Capítulo 59 Ezequiel Costa Júnior Fiquei observando da colina, no alto da rua paralela, o desfile patético da limusine entrando no estacionamento do Bela 2. Aquela era claramente uma das muitas armadilhas que Yulssef ajudou a montar — e, ingenuamente dessa vez, achou que era dele o tabuleiro. — Ele está lá dentro? — perguntei, sem tirar os olhos do carro. — Tá. Idan Avelar entrou conforme o combinado. Os japoneses caíram direitinho — respondeu Mauro, ao meu lado, com o rádio ainda chiando. — Muito bem... — murmurei. — Então é hora de fazer as peças dançarem. Não lembro do Avelar, mas se diz que é de confiança, eu acredito. — Sim, fique tranquilo. Ele só estava de férias, passou alguns meses fora, mas definitivamente é de confiança. Em menos de um minuto, os nossos homens apareceram das sombras. Caminhões fechando a saída da rua. Homens saindo dos becos, dos telhados, de dentro do próprio clube. Eles estavam por toda parte. Quando Mauro passou a ordem, os nossos se
Capítulo 60 Ezequiel Costa Júnior A música no Bela 2 estava baixa, mas constante. Yulssef começou a servir os copos, com aquele sorriso escorregadio que agora me parece forçado demais. Os japoneses, tensos, aceitaram os brindes. Sentaram-se em nossos sofás, tentando parecer confiantes, mas o suor os entregava. — A primeira rodada é por conta da casa — anunciei. — Em homenagem à ousadia de vocês, por se meterem num terreno que não compreendem. Todos beberam. Eu bebi também, mas não a bebida deles, eu sabia o que tinha nela. Mauro foi bem específico: nada mortal, mas o suficiente para revirar estômagos e bagunçar sentidos. Após a segunda rodada, dois já estavam avermelhados, tremendo as mãos. Um terceiro tentava esconder que a respiração acelerava. Me aproximei do líder, o mais velho. Toquei o ombro dele, como um pai preocupado. — Diga-me, Tomodachi, qual era exatamente a intenção da visita? — S-só negócios... E-economia mútua... — ele murmurou, com a língua já
Capítulo 61 Ezequiel Costa Júnior Deixei a a Bela 2 e entrei no carro do Mauro. Vi que Yulssef ficou olhando, mas não me importei com o que pensaria. Não estou suportando olhar pra ele agora, então foda-se. Ao chegarmos em casa, avisei o Mauro: — Fique atento a tudo. Cada movimento, qualquer coisa fora do lugar. — Sempre estou, senhor — desci do carro. Subi os degraus devagar, observando o interior da casa pela ampla parede de vidro. Mariana estava ali. Linda, serena, rindo de algo que a psiquiatra dizia. Samira a acompanhava como uma sombra protetora. A cena me arrancou um sorriso que não consegui conter. Esperei a médica se despedir. Assim que a porta fechou, bati levemente com os nós dos dedos no batente. — Mariana. — Você demorou. Está tudo bem? Ela virou-se para mim, surpresa e com aquele brilho nos olhos que me desarmava toda vez. — Tudo ótimo. Apenas resolvendo alguns assuntos. Quer dar uma volta? Ela assentiu, curiosa. — Não está dando o
Capítulo 62 Mariana Bazzi Eu nem sabia que o coração podia doer tanto só por olhar. Mas doía. Doía como se tivessem me furado com cacos de vidro enquanto eu fingia que aquilo não estava acontecendo. Só que estava. Estava bem diante dos meus olhos. Sara entrou como se ainda pertencesse àquele lugar, ou melhor, a Ezequiel. Como se os dias que passaram, as cicatrizes que o Don deixou, não significassem nada. E o pior? Ela foi direto até Ezequiel, se jogando nos braços dele como se o tempo nunca tivesse passado. E ele... ele não a afastou. Fiquei paralisada. Aquilo não era justo. “É só um abraço”, repeti para mim mesma, tentando encontrar um sentido, uma desculpa, qualquer coisa que amenizasse a angústia no peito. Talvez ele só estivesse surpreso. Talvez quisesse manter as aparências. Talvez… talvez nada. Meu maxilar travou quando vi os dedos dela escorregarem pelo braço dele, como se o corpo dele ainda fosse território dela. E ele permitiu. Ele se virou para mim pouc
Capítulo 63Ezequiel Costa Júnior Fechei a porta do escritório atrás de mim e respirei fundo, sentindo o cheiro de madeira polida e lembranças distorcidas. Sara se encostou à escrivaninha como se o tempo não tivesse passado, como se ainda soubesse exatamente onde pisar pra me deixar desconfortável.— É verdade que você não lembra de nada? — perguntou com aquele tom que misturava curiosidade e ironia.A encarei com firmeza. — Não de tudo. Algumas coisas voltam em flashes. Lugares, nomes… sensações. Mas não o suficiente pra entender tudo.Ela sorriu, inclinando o corpo pra frente, como se compartilhasse um segredo. — Eu posso te ajudar, Don. Te lembrar de tudo. De nós dois.Ignorei a insinuação e fui direto ao ponto.— Não precisa, Sara — me afastei — Só me responde uma coisa. Aquele velho… o Ezequiel. É verdade que ele era meu pai ou não?O sorriso dela se desfez em um riso abafado, debochado.— Claro que não. Ezequiel nunca foi seu pai. Isso era só fachada. Uma mentira conveniente p
Capítulo 64 Ezequiel Costa Júnior Empurrei a porta do quarto com um suspiro mais pesado do que pretendia. Meus ombros estavam tensos, e a raiva de antes ainda martelava dentro do peito, mas quando vi Mariana ali, em pé, olhando pra mim com aqueles olhos grandes e desconfiados, algo dentro de mim afrouxou. Ela estava segurando alguma coisa — talvez uma escova, talvez só buscando algo pra manter as mãos ocupadas. Mas ao me ver entrar, o objeto escorregou de seus dedos e caiu no chão com um som seco. — Calma — falei, abaixando imediatamente. Peguei o que ela deixou cair e entreguei de volta, devagar. Mas meu olhar se prendeu no dela. Notei que ela olhava, com uma insistência muda, pra minha cintura. Mais precisamente, pra arma presa ali. A mesma que ainda não tive tempo de arrumar no coldre. — Está tudo bem? — perguntei com a voz mais baixa, tentando medir a tensão dela. Ela hesitou. Seus olhos foram da arma pro meu rosto, como se quisesse confirmar algo ali. Depois mor
Capítulo 65 Mariana Bazzi A água escorria pelos meus ombros, quente, contínua, tentando apagar a raiva e o medo que fervilhavam sob a pele, mas não conseguia. O som abafado de Ezequiel batendo na porta, chamando meu nome, me arrancava da tentativa de calma. Cada batida era como um lembrete incômodo de que ele estava ali e eu estava me escondendo, porque tinha medo. Medo de me machucar, de estar me enganando. Medo de que tudo isso não passasse de mais um papel no teatro da máfia — e que, no final, eu fosse só mais uma mulher na lista dele. Ele disse que não lembrava o que aconteceu com Sara. Mas e se lembrar? E se acordar um dia e tudo voltar? Ele mesmo falou que não era mais aquele homem… Mas se voltar a ser? Aquele homem antigo tinha várias mulheres. Quantas? Quantas antes de mim? Ele pode querer sua vida de volta. Ele dizia que queria só a mim. Mas por quanto tempo? A voz dele ficou mais alta, mais irritada, eu continuei no banho. A água continuava escorrendo
Capítulo 1 Mariana Bazzi — Nem acredito que é real... ainda hoje estarei livre desse lugar — sussurrei para mim mesma, com os olhos marejados ao encarar os papéis impressos e assinados sobre a mesa do escritório. Agarrei os documentos contra o peito como se minha vida dependesse disso — e, de certa forma, dependia. Saí quase saltitando entre as mulheres do cassino, com um sorriso no rosto, levando a pequena sacola com minhas poucas coisas. Guardei os papéis lá dentro com o cuidado de quem carrega um tesouro. Lágrimas escorriam, mas dessa vez eram de alívio. O presente de aniversário de vinte anos mais precioso que eu poderia receber: a minha liberdade. Hoje faz exatamente dez anos que fui vendida para esse cassino. Um acordo nojento de covardia, por quem deveria me proteger: meu pai. Mas não... hoje eu não queria pensar nisso. Hoje, eu voltaria pra casa. Veria o rosto da minha mãezinha de novo. Sentiria o abraço das minhas irmãs mais velhas. Subi as escadas desse infer