A noite estava silenciosa no apartamento de Evan Médici. A cidade vibrava do lado de fora das janelas panorâmicas, mas ali dentro, o mundo parecia conter a respiração. O ambiente minimalista, sofisticado e cuidadosamente organizado refletia a mente de seu dono: fria, estratégica, precisa.
Evan jogou o paletó no encosto da cadeira e afrouxou a gravata. Seus pensamentos ainda estavam presos na noite anterior, nos risos abafados e copos de uísque tilintando no clube privado onde se encontrava semanalmente com Pablo e Matteo.
Mas o que o intrigava, mais do que qualquer coisa, era a expressão nos olhos de Pablo. Uma mistura de entusiasmo e encantamento… algo que Evan não via no amigo há anos. Tudo por causa de uma mulher que ele conheceu em uma plataforma de camgirls.
Evan bufou sozinho ao lembrar.
Apaixonado por uma performer de câmera? Patético.
Pablo havia falado da tal “Medusa” com fervor, como se fosse uma musa renascentista, como se ela dançasse apenas para ele. Como se uma mulher que expõe o corpo atrás de uma lente em troca de dinheiro pudesse ser alguma coisa além de… entretenimento.
Aquele tipo de fascínio era previsível. Danças sensuais, sorrisos treinados, gemidos sob medida. Pablo, apesar de inteligente, era facilmente seduzido pela encenação, não tinha controle, o desejo sempre falava mais alto.
É isso que acontece quando homens confundem prazer com amor, pensou Evan. É só sexo teatral. Nada mais.
Mas havia uma coisa que incomodava Evan mais do que o fascínio de Pablo: o desafio que lhe lançara.
Afrodite.
O nome tinha pairado na cabeça dele desde então, como um incômodo. Segundo Pablo, era uma performer diferente de todas as outras. Um mistério completo. Nunca havia se mostrado por inteiro. Nunca se tocava. Nunca se deixava ver além da máscara dourada. E o mais curioso, permanecia virgem.
E agora, segundo o amigo, sua virtude seria leiloada.
Uma virgem moderna, mascarada e com lances que começam em meio milhão de dólares?
Era absurdo e ao mesmo tempo, interessante.
Evan caminhou até o bar de mármore negro e serviu-se de uma dose de uísque. O líquido âmbar brilhou sob a luz tênue enquanto girava o copo com a ponta dos dedos.
Recordava perfeitamente a arrogância com que respondeu ao desafio de Pablo. A certeza inabalável de que jamais seria seduzido por uma mulher como aquelas.
Qualquer homem pode se deixar levar, menos eu.
Porque Evan não era movido por desejo. Ele era movido por controle, domínio, por vencer.
E foi com esse espírito que, naquela noite, finalmente decidiu acessar o site indicado por Pablo.
VIP Rooms.
Digitou lentamente no navegador. A tela inicial carregou com elegância. Nada vulgar. Tudo parecia construído para homens como ele, bilionários entediados, movidos pelo luxo e pelo proibido.
No topo da página, uma faixa discreta anunciava:
“Leilão exclusivo – Três deusas. Cada uma com sua vantagem, dentre elas, uma virgem. Um único vencedor.”
Logo abaixo, entre as opções, o nome surgiu como uma faísca no escuro.
Afrodite, a virgem, a deusa intocada.
Evan arqueou uma sobrancelha.
Que tipo de marketing barato é esse?
Ainda assim, clicou.
A tela carregou para uma nova página e ele se viu diante de um resumo impactante:
“Ela nunca foi tocada. Nunca vista por completo. Afrodite é a performer mais requisitada do VIP Rooms e até agora, a mais inacessível. Seu corpo é arte. Seus olhos, enigmas. Seu leilão acontecerá em breve. Valor inicial: 500 mil dólares.”
Camgirl que nunca se mostrou? Como assim nunca se mostrou?
O ceticismo aumentava e, junto com ele, a curiosidade.
No canto inferior da tela, um vídeo. Sem pensar, clicou.
A música suave invadiu o ambiente. A imagem era limpa, quase cinematográfica. E então, ela apareceu.
Afrodite…
Uma mulher de cabelos loiros, com uma máscara dourada que cobria metade do rosto. A pele parecia feita de porcelana. E o corpo… o corpo era uma sinfonia em movimento.
Ela dançava.
Mas não como uma dançarina qualquer. Não com a vulgaridade previsível das outras performers. Era uma dança lenta, hipnótica. Os quadris ondulavam em movimentos suaves, precisos. Cada passo, cada giro, era como uma promessa silenciosa. O véu fino em sua cintura deixava vislumbres do que escondia… mas nunca o suficiente.
Evan prendeu a respiração sem perceber.
Mas não era apenas o corpo que o prendia. Era algo mais sutil, algo em seus olhos…
Azuis claros como o céu ao amanhecer. Intactos, inocentes e perigosos. Olhos que pareciam não pertencer a esse mundo ou, pior, que não sabiam do poder que tinham.
E por um instante, um frio percorreu a espinha de Evan.
Ele, acostumado a despir pessoas com o olhar e classificá-las como conquistas possíveis, se viu parado. E quando a música parou e a tela escureceu… o silêncio.
Ele girou o copo lentamente, com os olhos fixos na tela agora negra.
Afrodite…
Sorriu, com os lábios curvando num deboche silencioso.
Lembrou de Pablo, lembrou da aposta.
— Você me conhece, Ortega. Eu não quero essa mulher por afeto. Nem por poesia. Quero porque colocaram uma cerca ao redor dela. Porque disseram que ninguém pode tê-la. E é exatamente aí que entro.
Porque para Evan, conquistar alguém comum era insignificante. Ele era atraído pelo que não podia ser tocado. Pelo que o mundo considerava inalcançável.
— Ela vai se dobrar a mim. Não importa quantos a tentaram antes. Não importa quantas máscaras ela use. Eu vou arrancá-las. Uma por uma. Porque no fim… ninguém resiste a mim.
Ele fechou o notebook com a mesma frieza de quem encerra um contrato.
Mas por dentro, algo pulsava.
Não era desejo.
Era obsessão.
E pela primeira vez em muito tempo, Evan Médici sentia que o jogo estava prestes a começar.
E ele jogaria para vencer.