Mundo ficciónIniciar sesiónCapítulo 3 — A Linha Que Não Podia Ser Apagada
Lara ficou a olhar para o dossier durante longos segundos, como se aquele conjunto de folhas pudesse decidir sozinho o destino dela. — Posso ler? — perguntou, finalmente. Rafael afastou ligeiramente a cadeira. — Deve ler — respondeu. — Cada palavra. Ela abriu o dossier com cuidado. As mãos tremiam-lhe, apesar do esforço para parecer firme. As páginas estavam organizadas, claras, frias. Demasiado frias para algo que envolvia uma vida. — “Contrato de casamento civil com cláusulas específicas” — leu em voz alta, engolindo em seco. — Isto é… surreal. — É necessário — respondeu Rafael. — Continue. Lara passou à página seguinte. — “Duração mínima: doze meses.” — ergueu o olhar. — Já tínhamos falado disto. — Sim. — “Renovável por mútuo acordo.” — franziu o sobrolho. — Isto significa que pode prolongar-se indefinidamente? — Apenas se ambos concordarmos. — E se eu não concordar? Rafael cruzou os braços. — Então termina ao fim de um ano. Ela respirou um pouco mais aliviada, mas a sensação durou pouco. — “Cláusula de confidencialidade absoluta.” — leu. — Ou seja, não posso contar isto a ninguém? — A ninguém — confirmou ele. — Nem à minha família? — Especialmente à sua família. Lara fechou os olhos por um segundo. — Isto vai ser difícil de explicar. — Não tem de explicar nada — respondeu Rafael. — Só tem de representar. Ela lançou-lhe um olhar duro. — Sou uma esposa falsa num casamento verdadeiro. — Exatamente. — Não acha isso… perturbador? — Acho eficiente. Lara voltou às folhas. — “Residência comum obrigatória.” — parou. — Como assim, obrigatória? — Vai viver comigo — disse ele, sem hesitar. — Isso não estava no acordo verbal. — Nunca disse que não estaria. — Disse que teríamos vidas separadas. — E teremos — respondeu ele. — Dentro da mesma casa. — Isso é contraditório! — É estratégico. Ela abanou a cabeça, incrédula. — E se eu me recusar a morar consigo? Rafael inclinou-se ligeiramente para a frente. — Então não há casamento. — E não há tratamento — murmurou ela. Ele não respondeu. Não precisou. Lara continuou a ler, cada vez mais tensa. — “Eventos públicos: presença obrigatória.” — fez um som de desdém. — Festas, jantares, entrevistas… — Nada de entrevistas — corrigiu ele. — Apenas presença. Sorrir. Tocar-me no braço quando for necessário. — Está a ensinar-me a fingir intimidade. — Estou a protegê-la de perguntas. — E o que acontece se eu falhar? Rafael ficou em silêncio por um momento. — Não falhará — disse, por fim. — Isso não responde. — Se falhar, corrigimos — respondeu ele. — Em privado. O tom da voz fez-lhe a pele arrepiar-se. — “Cláusula de comportamento.” — leu Lara, mais devagar. — “A esposa compromete-se a não envolver-se romanticamente com terceiros.” Ela levantou o olhar. — Quer exclusividade… num casamento sem amor? — Quero controlo — respondeu ele, sem rodeios. — Isso não é justo. — Nunca disse que era. — E você? — perguntou ela. — Também está sujeito a isso? Rafael manteve o olhar fixo no dela. — Sim. — Não acredito. — Não precisa de acreditar — disse. — Está escrito. Lara respirou fundo, tentando acalmar-se. — “Cláusula financeira.” — a voz saiu mais baixa. — Tudo o que está aqui… é muito dinheiro. — É o necessário. — Inclui uma mesada? — Inclui independência — corrigiu ele. — Não dependerá de mim para despesas pessoais. — Isso é… inesperado. — Não quero uma esposa submissa — disse Rafael. — Quero alguém que saiba manter-se firme. Ela quase sorriu, mas conteve-se. — Isto tudo parece demasiado calculado — disse. — Como se já tivesse feito isto antes. O olhar dele escureceu por uma fração de segundo. — Não fiz. — Então porque está tão preparado? — Porque não gosto de perder o controlo. Lara fechou o dossier lentamente. — Se eu assinar isto — disse, com a voz tensa — deixo de poder voltar atrás. — Voltar atrás é uma ilusão — respondeu ele. — Apenas avançamos… ou ficamos onde estamos. — E se eu me apaixonar? — perguntou ela, sem pensar. O silêncio caiu como uma lâmina. — Não se apaixonará — disse Rafael, frio. — Não controla sentimentos. — Controlo consequências. Ela levantou-se, caminhando de um lado para o outro da sala. — Isto é errado — murmurou. — Tudo isto é errado. — Errado é não salvar quem ama quando pode — respondeu ele. Ela parou. — Está a usar isso outra vez. — Porque funciona. Lara virou-se, os olhos brilhantes. — Odeio que esteja certo. Rafael levantou-se também, aproximando-se. — Não precisa de me odiar — disse, baixo. — Só precisa de decidir. — Está a pedir-me para apagar quem eu sou. — Estou a pedir-lhe para sobreviver. Ela olhou para o dossier sobre a mesa. Depois para a caneta pousada ao lado. — Se eu assinar… — começou — isto muda tudo. — Sim. — Nunca mais serei só eu. — Não — confirmou ele. — Será minha esposa. O coração dela acelerou. — E se eu assinar… — a voz falhou — o tratamento começa hoje? — Já começou — respondeu Rafael. Ela arregalou os olhos. — O quê? — Dei a ordem antes de entrar nesta sala. — Porquê? — Porque sabia que não a deixaria escolher com o peso da culpa — disse ele. — Agora, decide por si. Lara sentiu as pernas fraquejarem. Aquilo não era um acordo. Era um ponto sem retorno. Sentou-se. Pegou na caneta. — Não me toque — disse, quando sentiu a presença dele demasiado próxima. Rafael afastou-se meio passo. — Assine quando estiver pronta. Ela pousou a ponta da caneta sobre o papel. A mão tremia. — A partir deste momento… — murmurou — tudo muda. — A partir deste momento — corrigiu ele — começa. Lara fechou os olhos… e assinou. O som da caneta no papel ecoou na sala. Rafael aproximou-se, recolheu o dossier e fechou-o. — Bem-vinda, Lara Monteiro — disse, num tom baixo e definitivo. Ela levantou o olhar, o coração em pânico. — Não me chame assim. Rafael inclinou-se, aproximando-se do ouvido dela. — Habitue-se — murmurou. — Porque a partir de agora… o mundo inteiro vai.






