Rachel permaneceu por um longo tempo sentada ao lado do berço, observando a respiração suave da bebê.
O silêncio do quarto era cortado apenas pelo som da chuva e, de vez em quando, pelo leve ranger da cadeira de amamentação. A menina dormia tranquila, o rostinho sereno, os dedos fechados em punho sobre o cobertor. Rachel não conseguia desviar o olhar. Algo naquela criança a acalmava e a feria ao mesmo tempo. Era uma paz doída — o tipo de sentimento que nasce de um amor que não se compreende, mas se sente como verdade. As horas passaram sem que ela percebesse. Quando uma das empregadas entrou no quarto para levar uma bandeja de chá, Rachel quebrou o silêncio: — Ela dorme assim o tempo todo? — perguntou, num tom suave. A mulher sorriu, arrumando as almofadas. — Só quando está com você. Nunca vi a pequena tão calma. Rachel olhou de novo para o berço e perguntou, quase num sussurro: — A mãe dela não vem ver a menina? A empregada hesitou, parecendo pesar as palavras. — Faz uma semana que a senhora Leonor teve a bebê — respondeu por fim. — Desde então, veio aqui uma única vez. Entrou, olhou, disse que a menina chorava demais e saiu. Rachel franziu a testa, surpresa. — Uma semana? — repetiu, mais para si do que para a outra. — Ela nem parece uma mulher que acabou de ter um filho. A mulher balançou a cabeça, num gesto rápido. — Nem parece mesmo, Rachel, a madame está sempre impecável, como se nada tivesse acontecido, não gosta de barulho, nem de choro. disse que o som do bebê a irrita. Rachel mordeu o lábio, tentando conter a indignação. — E o pai da bebê sabe que a esposa não tem paciência com a bebê? — Está viajando, não sabe que a filha nasceu, nem sei se a madame avisou.— respondeu a empregada. — Deve voltar amanhã, ele é um homem bom, nem sei como se casaram, só sei que faz alguns meses que casou e acredito que se casou por ela está grávida. Rachel assentiu lentamente. Olhou outra vez para a bebê adormecida e suspirou. — Ela é linda demais para ser tratada com tanta indiferença, eu perdi meu filho, sinto a dor da perda todos os dias, e ver a Roxy não ter amor da mãe é triste. A mulher concordou, emocionada. — Talvez Deus tenha te mandado para essa casa, Rachel, a madame saiu um dia pela manhã, e no outro voltou com a Roxy, e nunca cuidou dela, se recusa a amamentar, sai todos os dias, como se não estivesse se recuperando de um parto, o oposto de você. A menina precisava de alguém que olhasse para ela com amor, porque é visível que a madame só teve essa criança para se casar com o Sr. Ele a trata com respeito, mas não sinto que haja amor por ambas as partes. Rachel sorriu de leve, sem coragem de responder. Abaixou-se, ajeitou o cobertor sobre a pequena e murmurou baixinho: — Talvez eu também preciso dela. ####NO OUTRO DIA O dia amanheceu cinzento, ainda úmido do temporal da noite anterior. Rachel embalava Roxy no colo quando ouviu o som de um carro estacionando diante da mansão. Pela janela, viu um motorista descarregar malas e abrir a porta traseira para um homem alto, de terno escuro, postura firme e olhar cansado. — Quem é? — perguntou baixinho à empregada que recolhia as roupas da bebê. — O senhor Dean Sumerland — respondeu ela, com um sussurro apressado. — O marido da senhora Leonor. Rachel ficou imóvel por um instante, com o coração acelerado. — Ele não sabia que a esposa já tinha dado à luz? A mulher negou. — A madame não o avisou, disse que queria fazer uma surpresa. Rachel sentiu um arrepio atravessar-lhe o corpo, uma surpresa? Estranho né? Havia algo cruel naquela palavra. No andar de baixo, ouviu-se o barulho da porta principal se abrindo e passos ecoando pelo hall. Rachel desceu lentamente, com a bebê nos braços, guiada pela curiosidade e por um sentimento indefinido de proteção. Dean estava de costas, falando com um dos empregados. A voz era firme, grave, com o timbre de quem está acostumado a ser obedecido. Quando ele se virou, a expressão mudou de imediato. — Quem é você? — perguntou, surpreso, ao ver Rachel parada na escada com uma criança no colo. — E o que está fazendo com um bebê? Rachel hesitou. — Sou Rachel, a babá de Roxy. — Babá? — ele repetiu, confuso. — Leonor contratou uma babá? Mas, — o olhar dele caiu sobre a menina. — De quem é essa criança? Antes que Rachel pudesse responder, Leonor apareceu no alto da escada, envolta num robe de seda branca, cabelos impecáveis e o olhar tenso. — Dean! — exclamou, forçando um sorriso. — Que surpresa! Não esperava que voltasse hoje. Ele franziu o cenho, confuso. — Que surpresa é essa, Leonor? O que está acontecendo aqui? Ela desceu lentamente, tentando controlar o nervosismo. — Ah, querido, eu ia te contar hoje à noite, mas parece que a surpresa chegou antes da hora. — E com um gesto leve, indicou o bebê nos braços de Rachel. — Esta é Roxy, nossa filha, ela nasceu faz cinco dias. O silêncio que se seguiu pareceu durar uma eternidade. Dean a olhou como se não compreendesse as palavras. — Nossa filha? — repetiu, incrédulo. — Como assim, Leonor? Parti há quinze dias e você não parecia perto do parto. — Aconteceu antes do previsto — disse ela rapidamente. — Um pouco prematuro, mas tudo correu bem. Rachel observava em silêncio, o coração apertado, sentindo o peso daquela mentira. Leonor evitava o olhar do marido, nervosa, e Dean, embora surpreso, parecia absorver as palavras devagar. — Por que não me ligou? — perguntou ele, a voz baixa, decepcionada. — era o meu direito estar aqui. Leonor riu, forçada. — Queria que fosse uma surpresa, querido, um presente. Dean passou a mão pelos cabelos, atônito. — Um presente?! — repetiu, e então voltou o olhar para Rachel. — E você? Rachel engoliu em seco. — Estou cuidando da bebê, senhor. Ele assentiu lentamente, ainda tentando processar tudo. — Entendo, — Sua voz era desorientada, e distante. — Seja bem-vinda, então, espero que saiba o que está fazendo. Rachel apenas inclinou a cabeça. Roxy se remexeu em seus braços e soltou um pequeno resmungo, instintivamente, ela a embalou com doçura, sussurrando palavras baixas até o choro cessar. Dean observou a cena com atenção. Por um instante, o olhar dele suavizou — havia ali algo familiar, uma ternura que o desconcertou. Leonor, percebendo o foco do marido na babá, apressou-se em intervir: — Rachel, leve a bebê para o quarto, por favor. Rachel obedeceu em silêncio, subindo as escadas com passos lentos. Mas, antes de desaparecer no corredor, ainda ouviu Dean dizer, com voz contida: — Leonor, nós vamos conversar sobre isso. E Rachel soube, naquele instante, que aquela casa era feita de segredos — e que, de alguma forma, ela acabara de entrar no centro deles.