Assim que o garçom se afastou com os pedidos, Bella, ainda com os olhos grudados no cardápio, lançou a primeira pergunta casual — daquelas que a gente sabe que vêm armadas:
— Então… como vocês se conheceram?
Tentei manter o tom leve e espontâneo. Tomei a frente antes que Keven se embananasse:
— Nos conhecemos no shopping. Este é… acho que nosso terceiro ou quarto encontro, na verdade.
Mentira inventada na hora. E eu, sinceramente, achei que mandei bem. Mas Bella não parecia convencida. Ela ergueu os olhos do cardápio e estreitou o olhar na minha direção — queria ouvir dele, não de mim.
— E você concorda com isso? — ela se virou para Keven, a voz doce demais para soar inofensiva. Eu sabia que vinha problema.
Keven franziu o cenho, sem entender.
— Concordar com…?
— Que é o terceiro encontro — repetiu ela, como quem arma uma armadilha com flores e fita de cetim. — E que logo vocês dois vão se casar, certo?
Fez uma pausa dramática, olhou para Petter e então levou a mão à boca com falsa surpresa.
— Ai, falei demais? Eles ainda não iam contar, Petter! — disse, arregalando os olhos para mim. — Você me disse que não era pra contar nada sobre o casamento, não foi, Asllan?
Ela deveria ter feito teatro. Juro.
Lancei um olhar fulminante. Aquilo não estava no roteiro. O plano era fingir um namoro — não inventar um noivado.
Mas antes que eu pudesse me indignar em voz alta, Keven riu. Uma risadinha leve, desconcertada, que fez Bella se virar imediatamente para ele.
— Eu gosto dele!
Bella murmurou para Petter, sem tirar os olhos de Keven.
E então veio o plot twist do próprio Keven:
— Estou ciente do nosso futuro casamento — disse, com um sorrisinho irônico. — Ele me contou ontem à noite, na verdade. E também sei que vocês dois vão se casar. Meus parabéns, aliás. É claro que estaremos lá.
Bella ficou em silêncio. Claramente, não esperava uma resposta tão pronta — e ainda com charme. Sua atuação havia sido boa, mas Keven soube jogar.
Ponto pra ele.
A comida chegou no momento perfeito. Bella rapidamente se ocupou em distribuir os pratos e talheres como se precisasse se recompor e bolar a próxima investida. Ela não desiste fácil.
Comemos em silêncio por alguns minutos, até que Petter resolveu se juntar à brincadeira disfarçada de conversa de cunhado.
— Então, Keven… o que você gosta no Asllan?
Engoli o suco com pressa, quase engasguei. Virei o rosto para Keven. Ele tinha vindo para esse almoço completamente despreparado. Nenhum ensaio, nenhum roteiro. Queria ver como sairia dessa.
Se ele conseguir dar conta agora… aí sim posso começar a me preocupar comigo mesmo.
Keven se virou para mim, claramente tentando encontrar uma resposta aceitável. Cruzei os braços e levantei uma sobrancelha, desafiando-o em silêncio. Ele pigarreou antes de começar:
— Os olhos... a boca... — fez uma pausa, lançou um sorriso malicioso e completou — posso ir mais além?
Ele se virou lentamente para Petter, que já sorria com o canto da boca. Eu, por minha vez, enfiei mais suco na boca, tentando me conter. Mas, inevitavelmente, uma risadinha escapou.
— Então, podemos dizer que você gosta de tudo? — Petter continuou, ainda com aquele ar de provocador — Preciso que você seja mais específico do que isso.
Keven voltou a me olhar, como se estivesse pedindo socorro. Achei que talvez fosse hora de intervir, antes que ele soltasse alguma bobagem irreparável.
— O que há pra não gostar? — Dei de ombros, fingindo casualidade. Meus olhos foram até o prato dele. O ovo Benedict realmente parecia saboroso. Inclinei-me e cutuquei o braço dele:
— Posso experimentar?
Ele deu uma risadinha e empurrou o prato na minha direção, estendendo a mão para pegar meu suco logo em seguida. Um verdadeiro teatro de casal apaixonado. Ele sequer comeu, e eu acabei comendo por impulso... e odiando. Eu realmente não gostava daquele prato, mas respondi com um sorriso:
— Obrigado.
Bella, que até então observava tudo com olhos de águia, resolveu atacar de novo:
— E você? O que gosta nele?
Levantei os olhos do prato — aquele que eu claramente queria devolver — e respirei fundo. Ela estava começando a levar aquilo a sério demais.
— Hum... tudo? — respondi, pausando cada sílaba, esperando convencê-la com o mistério.
Mas Bella não comprou. Estreitou os olhos e cruzou os braços. Agora era Keven quem tentava conter o riso.
Pigarreei, enquanto chutava a perna dele discretamente por baixo da mesa:
— Quero dizer... gosto do jeito como ele me faz rir, e de como posso ser eu mesmo perto dele. Ele é bonito, engraçado... quem pode negar isso?
Talento desperdiçado. Eu deveria estar em novelas mexicanas.
Bella e Petter se entreolharam, parecendo finalmente acreditar. Foi então que ela resolveu perguntar:
— Então... isso é sério? Não é só uma aventura?
Assenti com firmeza e olhei para Keven, esperando que ele também demonstrasse convicção.
Keven, ainda meio perdido, assentiu como se fosse guiado por controle remoto.
— Eu... — ele hesitou. — Estou falando sério sobre ele. Quero que ele esteja no meu futuro.
Bella soltou um longo "hmmm". Aquilo era um bom sinal. Ela ainda nos observava com cautela, mas o olhar estava mais brando.
“Funcionou”, pensei, esperançoso. Não sei por quanto tempo mais conseguiríamos sustentar aquilo.
Keven, agora mais à vontade, pegou meu suco — que já não estava mais intocado — e deu dois goles seguidos.
— Isso é uma delícia — comentou, ainda com os lábios na borda da taça.
Sorri. Sabia que ele ia gostar.
— Quantos anos você tem? — Petter perguntou, querendo avançar mais um nível no interrogatório.
Keven colocou a taça de lado e lambeu os lábios:
— Dois anos mais velho que ele.
Concordei com a cabeça. Era a mesma idade de Bella e Petter — o que, tecnicamente, nos deixava todos na mesma faixa.
Bella analisou Keven por um bom tempo, como se tentasse encaixar a idade ao rosto. Depois se virou para mim, com uma expressão cheia de intenções:
— Eu não sabia que você gostava de caras mais velhos.
Revirei os olhos discretamente, respirando fundo.
— Eu... bem, abri uma exceção — forcei um sorriso constrangido.
Ela assentiu lentamente, antes de mirar novamente Keven:
— E o que você faz da vida?
Congelamos.
Essa pergunta eu não tinha ensaiado com ele. Meus olhos se arregalaram. Será que ele diria que era dançarino?
Não dava para inventar algo grandioso demais — e se quisessem visitar o local de trabalho? Não podia ser médico, nem modelo, nem qualquer profissão que exigisse comprovação pública. Tínhamos um problema.
Em silêncio, comecei a inventar mentalmente: "Você está assumindo a empresa dos seus pais... não, você já assumiu... agora é o CEO."
Keven respirou fundo e, para minha surpresa, repetiu minhas palavras como se tivesse lido minha mente:
— Assumi a empresa da família. Sou o CEO.
Eu quase derrubei o talher.
“Ele leu minha mente?!” — pensei. Se fosse uma criatura sobrenatural, eu acabara de ganhar na loteria.
Bella e Petter se entreolharam, visivelmente impressionados.
— Nossa, que empresa é essa? — Petter logo perguntou, como se estivesse prestes a buscar no G****e.
Keven me lançou um olhar pedindo ajuda. Mas, sinceramente, eu não fazia ideia do que dizer. Era um campo minado. Mentir poderia ser desastroso. E omitir… também.
— Por que você é tão intrometido? — disparei, antes de pensar melhor.
Péssima ideia. Petter arregalou os olhos, chocado.
— Não... não é isso — corrigi rapidamente. — É que ele prefere não ser tratado como "o presidente de uma empresa", sabe? Ele está aqui como meu namorado. Isso é tudo o que vocês precisam saber.
Dei um sorriso leve e apoiei a cabeça no ombro de Keven, tentando suavizar a situação.
Se sairmos vivos desse almoço, juro que levo esse garoto para Hollywood.
No momento exato em que eu pensava que estávamos entregando uma performance digna de um Oscar, Keven puxou meu braço. Meu sorriso congelou e se transformou em uma carranca desconfiada.
— O que você está fazendo? — sussurrei entre os dentes, ainda fingindo compostura.
Mas, para minha surpresa, ele apenas passou o braço pelos meus ombros e me puxou para mais perto. Aparentemente, Keven sabia ser romântico quando queria.
Limpei a expressão de choque do rosto e me recompus, voltando a encarar Bella e Petter com um sorriso confiante. Bella observou a cena atentamente antes de olhar para Petter e pegar a bolsa.
— Nos vemos em alguns dias — disse ela, com um sorrisinho misterioso.
Foi então que ela tirou de dentro da bolsa duas passagens aéreas e estendeu para mim. Inclinei-me para frente, fazendo com que o braço de Keven deslizasse do meu ombro e repousasse sobre o encosto da cadeira.
Na parte superior dos bilhetes, em letras elegantes, estava escrito: “Primeira Classe.”
Meu olhar foi das passagens para Bella, e depois de volta para as palavras. Arregalei os olhos. Era real.
Conseguimos.
Céus, primeira classe! Férias grátis! Eles acreditaram. Claro que acreditariam! Nossa atuação estava no ponto!
Eu mal conseguia organizar meus pensamentos, que vinham em alta velocidade, enquanto me virava para Keven com uma empolgação infantil. Abri os bilhetes e os agitei no ar, como se fossem ingressos dourados da Fantástica Fábrica de Chocolate.
Keven, claro, parecia tentar ignorar completamente meu entusiasmo.
— Ótimo. Viva nós — disse ele, com o tom mais desanimado da história. Ainda assim, levantou a mão e fez um aceno sarcástico, zombando do meu teatro.
Antes que eu pudesse reagir, cadeiras rasparam no chão. Bella e Petter se levantavam da mesa.
— É melhor irmos — disse Bella, ajustando a alça da bolsa no ombro.
Petter se inclinou e bateu levemente no ombro de Keven.
— Cuide dele, irmão!
Keven assentiu com a cabeça, numa expressão vaga, enquanto Petter pegava a mão de Bella e os dois saíam do Restaurante & Café com um ar de missão cumprida.