POV Amara
Desde que me mudei para o apartamento da Sabrina, minha vida ficou mais aconchegante. Passamos os dias dormindo, passeando no parque ou assistindo a filmes, e as noites trabalhando juntas.
Mas o alívio de ter um teto durou pouco, meu corpo não me deixava esquecer da realidade.
A gravidez já começava a marcar sua presença em cada detalhe: as roupas ficavam mais justas, meu quadril parecia se alargar a cada semana, e às vezes eu me pegava olhando no espelho sem reconhecer a mulher que encarava de volta.
O enjoo vinha sem avisar. Um dia, depois de eu vomitar no banheiro, Sabrina acariciou minhas costas com pena e disse, — Amara, você não pode mais sair para trabalhar, seu corpo não vai aguentar.
— Está tudo bem, isso é uma reação normal. Muitas mulheres ainda trabalham até pouco antes do parto.
— Mas...
— E precisamos de dinheiro, não é? O que ganhamos agora mal dá para comer, sustentar uma criança é outra coisa. — O dinheiro que eu ganhava à noite no bar estava muito longe de ser suficiente para garantir o futuro que eu queria dar ao meu bebê.
No fim, consegui convencê-la, e ela aceitou que eu continuasse trabalhando por mais três meses.
Eu prometi, só que o que ela não imaginava era que já consegui um emprego de faxineira em uma grande empresa com a identidade falsa.
Durante o dia, enquanto ela dormia depois do plantão, eu me transformava. Uniforme simples, cabelos presos e um crachá com o nome falso: Kamala.
O trabalho drenava minhas forças. A gravidez tornava tudo mais pesado: os passos eram lentos, as costas doíam, e o cansaço se acumulava como um peso preso aos meus ossos.
Dois meses depois, até respirar parecia exigir mais energia.
Naquela manhã, o erro aconteceu.
O corredor estava silencioso. Eu havia acabado de passar o pano, e a superfície brilhava sob as luzes frias do teto. Estava distraída, e esqueci de colocar a placa de “Cuidado, piso molhado”, pensando na lista de coisas que ainda precisava comprar para o bebê, quando senti meus pés escorregarem levemente.
Consegui me equilibrar, mas, no mesmo instante, Beatriz Argento passou por mim e não teve a mesma sorte.
O salto alto dela deslizou. O som da queda ecoou no corredor, seguido de um grito estridente. A bolsa voou para um lado, o celular para o outro. O corpo dela caiu de forma espalhafatosa, como se estivesse no palco de uma peça.
— Aiiii! Sua baleia, nem sabe limpar o chão! — cuspiu, com a voz carregada de desprezo, erguendo a mão de unhas vermelhas para me apontar. — Essa desgraçada me agrediu!
Vejo ela se esticar até onde o seu celular caiu e mexer nele de forma rápida e o levando ao ouvido. Poucos segundos depois, ela faz uma careta e começa a falar de forma chorosa.
— Bebê! Aconteceu uma tragédia comigo! Uma faxineira gorda e inútil me derrubou e eu estou muito machucada, eu preciso que venha me socorrer!
Ela desliga e todo o teatro se dissipou e só restou ódio no seu olhar refletido em mim.
O burburinho explodiu. Portas se abriram, rostos apareceram. Em segundos, havia um círculo de gente ao redor.
Eu levantei as mãos em sinal de defesa. — Foi um acidente, eu… — minha voz sumiu sob os murmúrios.
Beatriz se contorcia no chão como se estivesse quebrada ao meio. Uma ou duas pessoas se abaixaram para ajudá-la, mas ela afastou as mãos dramática, como se fosse intocável.
E então o som mudou.
Passos firmes, cadenciados, ecoaram pelo corredor. As conversas cessaram. Uma mão afastou um funcionário, depois outro, até que ele surgiu.
Killian.
Terno impecável, postura ereta, olhar que congelava o ar. Ele não precisou dizer nada para que todos se afastassem um pouco mais.
Seus olhos azuis varreram o ambiente, e pararam em mim.
Esse olhar pareceu durar um século.
Meu estômago se revirou.
Ainda bem que a máscara de limpeza que eu usava cobria metade do meu rosto.
— Killian!!! Olha o que essa mulher fez comigo! — Beatriz choramingou, estendendo o braço para ele como uma donzela em apuros.
Ele não respondeu. Apenas a pegou nos braços, e ela se aninhou como se fosse seu lugar por direito. Fingi que não me importava, mas o aperto no peito queimava. Era como se cada passo dele com ela me empurrasse para mais longe do que um dia eu já fui.
O círculo de espectadores começou a se dispersar, mas não sem antes me lançar olhares de julgamento. Alguns cochichavam, outros sorriam de canto, como se fossem espectadores de uma novela barata.
O supervisor do setor de limpeza surgiu com expressão dura.
— Kamala, olha só o que você fez! Ela é a esposa do CEO!
Tentei argumentar, — Foi um acidente… — mas minha voz tremeu.
— Está demitida!
Eu sabia que já não tinha mais chances, — Então, meu sa...
— Salário? Você ainda tem a coragem de falar em salário? Já é um favor eu não te obrigar a pagar indenização! Não pense que vai receber um centavo!
O ar parecia pesado, difícil de respirar.
Juntei minhas coisas, sentindo cada par de olhos me acompanhar até a porta. O barulho dos meus passos ecoava no corredor vazio, misturado ao som distante do elevador levando Killian e Beatriz para longe.
Quando saí do prédio, o vento frio da rua me atingiu, mas, junto dele, veio um alívio inesperado: ele não tinha me reconhecido.
Não havia olhado para mim como quem vê um fantasma do passado. E isso, por um instante, me permitiu respirar de novo.
A cidade seguia seu ritmo, indiferente à minha demissão. Mas, enquanto caminhava, a verdade caiu sobre mim como uma lâmina afiada: Killian não era apenas um nome no meu passado. Ele era o CEO daquela empresa. O chefe de todos.
Meu coração acelerou, não de desespero, mas de instinto.
Se ele estava no topo daquele prédio, eu precisava estar o mais longe possível dele. Não importava o salário, não importava o futuro instável. Melhor recomeçar do zero do que correr o risco de ser arrastada para a órbita de Killian outra vez.