BABÁ DE MINHA FILHA
BABÁ DE MINHA FILHA
Por: Tônia Fernandes
####A GRAVIDEZ

O COMEÇO DE TUDO

A música sempre foi o idioma da minha alma.

Desde menina, eu acreditava que as melodias eram orações disfarçadas — que, se eu tocasse com o coração, Deus me ouviria.

Foi assim que Brent entrou na minha vida: entre uma canção e outra, no pequeno café ao lado da universidade.

Eu tocava piano nas horas vagas, tentando juntar dinheiro para pagar o quarto onde morava — um lugar simples, alugado por uma viúva gentil, indicado pelas freiras do orfanato que me criara.

Era a primeira vez que eu vivia sozinha, fora das paredes que me chamavam de “instituição”, e, pela primeira vez, a solidão parecia ter som.

Ele entrou certo dia, com o sorriso mais bonito que eu já vi.

Tinha livros de direito debaixo do braço e olhos que pareciam ler o mundo — e, ainda assim, me olhavam como se eu fosse o centro dele.

Brent Bishop Dickson.

Vinte e um anos, estudante de direito, sonhador, intenso.

Um homem que falava de justiça como quem recita poesia.

— Você toca com a alma — disse ele, depois de ouvir minha música. — E eu nunca soube que a alma tinha som.

Eu ri, sem saber o que responder.

Foi a primeira vez que alguém me olhou sem ver o rótulo de “órfã”.

Ele me viu, simplesmente.

Nos meses seguintes, a cafeteria virou nosso ponto de encontro.

Eu levava partituras; ele trazia livros.

Enquanto eu falava de Chopin e Debussy, ele explicava as leis que poderiam mudar o mundo.

Nos apaixonamos devagar — e, quando percebi, já era tarde para voltar atrás.

Brent me pediu em casamento no mesmo lugar onde nos conhecemos.

Um anel simples, comprado com o primeiro salário de estágio.

Eu tinha acabado de completar dezoito anos, ele estava terminando a faculdade.

Nos casamos no civil, em uma cerimônia pequena.

As freiras foram minhas testemunhas; ele levou apenas o pai e a mãe — embora a presença dela, confesso, tenha gelado a minha alegria.

A senhora Margaret Dickson nunca me aceitou.

Achava que o filho, agora advogado promissor, merecia mais do que uma garota sem sobrenome, criada por caridade.

Nos olhares dela, eu sempre lia a mesma sentença: “você não é digna.”

Mas Brent nunca se deixou influenciar.

Ele dizia que amor não precisava de permissão.

E, quando assinamos os papéis do casamento, ele me sussurrou ao ouvido:

— Agora você tem um lar, Rachel, É um nome que ninguém vai te tirar.

Dois anos depois , eu tinha uma surpresa para Brent.

Vivíamos em um pequeno apartamento, com paredes pintadas de sonhos.

O piano herdado do café ficava ao lado da janela, e o som dele era o coração da casa.

Brent trabalhava em um grande escritório e começava a se destacar.

Às vezes chegava tarde, exausto, mas bastava me ver tocando que o cansaço desaparecia.

Foi na noite que completamos dois anos de casados que contei a novidade.

— Brent, estou grávida, você vai ser pai amor.

Ele me olhou por um instante, como se as palavras demorassem a fazer sentido.

E, então, sorriu com uma alegria que encheu o quarto inteiro.

— Você está brincando comigo não é amor?

Balancei a cabeça, rindo e chorando ao mesmo tempo.

Ele me abraçou com força, me levantou do chão e girou comigo.

— Eu vou ser pai?!— repetia, como se precisasse se convencer. — Meu Deus, Rachel, eu vou ser pai!

Naquele instante, tudo parecia perfeito.

Ele começou a pintar o segundo quarto, comprou móveis, bichinhos de pelúcia, e um móbile com notas musicais que giravam ao som de uma caixinha de música.

Dizia que nosso bebê— ele sempre acreditava nisso bebê seria uma menina , mas nós decidimos descobrir o sexo no nascimento.

Mas nem tudo era música.

A minha sogra continuava distante, fria, nunca me tratou bem.

Nas raras visitas, fazia questão de lembrar que “bons casamentos não se fazem com piedade”.

Eu ouvia em silêncio, tentando preservar a paz.

Brent, por outro lado, se irritava.

— Mamãe você que se acostume — dizia. — Rachel é minha família agora.

Eu sorria, mas no fundo sabia que a senhora Dickson jamais me perdoaria por ter me casado com o filho dela.

Naquela noite, a casa estava em silêncio.

O relógio marcava onze horas, e a chuva começava a cair lá fora.

Eu estava deitada, observando o teto, quando senti a primeira contração.

Fraca, mas inconfundível.

Meu coração disparou.

— Brent amor, acorda!— chamei, tocando seu ombro.

Ele se mexeu, sonolento.

— O que foi, amor?

— Acho que chegou a hora do bebê.

Os olhos dele se abriram de imediato, tomados de uma mistura de susto e alegria.

— O quê? Agora?

Assenti, ofegante.

— Está doendo.

Ele saltou da cama, tropeçando nas cobertas, rindo e nervoso.

— Meu Deus… tá bem, calma, calma. Eu vou pegar as malas.

Olhei para ele, e um nó se formou na minha garganta.

Era a mesma sensação de quando o vi pela primeira vez: a certeza de que eu estava segura.

Eu nunca poderia imaginar que, dali a algumas horas, aquele seria o último sorriso que veria dele.

A chuva aumentava lá fora.

O som dos trovões se misturava ao meu coração acelerado.

Peguei a mala do bebê, o casaco e o retrato de casamento sobre a cômoda.

Brent segurou minha mão e beijou minha testa.

— Vai dar tudo certo, amor, falou sorrindo. — nosso bebê vai nascer!

Eu acreditei.

Como sempre acreditei em tudo que ele dizia.

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