O céu da cidade parecia pesado naquela noite, como se algo invisível estivesse se aproximando e ninguém lá embaixo ainda soubesse o que era.
Irina olhava pela janela do carro enquanto subia os últimos andares do arranha-céu da sede da VIP Rooms. As luzes de Nova York cintilavam ao longe, impassíveis, indiferentes. Dentro dela, no entanto, tudo parecia um espelho prestes a rachar.
O chamado de Vittoria veio seco, direto:
— Quero vê-la no escritório. Agora.
Não era comum. Vittoria jamais fazia algo sem motivo. E, embora a voz ao telefone tenha sido cortês, havia um tom escondido, algo firme demais para ser ignorado. Irina sentiu um calafrio subir pela espinha antes mesmo de desligar a chamada.
O elevador privativo a levou até o último andar, silencioso e veloz, como um presságio. Quando as portas se abriram, o ambiente a envolveu com um sussurro de poder. Mármore branco, iluminação suave, perfume discreto de cedro e baunilha no ar. Era como entrar no coração de uma fortaleza invisível.
A recepcionista a aguardava com um sorriso polido, mas Irina mal a viu. Os saltos altos ecoavam sobre o piso brilhante, acompanhados pelo som de sua própria respiração. Ao atravessar o corredor de vidro, vislumbrou Vittoria de pé, junto à enorme janela que dava vista para a cidade. Estava sozinha. Como sempre.
— Pode entrar — disse Vittoria, sem se virar.
Irina entrou. A porta se fechou automaticamente atrás dela com um clique quase inaudível.
Vittoria vestia um conjunto impecável de alfaiataria preta, os cabelos presos em um coque elegante, e a postura era a de sempre: majestosa. Mas havia algo em sua expressão — uma rigidez nos ombros, um leve franzir de testa — que denunciava o inusitado da noite.
— Sente-se — disse ela, finalmente se voltando.
Irina obedeceu. O couro da cadeira rangeu sob seu peso leve. Suas mãos se encontraram no colo, entrelaçadas, tentando disfarçar o leve tremor que a dominava. O coração batia depressa, mas sua expressão permanecia serena.
Vittoria não falou imediatamente. Caminhou com passos lentos até sentar-se à frente de Irina, cruzando as pernas com naturalidade, como se ainda ponderasse como dar início ao que precisava ser dito.
— Você sabe por que está aqui? — perguntou, enfim, a voz firme, mas baixa.
Irina hesitou.
— Imaginei que… fosse algo importante. — Ela engoliu em seco. — Talvez sobre o site?
— É mais que isso. — Vittoria se inclinou para frente, os olhos castanhos fixos nos dela. — É sobre você. Sobre o que você representa. E… sobre o próximo passo.
Irina sentiu o estômago revirar.
— O próximo passo?
Vittoria assentiu levemente.
— Nos últimos meses, sua presença como Afrodite não apenas se consolidou, ela se tornou mítica. Uma lenda viva no submundo virtual. A virgem mascarada. A que dança sem se despir por completo. A que se recusa a se tocar. A que não cede.
Irina mordeu o lábio, inquieta.
— Sempre achei que fosse justamente por isso… que gostassem de mim. Por não ceder.
— E é. — Vittoria sorriu com ironia contida. — Mas também é justamente por isso que agora querem mais. E estão dispostos a pagar muito caro por isso.
Irina arregalou os olhos, confusa. Vittoria não usava palavras à toa.
— O que exatamente estão… propondo?
A diretora reclinou-se na cadeira, observando Irina como se analisasse não apenas sua expressão, mas suas camadas mais profundas.
— Um leilão, Irina. Um evento especial, reservado a apenas três camgirls da plataforma. E você seria uma delas. Mas não como qualquer outra. Você seria o centro. A peça mais valiosa do tabuleiro. A virgem.
O silêncio que caiu na sala foi quase brutal.
Irina piscou, várias vezes, como se tentasse reorganizar os pensamentos.
— Um… leilão?
— Sim. E antes que pense em algo vulgar ou degradante — Vittoria elevou um pouco o queixo, a voz ganhando um tom mais firme — entenda que este é um evento completamente sigiloso, de altíssimo padrão, com regras extremamente rigorosas. A direção analisou cada proposta, cada histórico, cada intenção.
Irina estava sem ar. As palavras chegavam com clareza, mas pareciam irreais, como se ouvisse alguém falando de outra mulher.
— E quem… quem são os interessados?
Vittoria sorriu, enigmática.
— Dois bilionários passaram pelas avaliações iniciais. Somente dois. Outros candidatos foram descartados pela equipe de segurança, pela psicóloga e pelo comitê jurídico. A proposta deles é séria. O valor inicial do leilão? Quinhentos mil dólares. E tende a subir.
O número soou como um trovão na mente de Irina. Um milhão. Talvez mais. Por uma única noite.
— Meu Deus… — sussurrou.
Vittoria se manteve serena.
— Seria sua estreia como Afrodite por inteiro.
Irina afastou os cabelos do rosto, a respiração levemente acelerada.
— E… e como funcionaria isso?
— Serão quatro encontros privados com cada candidato. Virtuais, inicialmente. Encontros observados pela equipe, mas sem interferência direta. Só depois disso você terá o direito de escolher. Se quiser prosseguir, o leilão se concretiza. Se não quiser… tudo será cancelado. Sem penalidades.
Irina apertou as mãos uma contra a outra.
— E se eu aceitar… e depois me arrepender?
— Você pode parar a qualquer momento. — Vittoria afirmou com firmeza. — Não faremos nada que vá contra sua vontade. Mas, se decidir continuar… haverá um contrato. Termos claros. E supervisão total. Eu mesma cuidarei disso.
Irina ergueu os olhos, hesitante.
— Vittoria… o que você acha?
A pergunta pairou no ar.
A diretora levou alguns segundos antes de responder.
— Eu acho… que é uma oportunidade única. Não pelo dinheiro. Mas porque você criou algo que nenhuma outra conseguiu. — Ela inclinou-se um pouco. — Já tivemos outras garotas que leiloaram sua virgindade. Nenhuma delas ultrapassou esse valor inicial. Nenhuma delas chegou com essa aura. Com esse… mistério. Você tem algo que os homens querem possuir. E você tem o direito de decidir o preço disso.
Irina se recostou na cadeira, o peito subindo e descendo lentamente. Sua mente gritava em direções opostas. Parte dela queria sair dali, correr, esquecer tudo. Mas outra… queria saber. Queria ver quem eram esses homens. Queria testar seus limites. Queria, talvez, controlar o próprio destino com mais firmeza.
— Você disse que tudo será sigiloso?
— Absolutamente. — Vittoria confirmou. — Nenhuma informação será revelada ao público. Nenhum nome será divulgado. Os encontros ocorrerão em salas virtuais encriptadas. Nem mesmo as funcionárias saberão quem são os candidatos. Apenas eu, e uma pessoa de segurança.
— E… quando vou saber quem são eles?
— Quando os encontros forem agendados. Antes disso, nenhuma informação será revelada. O anonimato protege você. E, de certa forma, protege também os interessados.
Irina respirou fundo. Sentia-se em um beco escuro, onde cada passo era uma aposta.
— Eu… não sei se estou pronta.
— Você nunca vai estar — disse Vittoria, com uma franqueza rara. — Ninguém está, Irina. Nem quem paga, nem quem vende, nem quem organiza. Isso não é um negócio. É um rito. Um jogo de escolhas. E cada escolha molda quem você será depois.
O silêncio foi preenchido apenas pela respiração de Irina. Ela se levantou devagar e caminhou até a parede de vidro que dava para o horizonte da cidade. Luzes piscavam em janelas distantes, e carros cortavam avenidas como serpentes de fogo. Tudo lá fora parecia tão normal. E, ainda assim, ela sabia que nada seria igual depois daquela noite.
Ela tocou o vidro com a ponta dos dedos. Como se tentasse segurar o mundo do lado de fora, antes que tudo desabasse.
— Está tudo tão escuro aqui dentro… — murmurou.
Vittoria se aproximou devagar, ficando ao lado dela, mas sem tocá-la.
— O escuro assusta. Mas também revela. Você só precisa decidir… se quer continuar dançando com a luz sobre você. Ou se vai finalmente deixar que a máscara caia.
Irina fechou os olhos. E por um instante, pensou na avó. Em tudo que havia deixado para trás. Nas dívidas, na solidão, na vontade de se libertar. Mas, acima de tudo, pensou em quem era agora e quem poderia se tornar.
— Eu vou pensar. — disse, virando-se para Vittoria.
— Pense, mas não demore. Eles já estão esperando.
Irina assentiu. Quando saiu da sala, a cidade continuava abaixo dela — imensa, distante. Mas o peso em seu peito havia se transformado. Agora era uma guerra silenciosa. Entre medo e desejo. Entre necessidade e curiosidade.
E pela primeira vez, ela sabia que qualquer escolha que fizesse… mudaria tudo.