####CAPÍTULO 04

A Voz da Consciência

O silêncio que se instalou na biblioteca depois das últimas palavras parecia sufocar as paredes. O ar estava denso, cada respiração pesada demais. O juiz de paz ajeitou a gravata com calma, como se pensasse duas vezes antes de abrir a boca. Quando finalmente falou, sua voz cortou o ambiente como uma sentença irrevogável:

— Já cumpri meu papel aqui — disse ele, sério, sem elevar o tom. — Dei as orientações que estavam ao meu alcance. Agora não é mais de lei que vocês precisam, mas de consciência.

Todos se viraram para ele, o pai de Gemima, rígido na poltrona, parecia pronto para retrucar, mas o juiz ergueu uma das mãos, pedindo silêncio.

— Escutem com atenção, porque não vou repetir — prosseguiu, olhando diretamente para o homem. — O senhor me pediu para celebrar um casamento que já nasceu viciado, fruto de um contrato escondido, de manipulações que não cabem mais ao nosso tempo. O senhor entregou sua filha ao noivo como quem entrega uma mercadoria, e usou as palavras "está entregue". E, se ainda não percebeu, isso a marcou profundamente. Ela repetiu essa frase contra o senhor, e não foi à toa.

O homem respirou fundo, desviando os olhos, e o juiz continuou:

— O senhor e os demais aqui agiram como famílias da era medieval, como se a vida de uma jovem pudesse ser decidida em segredo, como se ela fosse apenas um elo entre fortunas. E o resultado está aí. Uma moça que viveu a vida inteira em reclusão, educada em convento, sem contato com a realidade da vida, e nenhuma preparação para o mundo, jogada de repente em um palco para representar um papel.

Ele fez uma pausa, os olhos duros.

— O choque dela foi tão grande que ela reagiu como qualquer ser humano normal reagiria. Outra talvez se calasse, se recolhessem ao silêncio, mas ela gritou. Rasgou o vestido, escandalizou na cerimônia. E digo mais: ela não fez isso por maldade, nem por vaidade, foi porque a dor explodiu de dentro para fora.

Jano e Juno se olharam, desconfortáveis. O juiz prosseguiu:

— E se hoje a sociedade está comentando, se amanhã os jornais estamparão nas manchetes, não é culpa dela. Vocês armaram esse teatro, vocês esconderam a verdade, vocês a usaram. E agora querem jogar sobre ela a responsabilidade de salvar empresas e sustentar milhares de famílias? Não, se atrevam a fazer isso.

A mãe de Juno engoliu em seco, desviando o olhar. O juiz respirou fundo, ajustando os óculos.

O peso das palavras deixou o ar mais denso. O juiz de paz recolheu os papéis que estavam sobre a mesa, ajeitou-os numa pasta de couro e fechou com firmeza.

— Não tenho mais nada a fazer aqui — concluiu, levantando-se. — Minha orientação já foi dada. Meu conselho também, se me permitem, recomendo apenas que pensem no psicológico dela antes de pressioná-la mais. Vocês podem perder contratos, podem perder fortunas, mas se perderem essa menina, perderão algo que nenhum dinheiro recupera.

Ele fez uma breve reverência com a cabeça e caminhou até a porta. Antes de sair, lançou um último olhar severo aos presentes:

E então se foi, fechando a porta atrás de si.

O silêncio retornou, ainda mais pesado. Juno, com o rosto fechado, ajeitou o paletó e se levantou.

— Vou embora — disse, Juno seco. — Preciso pensar.

Seu olhar cruzou rapidamente com o de Jano, que não desviou. A tensão entre os irmãos era palpável.

— Pense mesmo — Jano respondeu, o tom grave.

Juno suspirou, passou a mão pelos cabelos e saiu, deixando um rastro de ressentimento no ar.

Poucos segundos depois, Jano também se levantou. Diferente do irmão, não parecia abatido, mas firme.

— Eu também vou para o meu apartamento — disse, lançando um olhar firme ao pai e à mãe. — Vocês sabem onde me encontrar se decidirem parar de tratar tudo como números e contratos.

A mãe tentou dizer algo, mas ele ergueu a mão, cortando a fala.

— Não agora. — E saiu, deixando atrás de si a firmeza de quem não queria continuar a discutir.

Os pais de Juno levantaram-se em seguida, trocando olhares constrangidos. Não disseram palavra, apenas se retiraram. Restaram apenas o pai de Gemima e o advogado, que hesitou por alguns instantes, mas também se ergueu.

Ele ficou sozinho por um instante, os ombros pesados, o semblante sombrio. As palavras do juiz ecoavam como marteladas em sua mente: “Está entregue”. Ele fechou os olhos, lembrando da cena em que de fato havia dito aquilo. Na hora, não pareceu nada. Mas agora percebeu o peso que as palavras carregavam.

Suspirou fundo, levando a mão à testa. Pela primeira vez em anos, sentiu-se verdadeiramente culpado e envergonhado.

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