor tomasse conta do banheiro, tentando imaginar que com cada gota que deslizava pela minha pele eu pudesse dissolver a vergonha, a raiva e aquela sensação constante de não pertencimento. Eu precisava desse banho, precisava de alguns minutos em que nada além do som do chuveiro me lembrasse que eu ainda respirava, que eu ainda tinha chão debaixo dos pés. E que eu ainda estava viva , porque por dentro estava tudo fora de ordem; eu me sentia uma bagunça ambulante.
Passei a esponja devagar, como se estivesse me limpando não só por fora, mas também por dentro. Revivi em flashes o momento em que bati à porta da casa dos meus pais, embriagada, gritando, chorando, cuspindo mágoas que eu nem sabia que estavam tão enraizadas em mim. Eu havia desmoronado diante da minha mãe, diante da mulher que me criou com tan