Ava Narrando
Acordo todos os dias antes do amanhecer. Às cinco e meia da manhã, o despertador já soa alto, interrompendo qualquer possibilidade de descanso extra. Não há tempo a perder. Levanto rapidamente, vou direto ao banheiro, lavo o rosto com água fria para espantar o sono e prendo os cabelos em um coque alto. Café da manhã? Apenas se houver tempo, o que, hoje, não houve. Peguei uma banana, coloquei na bolsa e saí apressada. Chego na lanchonete exatamente às sete horas. Cumprimento a equipe da cozinha com um breve “bom dia”, pego o avental e o visto com agilidade. Nem bem termino de ajustá-lo na cintura, ouço a primeira recomendação: — Ava, por favor, lembre-se de sorrir mais hoje. O cliente repara nesses detalhes. É o senhor Beckman, o gerente. Um homem exigente que preza, acima de tudo, pela satisfação do cliente. Mesmo quando esse cliente é grosseiro ou inconveniente, ele insiste que devemos manter a cordialidade e a simpatia. Segundo suas palavras, “o cliente tem sempre razão”. Mesmo quando claramente está errado. Respiro fundo, coloco o bloco de anotações no bolso e sigo para o salão. O aroma de café fresco e pão tostado preenche o ambiente e, por um breve momento, me anima. Mas sei que o ritmo intenso do dia está apenas começando. Logo nas primeiras horas, a lanchonete já está cheia. Muitos trabalhadores da região e comerciantes passam para um rápido café ou lanche, geralmente apressados, e alguns, infelizmente, desrespeitosos. Atendo uma mesa quando ouço o primeiro comentário desagradável: — E aí, moça bonita, só falta sentar aqui comigo agora. Ignoro e continuo o atendimento com postura profissional. Contudo, o cliente insiste: — Está séria hoje? Brigou com o namorado? Sorrio de forma contida e respondo com educação: — Estou apenas concentrada no trabalho, senhor. Deseja algum acompanhamento? — Você, de preferência — responde, rindo. Sinto vontade de sair dali, mas mantenho a compostura. Sei que o senhor Beckman está observando, e logo se aproxima para sussurrar: — Ava, por gentileza, não se esqueça: nosso foco é sempre a boa experiência do cliente. Boa experiência, penso. Desde que não custe o meu respeito. O tempo passa rapidamente. Às dez da manhã, já estou exausta. O tênis aperta os pés, minha cabeça está cheia de pedidos e a movimentação não para. Um cliente reclama que o pão veio com o recheio errado, outro derruba o copo de suco no balcão, e a máquina de cartões resolve falhar. Tudo isso ao mesmo tempo. Quando chega o horário de almoço, a situação se intensifica. Há fila na porta, crianças chorando, telefone tocando e clientes impacientes. Um senhor ergue a voz: — Moça, estou esperando há um bom tempo! Esse prato vem andando? — Peço desculpas pela demora, senhor. Seu pedido já está sendo finalizado — respondo, com a calma que me resta. Gostaria de poder responder com sinceridade, mas contenho qualquer impulso. Faz parte do uniforme: sorriso no rosto e paciência no coração. Às três da tarde, começo a olhar o relógio com mais frequência. Meu expediente termina às quatro, mas ainda há mesas para limpar, pratos para recolher e contas a encerrar. Faço tudo com agilidade, mas sem deixar de ser cuidadosa. Finalmente, às quatro horas, retiro o avental e o guardo. Me Despeço da equipe da cozinha e sigo em direção à saída. Mas antes de cruzar a porta, o senhor Beckman faz mais uma observação: — Amanhã, tente sorrir com mais naturalidade, Ava. O semblante fechado pode afastar os clientes. — Pode deixar, senhor Beckman — respondo com um leve aceno de cabeça. Ao sair, o som do trânsito parece menos agressivo do que o ambiente que deixei. Estava caminhando tranquilamente após o trabalho, sentindo o vento bater no rosto e tentando aliviar o cansaço do dia. As ruas estavam movimentadas, mas minha mente seguia distante, mergulhada em pensamentos sobre contas a pagar e a rotina cansativa da lanchonete. Foi então que, de repente, um homem surgiu à minha frente. Ele segurava uma câmera fotográfica profissional e me observava com atenção. — Desculpe interromper, mas você é linda, perfeita — disse ele, enquanto, sem minha autorização, clicava uma foto. Fiquei estática por alguns segundos, surpresa e, sinceramente, irritada com aquela abordagem repentina e invasiva. Franzi a testa e dei um passo para trás. — Ei! O senhor não pode simplesmente tirar uma foto minha assim, sem pedir permissão — protestei, cruzando os braços. Ele sorriu com calma, sem demonstrar qualquer arrogância. Pelo contrário, seu olhar era gentil e sereno, o tipo de sorriso que transmite confiança sem exagero. — Desculpe mesmo, foi por impulso. É que trabalho com uma agência de modelos exclusivas e, sinceramente, você tem exatamente o perfil que estamos procurando. A luz, a sua expressão, foi instintiva. Mas entendo sua reação. Ainda desconfiada, permaneci em silêncio, observando melhor sua postura. Ele não parecia ser um desses homens inconvenientes que costumo encontrar no meu dia a dia. Estava bem vestido, carregava um crachá pendurado no pescoço e a câmera era claramente de uso profissional. — Só estou aqui por acaso, vi você passando e não consegui ignorar a oportunidade. Aqui está o meu cartão — disse, estendendo um cartão de visitas branco com letras douradas, muito bem produzido. Peguei o cartão com cautela. No topo estava escrito: Estúdio Bell'Arte – Modelos Exclusivos. O nome dele era Rafael Mendez, com o título de "Diretor de Seleção de Talentos". — Não estou dizendo para você aceitar nada agora. Só te peço que passe lá amanhã, no mesmo horário, se quiser. Conheça o estúdio, veja com seus próprios olhos. Não há qualquer compromisso, completou ele, ainda sorrindo. Fiquei alguns segundos segurando o cartão, sem saber muito bem o que responder. Por fim, assenti levemente com a cabeça. — Tudo bem. Posso passar lá amanhã. Só para conhecer. — Perfeito! Vou avisar a recepção para esperá-la. Vai ser um prazer — respondeu ele, se afastando com tranquilidade, sem insistir mais. Continuei meu caminho com o coração acelerado. O episódio tinha sido inesperado, no mínimo. Quando cheguei em minha kitnet, deixei a bolsa no sofá e fui direto ao celular. Digitei o nome da agência no navegador e, para minha surpresa, o site apareceu logo nos primeiros resultados. Era tudo muito elegante. Modelos bem produzidos, editoriais de revistas de luxo, parcerias com marcas renomadas. Aos poucos, a irritação inicial foi dando lugar à curiosidade, e então, à empolgação. Senti uma ponta de esperança brotar dentro de mim. Talvez aquilo fosse mais do que apenas um encontro casual. Talvez fosse o começo de uma oportunidade real. Pela primeira vez em muito tempo, deitei naquela cama simples com um leve sorriso no rosto. Quem sabe amanhã minha vida comece a mudar.