Depois de sair do banho, Amira não aguentava mais ficar no seu quarto. Fora informada por Yaminah que o Lorde inglês com o qual se casaria já se encontrava no palácio. Chegara pouco depois do meio dia e fora direto aos seus aposentos. Tal novidade virou o comentário do palácio. Um Lorde inglês estava no palácio de Ufaaha. Amira esperou sentir a mesma empolgação de sua criada, que estava bastante animada com toda essa novidade, mas o que sentia é que seu tempo estava acabando. Sua vida mudaria em dois dias, quando a cerimônia de casamento terminasse e ela tivesse que ficar a sós com um homem que até agora não conhecia. Não sabia quase nada sobre o Lorde. Célia lhe disse que era um Marquês e, pelo que aprendera, era um título muito importante na Inglaterra. Sabia também que era jovem, porque Alia fez questão de saber quando ainda era a noiva dele. Mas, então, não sabia mais nada.
Um medo lhe invadiu. Como poderia se casar assim?! Desde pequena as mulheres de sua terra eram preparadas para esse tipo de casamento, a maioria se casava com homens que nunca viram. Mas com ela seria diferente. Noiva de Khalid desde criança, cresceu com sua presença, sempre foram amigos e o casamento com ele era uma coisa que a agradava. Agora, casaria-se com um completo desconhecido com uma cultura completamente diferente da dela. Pegou o véu que estava em uma cadeira e saiu do quarto. Precisava de ar. Caminhou apressadamente pelos corredores do andar de cima e, depois de descer as escadas, pegou um atalho que a conduziria direto ao jardim. Não queria se encontrar com ninguém, queria aproveitar ao máximo seus últimos momentos sozinha, já que no dia seguinte não teria um minuto de paz, as mulheres do harém iriam prepará-la para a cerimônia de casamento.
O cheiro de tâmaras chegou até ela através de uma brisa. Naquele horário, o sol não era tão quente. O calor do dia começava a desaparecer para dar lugar ao frio da noite e os jardins eram os locais mais frescos do palácio, que, incrivelmente, se encontravam desertos. Amira fez uma prece silenciosa e deixou que o vento balançasse seus trajes. Prometara que não choraria mais e, surpreendendo a si mesma, não sentia vontade de chorar. O que sentia era uma leve apreensão, mas não deixaria que o medo a derrotasse.
De repente, o som de vozes chegou até ela. Talvez porque passara a tarde treinando as palavras que Célia lhe dera percebeu imediatamente que falavam em inglês. Dois homens conversavam não muito longe dali e deu-se conta que o som se aproximava. Amira se escondeu atrás do pé de tâmaras. A copa baixa das árvores lhe proporcionava um refúgio e lhe garantia liberdade para observar os homens que chegavam por ali. Eles pararam a alguns metros dela. Eram estrangeiros! Soube não só pelo idioma em que conversavam, mas pelo modo como se vestiam, com trajes totalmente diferentes dos usados pelos homens locais. Ambos eram altos. Um deles tinha os cabelos negros e a pele clara, além de ombros largos, onde a “roupa” que usava ficava incrivelmente justa. Não podia ter certeza da cor dos olhos do homem, mas apostaria que eram verdes. O outro, que se encontrava de frente para ela, era... Magnífico. Enquanto o amigo tinha os cabelos negros como o céu da meia noite, este tinha o cabelo tão claro como uma manhã de sol, a pele alva e olhos incrivelmente azuis. Amira olhou para o céu e confirmou a cor, sem postergar para continuar a inspeção do homem a sua frente. Nariz reto, lábios finos e duros, que se moviam na pronúncia de palavras que ela demorou um momento para compreender. As palavras foram formando frases em sua cabeça e seu corpo tremeu quando as compreendeu. Por um momento, pediu para que Célia estivesse ali e dissesse que houvesse entendido errado. O homem loiro estava com raiva, enquanto o amigo tentava lhe acalmar.
— Uma pagã, Tony! Pelo amor de Deus! Vou me casar com uma pagã! Serei motivo de piada em Londres, uma estrangeira casada com o Marques de Brisden.
Amira sentiu o sangue drenar de sua face por descobrir que estavam falando dela. E o homem loiro só podia ser seu futuro marido. Ouviu o outro homem falar em seguida:
— Tristan, você nem sequer a conhece. Haverá falatórios, mas seu casamento foi também uma ordem do Rei, além de ter aparecido em ótima hora. O dote que esse casamento lhe proporcionará o fará um dos homens mais ricos da Inglaterra. Sei que está assim por causa de Charlotte.
Mesmo com toda a raiva que a invadia, Amira observou as feições do seu futuro marido na menção do nome feminino. Quem seria essa Charlotte?
— Ela não sai de minha cabeça, Tony. Ela é quem deveria ser minha Marquesa, não essa mulher. Já olhou os costumes desse povo? Terei que andar descalço em minha própria casa? E as mulheres, viu as roupas que elas usam? Isso é uma indecência! Aposto que essa estrangeira já está desonrada.
Um gemido alto foi emitido e Amira percebera tarde demais que viera dela. Os olhos do homem loiro foram diretamente na direção de onde ela estava. Ainda muito confusa com tudo, mal escutou a voz de um deles em árabe precário:
— Quem está aí? Saia imediatamente!
Mas que petulante! Amira sentiu a raiva correr por seu corpo, mas decidiu manter a calma. Colocou o véu na cabeça de maneira que ocultasse parte do rosto e saiu do seu esconderijo. O homem loiro passou um rápido olhar sobre ela e depois falou para o amigo, em inglês:
— É uma criada.
O outro homem virou-se para avaliá-la e deixou que seus olhos passeassem por seu corpo. Mas que desgraçado!
— Uma criada muito bonita, por sinal.
Incomodou-se com o tom em que o homem moreno falava. Aquilo já era demais! Murmurou uma desculpa em árabe e saiu do local.
Correu. Subiu as escadas e, quando percebeu, já estava em seu quarto. Encostou-se na porta. As palavras de seu futuro marido ainda eram ouvidas em sua cabeça. Uma pagã! Desonrada! Só podia estar louco! Ele que era o estrangeiro que saiu de sua terra para buscá-la e a odiava, amava uma mulher chamada Charlotte, que deveria ser como Célia dizia: a mais linda rosa inglesa. Sentou-se em sua cama, apreensiva. Que perspectiva teria esse casamento? Seu noivo amava outra mulher e a odiava. Além de ser uma pária em Londres, seria também desprezada por ele. Sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto. Não ia chorar! Não pelas palavras daquele homem, ele não poderia exercer esse poder sobre ela. A opinião dele não importava. Era uma princesa! Não merecia passar por isso. Amava seu povo, seus costumes e estava disposta a aceitar os dele. Mas ele a via como uma selvagem, uma impura. Olhou o traje que agora estava espalhado em uma cadeira, usaria-o no dia seguinte, quando fosse oficialmente apresentada a seu noivo. Fora confeccionado com o mais delicado tecido e bordado a ouro. Sua caixa de joias estava em um canto da mesa. Célia dissera que ela tinha mais joias que a própria Rainha. Não permitiria que ele a menosprezasse! Era Amira Yamile, Princesa de Ufaaha. Iria para a Inglaterra e faria não só a sociedade, mas também o seu marido cair aos seus pés.