Mundo de ficçãoIniciar sessãoCapítulo 2 — As Regras do Jogo
— Não pode estar a falar a sério. A voz de Lara saiu mais alta do que pretendia, ecoando no corredor quase vazio do hospital. Algumas pessoas viraram a cabeça, mas ela não se importou. O coração batia-lhe com força demais para se preocupar com olhares alheios. Rafael Monteiro não se moveu. Não mudou de expressão. Apenas a observava como se aquela reação fosse… esperada. — Estou a falar muito a sério — respondeu ele, num tom calmo, quase irritantemente calmo. — Um casamento? Com um estranho? — Lara passou a mão pelo cabelo, nervosa. — Isso não é uma solução. É uma loucura. Rafael inclinou ligeiramente a cabeça. — Loucura seria deixar alguém morrer quando existe uma alternativa. As palavras atingiram-na como um golpe baixo. — Não use isso contra mim — disse ela, com a voz a tremer. — Não use a minha situação para me manipular. — Não estou a manipular — respondeu ele. — Estou a ser prático. — Prático?! — Lara soltou uma gargalhada amarga. — Acha prático comprar uma pessoa? — Não a estou a comprar — corrigiu ele. — Estou a propor um acordo. — Chame-lhe o que quiser. Continua a ser errado. Rafael fez um gesto discreto com a mão. — Venha comigo. — Para onde? — perguntou ela, desconfiada. — Para um lugar onde possamos falar sem interrupções. — Não vou a lado nenhum consigo. O olhar dele endureceu ligeiramente. — Se ficar aqui, continuará a gritar — disse. — E não creio que queira explicar este assunto a desconhecidos. Lara apertou os lábios. Ele tinha razão, e isso irritava-a ainda mais. — Cinco minutos — disse ela, por fim. — Só para ouvir o disparate completo. Depois vou embora. — Perfeito — respondeu ele. — Cinco minutos é mais do que suficiente. Minutos depois, estavam sentados numa sala reservada. Rafael manteve-se relaxado, enquanto Lara permanecia rígida, como se qualquer segundo ali fosse um erro. — Comece — exigiu ela. — Explique-me porque acha que eu aceitaria algo assim. Rafael cruzou as mãos sobre a mesa. — O contrato é simples — começou. — Um casamento civil, discreto. Nada de cerimónias públicas. — E porquê eu? — interrompeu ela. — Há milhares de mulheres no mundo. — Nenhuma serve — respondeu ele de imediato. — Isso não responde. — Responde o suficiente — disse, encarando-a. — Preciso de alguém fora do meu círculo. Alguém sem interesses escondidos. Alguém que não me queira pelo nome ou pelo dinheiro. Lara soltou um riso nervoso. — E acha mesmo que eu não estaria a aceitar pelo dinheiro? — Aceitaria pela necessidade — corrigiu ele. — Não pelo poder. Ela levantou-se bruscamente. — Não me conhece. Não sabe nada sobre mim. Rafael manteve-se sentado. — Sei o suficiente — disse. — Sei que não pediria ajuda se tivesse outra opção. Sei que não aceitaria isto se não estivesse desesperada. Lara sentiu os olhos arderem. — Isso é cruel. — É honesto. — E o que ganha com este casamento? — perguntou ela, voltando a sentar-se. — Porque ninguém faz isto sem ganhar algo em troca. Rafael ficou em silêncio por alguns segundos. Quando voltou a falar, a voz estava mais baixa. — Preciso de estabilidade pública. Preciso de calar rumores. Preciso de uma esposa. — Uma esposa de fachada. — Uma esposa legal. — Por quanto tempo? — perguntou Lara. — Um ano. Ela arregalou os olhos. — Um ano inteiro?! — Renovável — acrescentou ele, com naturalidade. — Nem pensar. Rafael levantou-se pela primeira vez, aproximando-se da mesa. — Existem regras — disse. — Dormimos em quartos separados. Não há obrigações conjugais. — Que generoso — ironizou ela. — Há limites claros — continuou ele. — Não se envolve nos meus negócios. Não faz perguntas desnecessárias. Em público, somos um casal perfeito. — E em privado? — Em privado, cada um mantém a sua vida. Lara respirou fundo. — Parece muito simples… para alguém que está a vender a própria liberdade. Rafael inclinou-se ligeiramente, aproximando-se. — Não está a vender a liberdade — disse. — Está a ganhar segurança. Ela levantou o olhar, encontrando o dele. — E se eu disser não? O silêncio que se seguiu foi pesado. — Então retiro a oferta — respondeu ele. — E cada um segue o seu caminho. — E o tratamento? Rafael manteve o olhar firme. — Nunca existiu acordo. O coração de Lara apertou-se. — Está a chantagear-me. — Estou a ser claro. Ela levantou-se novamente, caminhando até à janela. — Não pode obrigar alguém a casar — disse, tentando convencer-se a si própria. — Não estou a obrigar — respondeu ele. — Está aqui por vontade própria. Lara virou-se bruscamente. — Isso é mentira! Rafael aproximou-se mais um passo. — Então vá embora — desafiou. — Saia por aquela porta. Agora. Ela ficou imóvel. O silêncio gritou mais alto do que qualquer palavra. — Assine — continuou ele, empurrando um dossier para cima da mesa. — Leia tudo. Cada cláusula. — Já está tudo preparado? — perguntou ela, incrédula. — Não improviso decisões importantes. Lara olhou para o dossier. O papel parecia pesar toneladas. — E se eu me arrepender? Rafael inclinou-se, a voz firme, quase um aviso: — Então não assine. Ela fechou os olhos por um instante. Pensou no quarto ao fundo do corredor. Pensou no tempo que não tinha. Pensou no que perderia… e no que já estava a perder. Abriu os olhos. — Este casamento… — começou, com a voz baixa — não significa nada, certo? Rafael aproximou-se o suficiente para que ela sentisse a presença dele. — Para o mundo, significa tudo — respondeu. — Para nós, é apenas um contrato. Ela pousou a mão sobre o dossier. — E se eu aceitar… Rafael inclinou-se ainda mais, a voz grave: — A partir desse momento, Lara, deixa de ser apenas sua. Ela engoliu em seco. — Passa a ser o quê? O olhar dele escureceu. — Minha esposa.






