Passei a noite sentada sozinha no banco gelado da igreja. Quando o dia finalmente amanheceu, voltei para casa atordoada.
Assim que entrei, dei de cara com os olhos vermelhos de Hugo, cheios de vasos rompidos. Ao ver meu vestido de noiva coberto de sangue, ele correu até mim, aflito, e me abraçou.
— Me desculpa. Ontem eu ia voltar pra te buscar. Mas sempre que eu tentava sair, a Helena surtava de novo. Eu juro que tentei, Vivi. Você acredita em mim, não acredita? — Ele continuou. — Ela só se acalmou agora. Eu estava me preparando para sair e te encontrar quando você apareceu... Você está bem?
— Estou bem. — Respondi com calma. — Não tem problema, Hugo. Eu entendo. Podemos deixar o casamento para depois. A saúde da Helena é mais importante.
— Você pensa assim mesmo? — Hugo ficou surpreso com a minha resposta e perguntou, com um ar de espanto.
— Claro.
Não culpo ele pela surpresa, e por perguntar duas vezes. Afinal, já discutimos isso tantas vezes.
Tanto Hugo quanto meus pais já tinham sugerido, com cuidado, que talvez fosse melhor não realizar o casamento, para não mexer com o emocional da Helena.
Mas por mais que insistissem, eu nunca desisti. Como se aquela cerimônia fosse minha última linha de defesa. Uma maneira de provar que eu ainda importava.
Mas agora, nada disso faz mais sentido.
Eu estava decidida em ir embora. Se tem casamento ou não, já não importa mais.
Dei um leve sorriso, peguei os ingredientes para o caldo que ele preparava e caminhei até a cozinha.
— Foi a Helena que pediu o caldo? Eu faço. Ela sempre gostou mais da minha sopa de tomate.
Hugo me viu acendendo o fogão com naturalidade, sem nenhum traço de raiva no rosto, e sorriu satisfeito.
— Vivi, ainda bem que você entendeu. A Helena está doente. A gente tem que mimar ela, e deixar ela feliz, para o nosso próximo casamento acontecer tranquilamente. — Ele veio até mim e me abraçou com carinho. — Com casamento ou sem casamento, eu sempre vou te amar.
Enquanto ouvia as palavras dele, senti um leve gosto de ironia. É engraçado. Por que o nosso casamento depende do humor da Helena?
Se fosse antes, eu já teria explodido, gritado, feito um escândalo. Hoje, só abaixei a mão, desliguei o fogo e despejei o caldo pronto na marmita.
— A sopa está pronta. Leva para ela logo.
— Vivi, você é tão madura. — Hugo me olhou e suspirou. — Fica tranquila, quando a Helena melhorar, eu vou te dar um casamento inesquecível.
As palavras dele eram lindas. Mas dentro de mim, não despertaram nenhuma emoção.
O último pingo de esperança que eu tinha por ele se apagou junto com o sino da igreja, à meia-noite.
Passei por ele, pronta para subir, trocar de roupa e arrumar minhas malas, mas dei de cara com meus pais na escada.
Eles carregavam a bolsa de maquiagem e o vestido da Helena.
— Por que você está subindo? — Minha mãe, aflita, me repreendeu. — Você devia estar fazendo a sopa da sua irmã! Ela ainda está no hospital, quer que ela passe fome?
— Se não fosse a sua irmã, você nem estaria viva depois daquele sequestro. Agora ela só quer tomar a sopa que você faz, e você se recusa? Como é que criamos uma filha tão ingrata? — Meu pai me lançou um olhar frio, e disse com a voz gélida.
De novo a mesma história.
Na época em que foram ao orfanato, meus pais me tratavam bem. Prepararam meu quarto com carinho, me levavam ao parque de diversão, compravam vestidos bonitos e bolos deliciosos.
Tratavam a mim e a Helena com o mesmo amor. Eu e ela éramos como verdadeiras irmãs.
Mas com o tempo, algo mudou. Não sei o que ela fez, mas o olhar dos meus pais para mim foi se enchendo de decepção. Até pararem de se importar por completo.
Cinco anos atrás, ela armou cuidadosamente um "sequestro". Ela contratou alguém para me sequestrar, e depois apareceu para me "resgatar".
Por me salvar, ela fingiu ter se machucado gravemente, e seu estado emocional passou a ser descrito como instável.
No começo, me senti culpada. Grata. Afinal, ela tinha "salvado minha vida".
Eu fazia tudo para agradá-la. Dava o que ela queria. Mesmo quando ela me xingava durante as crises de depressão, eu a consolava em vez de ficar com raiva.
Mas um dia, quando estávamos sozinhas e eu cozinhava para ela, Helena me disse sorrindo que o sequestro tinha sido planejado por ela. O objetivo era que todos sentissem que eu devia algo a ela. E assim, ela ficaria com tudo que era meu.
Desde aquele dia, passei a detestá-la.
Toda vez que tentava contar a verdade para os meus pais, ninguém me ouvia. E quanto mais tentava, mais distante eu ficava.
Até que um dia, Helena olhou nos meus olhos e disse, satisfeita:
— Viviane, a partir de hoje, você não tem mais pai e mãe.
Ela conseguiu. E eu perdi meus pais de novo.
— Senhores, a Vivi já fez a sopa. — Disse Hugo, interrompendo o interrogatório e me puxando de volta das lembranças.
Meu pai foi o primeiro a reagir.
— Vivi, finalmente está se comportando. Irmãs devem se amar. Só assim nossa família pode ser feliz. — O ódio em seu olhar cedeu espaço a um brilho de satisfação.
— Sim. Eu não vou mais disputar com minha irmã. — Sorri. — Ah, pai... a Helena não terminou o projeto de graduação por causa da saúde? Deixa ela usar o meu. Eu não me importo.
— Ótimo, ótimo! — Exclamou meu pai, sorrindo. — Assim é que uma irmã mais velha deve ser!
— Vivi, vem com a gente para o hospital. A Helena vai ficar muito feliz de te ver. — Minha mãe também concordou, animada.
— Está bom. — Sorri suavemente. — Vão indo na frente. Vou trocar de roupa e comprar um bolinho para levar.
Enquanto via as costas deles desaparecendo porta afora, me virei e subi as escadas.
Cinco minutos depois, deixei para sempre a casa onde vivi por dez anos.