A mesa estava posta com cuidado: louças brancas, guardanapos de tecido, velas aromáticas com cheiro de baunilha e alecrim. Clara sempre teve esse dom de fazer até as refeições parecerem festas. Enquanto ela dançava na cozinha com a colher de pau nas mãos, eu me perguntava se ela percebia que estava preparando um cenário para um espetáculo que nem imaginava estar prestes a acontecer.
O jantar era simples — massa com molho branco e frango ao forno — mas o cheiro era reconfortante. E isso, naquele momento, era o suficiente pra mim. Pelo menos até o som das botas masculinas no assoalho anunciar a chegada de Gabriel. Meu corpo reagiu antes de mim. A pele arrepiou, o estômago virou e meus sentidos ficaram atentos como se esperassem algo perigoso... ou delicioso. Ele entrou com aquele jeito contido, as mangas da camisa arregaçadas como no dia anterior, o cabelo ainda úmido do banho, os olhos... os olhos fixos demais nos meus por tempo demais. — Boa noite — ele disse, educado, mas com um leve aceno só pra mim. Ou foi o que senti. — Boa noite — respondi, quase sem ar. — Senta aqui, Gabriel! — Clara disse, indicando a cadeira ao meu lado, totalmente inocente da combustão que aquilo causaria em mim. Antes que eu pudesse protestar, ele já estava ao meu lado. O calor que emanava do corpo dele era quase palpável. A distância entre nós parecia apertada demais para ser confortável, e ao mesmo tempo... eu não queria que ele se afastasse. Daniel chegou logo depois, com seu sorriso ensaiado e aquele perfume forte que me dava dor de cabeça. Sentou-se à frente, entre Clara e eu. Os olhos dele passaram direto pela namorada e pousaram em mim como se me despissem com descaso. — Você está linda hoje, Camila — disse ele, em tom baixo, íntimo demais. Clara sorriu, sem perceber a tensão. — Cami sempre tá linda, né? Até descabelada com cara de sono. Gabriel não falou nada. Mas seu maxilar se contraiu discretamente. Eu percebi. E Daniel também. — E então — Daniel continuou, pegando o copo de vinho — o bloqueio criativo ainda tá te assombrando? — Menos do que antes — respondi, mantendo o tom neutro. — Algumas ideias começaram a aparecer. — Que ótimo — ele sorriu, sarcástico. — Vai ver foi o ar puro... ou a companhia. — Talvez o silêncio — respondi, firme. — Às vezes ele é mais inspirador do que certos ruídos desnecessários. O clima na mesa mudou. Clara tentou rir, mas estava claro que não entendeu a alfinetada. Gabriel olhou pra mim de lado, como quem observa uma peça de arte com mais detalhes do que deveria. Ele ainda não tinha dito quase nada, mas cada gesto dele me atingia com uma força que me desconcentrava. Durante o jantar, nossos braços se tocaram algumas vezes. Acidentalmente? Talvez. Mas toda vez que isso acontecia, minha pele queimava. E ele não recuava. Nem uma vez. — Preciso de mais vinho — murmurei, tentando escapar daquele calor sufocante que vinha de dentro. Levantei e fui até o aparador da sala. Quando me virei, Gabriel estava atrás de mim. — Não gosto da forma como ele te olha — disse ele, baixo, firme. Meu coração disparou. — Ele namora a minha melhor amiga — respondi, quase em sussurro. — E você nem me conhece. Ele deu um passo à frente. Perto demais. Meu corpo reagiu num impulso elétrico que me fez perder o fôlego. — Ainda não — ele murmurou, os olhos presos nos meus. — Mas eu quero. Engoli seco. A taça de vinho quase escapou das minhas mãos. Mas naquele momento, o que tremia não era a taça. Era eu inteira. E, de repente, me dei conta de que o perigo não era Daniel. Era Gabriel.