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Cheiro de Gasolina e Problema

Cayo

Eu sou Cayo. 24 anos, carioca da gema, criado na quebrada, com o sol torrando a nuca e o cheiro de asfalto quente grudado na pele. Minha vida é uma correria do caralho. De dia, sou motoboy, voando pela cidade com minha Yamaha 250, desviando de ônibus lotado e de playboy que acha que a rua é dele. De noite, sou pai do Zyon, meu moleque de quatro anos, que é a única coisa que me faz querer ser mais do que um cara qualquer. E, às vezes, sou só eu, com os manos, um beck na mão e a cabeça cheia de ideia.

Acordo agora com o celular berrando um rock pesado daqueles que a vizinhança inteira deve odiar. São sete da manhã, e o calor já tá de rachar. O quarto é pequeno, parede descascando, um ventilador velho girando preguiçoso no canto.

Minha cama é um colchão no chão, mas tem um lençol limpo que a dona Maria, minha mãe, insiste em trocar toda semana. Levanto, coço a barba que tá crescendo desleixada, e olho pro espelho rachado pendurado na parede. Cabelo castanho escuro bagunçado, olhos castanhos que já viram mais merda do que deveriam, e uma cicatriz fina na sobrancelha, lembrança de uma briga idiota aos 17 anos. Não sou galã de novela, mas as mina pira. Vai entender.

Visto uma camiseta preta surrada, a calça jeans que já tá quase andando sozinha, e calço o tênis que tá pedindo aposentadoria. Pego o celular e vejo três mensagens da Gabriela, a mãe do Zyon. Sempre a mesma ladainha:

📲 Gabi: Cayo, tu vai trazer o leite do Zyon hoje? Tô sem grana.

📲 Gabi: E não esquece que ele tem consulta no postinho amanhã.

📲 Gabi: Responde, porra!

Solto um “puta que pariu” baixinho e jogo o celular na cama. A Gabi é um pé no saco. Terminei com ela faz dois anos, mas parece que a gente tá preso por uma corrente invisível por causa do moleque. Não que eu reclame do Zyon. Ele é meu sangue, meu orgulho. Tem meu jeito de rir, mas os olhos dela. Toda vez que ele me chama de “pai”, eu sinto um negócio no peito que não explica. Mas a Gabi... cara, ela me tira do sério. Vive cobrando, como se eu não ralasse todo dia pra botar comida na mesa.

Saio pro quintal, onde minha moto tá estacionada. Minha Yamaha é meu xodó. Vermelha, com uns arranhões que contam história, e um ronco que faz a rua inteira saber que eu cheguei. Passo a mão no tanque, como se ela fosse uma mina que eu tô paquerando.

— Tá na hora de voar, minha linda.

Pego o capacete, coloco os fones de ouvido e mando um rock pesado que faz meu sangue pulsar.

Hoje é sexta, e o plano é simples: fazer uns corres de manhã, deixar a grana do leite com a Gabi, e à tarde cair fora com os manos pra Angra. Um brother meu, o Léo, tem um primo que arrumou uma casa lá pra gente curtir o fim de semana. Praia, cerveja, beck, e, se der sorte, uma mina que não encha meu saco só o esvazie. Tô precisando. Minha cabeça tá um caos, e o cheiro de buceta é a única coisa que me acalma.

O dia passa numa velocidade doida. Entrego documento no Centro, levo almoço pra um escritório em Copacabana, tive que deixar a moto no borracheiro pois furou o pneu e caminho a pé pela avenida pra almoçar, quando pego a moto é mais correria e quase bato de frente com um taxista que fechou minha faixa. Xinguei a mãe dele mentalmente, mas segurei a onda. Não posso me estressar. Não hoje.

Às duas da tarde, passo na casa da Gabi, no morro. Deixo o envelope com a grana do leite e uns brinquedinhos pro Zyon. Ele tá na escola, então não vejo o moleque. Melhor assim, porque se ele me abraçar, vai ser foda largar ele e ir curtir.

— Tu vai pra onde agora? — a Gabi pergunta, encostada na porta, com aquela cara de quem já tá me julgando.

— Angra, com os mano. Volto domingo.

— Tsc. Vai gastar o que não tem, né, Cayo? Enquanto eu me viro aqui com teu filho.

Quase mando ela tomar no cu, mas respiro fundo.

— Relaxa, Gabi. Pro Zyon não vai faltar nada. Qualquer coisa, tu me liga.

Ela revira os olhos e fecha a porta na minha cara. Típico.

Volto pra moto e sigo pro ponto de encontro com os manos. O Léo, o Juninho e o Vitinho já tão lá, com as mochilas jogadas no chão e um cooler cheio de cerveja e gelo. O Léo tá com a moto dele, uma CB 500, e os outros dois vão de carona. A gente se cumprimenta com aquele tapa na mão que vira abraço, e já começa a zoar um ao outro.

— Cayo, tu tá com cara de quem brigou com a patroa! — o Juninho ri, mostrando os dentes tortos.

— Patroa é o caralho. Tô de boa, irmão. Bora logo que a estrada tá chamando.

A gente monta nas motos, e o vento começa a bater na cara. A BR-101 tá engarrafada na saída do Rio, mas eu não ligo. Passo entre os carros, sentindo a adrenalina subir. O rock nos fones mistura com o ronco da moto, e por um momento, eu esqueço da Gabi, das contas, da vida. Só existe eu, a estrada, e o cheiro de gasolina.

Na metade do caminho, a gente para num posto. O Léo puxa um beck do bolso e acende. Passa pra mim, e eu dou um trago longo, sentindo a fumaça descer quente. O sol tá se pondo, o céu tá laranja, e eu penso que, apesar de tudo, a vida tem uns momentos foda. A gente ri, fala merda, e eu olho pros lados, vendo o movimento. Carros de playboy, famílias indo pra praia, e aí... eu vejo ela.

Uma loirinha metida, descendo de um carro preto brilhante. Deve ser um Audi, desses que custam mais que minha casa. Ela tá com um biquíni branco por baixo de uma saída de praia que parece de revista. Cabelo liso, óculos escuros na cabeça, e um jeito de quem sabe que o mundo gira pra ela. Deve ter uns 18, 19 anos.

Ela não é só bonita. É... diferente. Tem uma vibe que grita “intocável”, mas ao mesmo tempo me faz querer chegar junto só pra ver qual é.

Ela nem olha pra mim. Tá ocupada rindo com umas amigas que parecem cópias dela: todas com bolsa de grife, todas com pele bronzeada na medida certa. O motorista do carro tá carregando as coisas delas, e eu fico pensando: que porra de vida é essa? Quem é essa mina que parece que nunca pisou na lama?

— Tá vidrado, é, Cayo? — o Vitinho me cutuca, rindo. — Essa aí é de outro planeta, irmão. Esquece.

— Cala a boca, porra. Tô só olhando.

Mas eu não tô só olhando. Tô sentindo. Algo nela me pega. Não é só a cara de boneca ou o corpo que deve parar o trânsito. É o jeito que ela se move, como se o mundo fosse um palco e ela, a estrela. E eu, o cara da platéia que não devia nem tá ali.

O Léo me chama, e a gente volta pras motos. A loirinha some com as amigas, entrando num jipe que tá esperando elas. Eu monto na Yamaha, ligo o motor, mas a imagem dela fica na minha cabeça. Quem é essa mina? Por que eu tô pensando nela, sendo que nem trocamos um olhar?

Chegamos em Angra de noite. A casa do primo do Léo é simples, mas tá de boa. Tem uma varanda com vista pro mar, e a gente já começa a abrir as cervejas. O som tá alto, um pagode misturado com funk, e os manos tão na vibe. Eu acendo outro beck, sento numa cadeira de plástico, e fico olhando pro céu. As estrelas tão brilhando, o mar tá calmo, e eu penso no Zyon.

Será que ele tá bem?

Será que a Gabi tá cuidando direito dele?

Mas aí, minha cabeça volta pra loirinha. Não sei por quê. Talvez porque ela é tudo que eu não sou. Tudo que eu nunca vou ter. Ou talvez porque, no fundo, eu sei que ela é um problema. E eu, como um idiota, sempre corro atrás de problema.

— Cayo, tá viajando, irmão? — o Juninho me chama, jogando uma latinha na minha mão.

— Tô de boa — minto, abrindo a cerveja.

Mas não tô de boa. Tô com raiva. Raiva da Gabi, raiva da grana que nunca sobra, raiva de mim mesmo por querer o que não é meu. E, ao mesmo tempo, tô com um desejo do caralho. De chegar perto daquela mina. De saber o nome dela. De ver se ela é tão perfeita quanto parece.

A noite tá só começando. E eu sinto que essa viagem pra Angra vai ser mais do que eu imaginava.

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