Capítulo 6

Baldi e mamadi não estão falando comigo. Nos dias seguidos a bomba que caiu sobre suas costas, meu baldi quase não ficou em casa. Mamadi fez questão de fingir que eu não existia. Eles me culpam, é claro, pois com Kabir continuam falando sobre tudo, principalmente sobre os detalhes do casamento. Do nosso casamento. 

Estou sendo deixada de lado pelas pessoas que me colocaram no mundo. Apenas Kabir faz questão de me colocar dentro do assunto, mas somente quando todos estão dormindo. Meu primo me confessou que eles acham que eu o seduzi, que eu usei de artimanhas femininas para seduzir o homem que considero meu irmão. Dói muito que minha família, meu sangue, pense isso de mim, mesmo Kabir negando tudo e assumindo total responsabilidade. Mas ficou combinado entre eles que ninguém deve saber da gravidez.

A história contada é a de que nos apaixonamos, perdidamente, e que não podemos mais esperar para sermos um do outro. O casamento será rápido pois moramos na mesma casa, então não há o que questionar sobre isso. 

A lista de convidados foi feita sem minha opinião; as cores, comidas, músicas, sedas, tudo foi escolhido a dedo por mamadi. Kabir e baldi deixaram um orçamento milionário à disposição de Nivedita. Será o casamento do ano! Ninguém saberá que é tudo uma farsa, nem meus pais. 

Faltando apenas dois dias para a festa, alguns convidados começam a chegar. Mulheres da família, amigas próximas de mamadi, mulheres dos sócios de baldi, todas se alojam no segundo andar da casa para dar início ao Mehandi Rat. Uma profissional ensina como fazer os desenhos, e o que cada um significa, e então minhas mãos e braços são tomados por desenhos de henna feitos por cada uma das mulheres presentes. São arabescos que me protegem do mau-olhado, inveja, e deterão os maus espíritos que rodeiam os casamentos. 

São muitas mulheres falando ao mesmo tempo, comendo, bebendo e dançando em volta de mim. Mamadi é a melhor anfitriã de todas, sempre rindo e dando atenção a cada uma... menos para a própria filha. Estou sentada há horas, com os braços estendidos, sendo pintada por desconhecidas, e meu estômago ronca de fome. Ninguém quer saber que a noiva está com fome, o importante é cobrir cada parte da minha pele com a tinta escura. 

ㅡ Mamadi? ㅡ chamo e vejo suas costas arquearem, mas ela sorri quando me olha.

ㅡ Tik, luz da minha casa? ㅡ a ironia é clara para mim, mas sua fala carinhosa faz os olhos das matronas brilharem.

ㅡ Será que posso comer um bolinho? Ou um pouco de chai?

ㅡ A noiva não pode engordar, tik, se não o sari não fecha no grande dia! ㅡ ela sorri, mas vejo um toque de maldade em seu olhar ㅡ Faça jejum por hoje, ham... o chai fica para amanhã.

As mulheres concordam com ela e voltam para sua conversa. No decorrer do dia sou pintada, perfumada e adornada com inúmeras jóias, mas não me servem alimento algum. Já é quase madrugada quando vou para meu quarto, arrastando os pés de cansaço, a fome foi embora horas atrás, e a única coisa em que consigo pensar é em como irei dormir com tanta henna nos braços. Isso coça! Mas consigo apagar assim que deito minha cabeça em meu travesseiro.

No dia seguinte, os homens se juntam as mulheres para a continuação do Mehandi Rat. Grupos de dança e músicos se apresentam na sala, enquanto os convidados me entregam flores e presentes caros. Kabir não está em casa, teve de se hospedar em um hotel nesses últimos dias, já que o noivo não pode participar da tradição. É exclusivo da noiva. 

ㅡ Are baba! ㅡ um dos sócios de baldi exclama ㅡ A noiva não irá nos presentear com uma dança?

Todos na sala concordam e me incentivam animados. Sorrio e olho para baldi, que confirma com a cabeça, sem devolver o sorriso.

ㅡ Atchá! ㅡ bato palmas e levanto-me do chão, para alegria dos homens ㅡ Qual música sugerem?

ㅡ Main Vari Vari! ㅡ mamadi diz rapidamente ㅡ Você dança perfeitamente esta música, tik.

ㅡ Então será Main Vari Vari, mamadi. ㅡ digo, fingindo animação.

Todos aplaudem enquanto caminho para o centro da sala, e os músicos iniciam os acordes da música que mamadi tanto ama quando ajoelho no chão e faço a posição inicial da dança. Aprendi a coreografia desde pequena, pois ela sempre fez questão que eu fosse perfeita dançando todos os estilos. 

Quando a voz da cantora faz a primeira modulação no tom, minhas mãos se movem junto com meu pescoço, e começo a dançar. A música não pede sorriso, nem animação; é lenta, dançante de um modo sensual, e prendo os convidados com meu olhar concentrado e movimentos perfeitos por longos minutos. 

Danço uma música atrás da outra, até que sinto uma leve pontada na barriga, que vai aumentando quando continuo dançando para entreter os convidados. Quando a dor fica forte, ao ponto de escurecer minha visão, paro abruptamente e olho ao redor. Meu olhar se encontra com o de baldi, que está assustado e, rapidamente, corre em minha direção.

ㅡ Kali! ㅡ ele diz, nervoso, enquanto me ajuda a sentar no sofá ㅡ O que está sentindo?

ㅡ Baldi, está doendo. ㅡ sussurro em seu pescoço e ele me aperta em seus braços ㅡ Acho que me esforcei demais.

ㅡ Venha, vamos para seu quarto. ㅡ concordo e sinto meu corpo ser erguido por ele ㅡ Kali teve uma queda de pressão, peço desculpas em seu nome, mas ela precisa descansar. 

Um coro de vozes ininteligíveis chega ao meu ouvido, mas a dor é tamanha que não consigo entender. Baldi me deita em minha cama, lentamente, e limpa meu rosto com seu lenço. Ele me entrega um remédio para dor abdominal e me obriga a beber dois copos de água.

ㅡ Se esforçou demais dançando tanto, ham, deveria ter poupado energia para amanhã. ㅡ ralha, com a voz dura.

ㅡ Me perdoe, baldi. ㅡ sussurro e seguro suas mãos.

ㅡ Quem sabe um dia... ㅡ ele tira suas mãos das minhas ㅡ Agora descanse, amanhã é o grande dia. 

ㅡ Baldi. ㅡ chamo quando ele se vira para sair do quarto ㅡ Chukriá.

ㅡ Atchá, apenas descanse.

A porta do quarto é fechada suavemente, e logo adormeço.

♡♡♡

Sou acordada por vozes animadas e sinto a luz do sol invadir meu quarto quando alguém abre a cortina. 

ㅡ Are baba, tchalô! ㅡ mamadi diz puxando meu edredom ㅡ Está na hora de seu banho, tchalô, tchalô! 

Um grupo de mulheres, já adornadas, me espera na porta do quarto. Levanto com dificuldade e sou arrastada para o quarto de mamadi, onde a banheira está cheia com sândalos e outros sais. Entro devagar, agradecendo mentalmente pelo banho não ser feito com meu corpo exposto, e as mulheres se aproximam para entoar cânticos e mantras para a purificação de meu corpo. 

Mamadi esfrega minhas costas lentamente, enquanto canta baixinho, e, por alguns minutos, me permito imaginar que é o dia do meu casamento de verdade. Penso em Bennett, e em como sonhei que um dia seria ele a rodear o fogo sagrado comigo. Que seria ele a quem chamaria de marido o resto de minha vida. Fecho os olhos e o imagino com as vestes de noivo, sorrindo para mim ao recitar os votos matrimoniais. E me permito sorrir. 

Mas o sorriso logo morre quando a realidade j**a um balde de água fria em mim.

ㅡ Onde gostaria de escrever o nome de seu noivo, Kali? ㅡ uma amiga de mamadi pergunta animada, com o pincel de henna nas mãos.

Há uma tradição antiga, em que a noiva tem o nome do noivo escrito em henna em algum lugar escondido de seu corpo, para que o marido o ache na noite de núpcias. Sorrio tristemente e olho para minha perna.

ㅡ Pode ser na coxa? ㅡ digo, duvidosa.

ㅡ Que tal na barriga? ㅡ mamadi diz com a voz sarcástica ㅡ É um belo lugar para se guardar um segredo, não acha? 

Engulo em seco e concordo, as mulheres ficam alvoroçadas com a dica ousada de mamadi e se amontoam a minha volta assim que saio da banheira, mas ela me leva para o closet a sós. Troco de roupa no reservado, com os olhos de Nivedita sobre mim.

ㅡ Está feliz, Kali? ㅡ sua voz é cortante e me causa arrepios.

ㅡ Tik, mami. ㅡ sussurro.

ㅡ Então por que parece que está indo para a forca? ㅡ seus olhos são gélidos sobre mim ㅡ Está casando com o amor da sua vida, não? 

ㅡ Tik, mami. ㅡ digo novamente ㅡ Eu amo o Kabir.

ㅡ Are baba, eu também amo Kabir. ㅡ ela se aproxima ㅡ Mas você alega que o ama de outra forma, mas não demonstra em seus atos. 

ㅡ Baguan Kelie, mamadi! ㅡ exclamo, nervosa ㅡ O que está insinuando? Eu amo meu noivo! 

ㅡ Tik, tik, é o que veremos. ㅡ ela respira fundo e me dá as costas.

Sinto minhas mãos tremerem, e amaldiçoo as tradições que não me deixam ao menos ligar para Kabir. Nossos telefones estão com baldi, e não tenho mais ninguém para me abraçar e dizer que tudo vai ficar bem, que tudo vai dar certo. Respiro fundo, repetidas vezes, e coloco o maior sorriso que consigo em minha face antes de voltar para as mãos das mulheres.

O dia passa voando. Sou massageada e ornamentada por muitas mãos. Meu cabelo é preso em um coque elegante, que permite alguns fios soltos por meu pescoço. Uma maquiagem pesada, voltada para o dourado, é aplicada em diversas camadas sobre meu olhos. Meus cílios recebem um rímel que os deixa mais longos, e minha boca é pintada em um tom de marrom escuro, para combinar com a henna que cobre meus braços. 

Mamadi coloca o bindi centralizado em minha testa, entre minhas sobrancelhas. Meu piercing de nariz é de ouro, com uma pedra de diamante, a única jóia que é realmente minha. Em minhas orelhas e pescoço está o último lançamento da coleção da rede de joalherias de minha família. Foram desenhadas por Kabir. São camadas e mais camadas de pérolas brancas e negras, ornamentadas com ouro, dourado e branco. É um colar pesado, que vale milhões de dólares no mercado internacional. É um exagero, mas não posso me negar a usar. 

Meu sari é bordado com fios de ouro, nas cores dourado e marrom, com flores vermelhas, em alto relevo, espalhadas estratégicamente em lugares para dar a sensação de que há flores de verdade pregadas pelo tecido. Estou magnífica, é uma roupa digna de uma Maharani.

ㅡ Digna do nome que carrega. ㅡ mamadi diz atrás de mim no espelho ㅡ Uma verdadeira deusa.

Meu olhar se encontra com o seu e vejo um brilho de lágrimas em seus olhos. 

ㅡ Mami... ㅡ sussurro ㅡ Chukriá.

ㅡ Não me agradeça. ㅡ ela sussurra em meu ouvido ㅡ Por mim você ainda estaria na vala em que Aarav te encontrou. Agora sorria, e pareça uma noiva feliz e apaixonada. 

Ela me dá as costas e a equipe de fotógrafos se aproxima. Abro o meu melhor sorriso para os cliques que vem a seguir. 

A comitiva da noiva passeia pela rua com direito a cavalos e elefantes. Sou levada, dentro de uma cabine de madeira, por homens vestidos como sultões. As pessoas na rua jogam flores, e as mulheres da comitiva devolvem com rúpias. Música instrumental toca a todo momento, e as pessoas dançam e gritam desejos de felicidade por todo o caminho até o salão do templo. 

Sinto um frio na barriga quando ouço os gritos masculinos que antecedem a chegada da noiva ao salão. Sinto a cabine ser abaixada, lentamente, e então a porta se abre. 

Baldi aparece na minha visão, e vejo seus olhos brilharem com lágrimas quando me veem. Ele me estende a mão direita, e me ajuda a sair do pequeno espaço. Beija minha testa por alguns segundos antes de cobrir meu rosto com o véu transparente do meu sari. Caminhamos lentamente para o espaço dos noivos, que é dividido por um véu de seda dourada, e sento-me sobre enormes almofadas. Sei que Kabir está do outro lado do tecido, mas não podemos olhar um para o outro até que o sacerdote autorize. 

A festa se inicia e diversas atrações se apresentam para o entretenimento dos convidados. Há quase trezentas pessoas aqui, espalhadas por tendas de seda branca, elevadas por correntes de ouro. Milhares de flores vermelhas, verdes e douradas ornamentam cada parte do salão; sedas finas e bordadas pendem do teto, onde há bailarinas dançando agarradas a elas. Diversos candelabros iluminam o ambiente, alguns com velas, outros com lamparinas coloridas movidas a gás. E comida... muita comida. Um verdadeiro banquete, dos mais variados tipos de alimentos, tudo totalmente vegetariano. 

Mamadi circula ao lado de baldi, altiva, orgulhosa, triunfante com o casamento esplendoroso de sua única filha. Kabir é considerado um grande partido entre os jovens da alta casta indiana, e foi "fisgado" por mim. A fortuna continuará em família, a criança em meu ventre será herdeira de todas as ações da empresa, tanto de baldi, como de Kabir, e continuaremos no topo das famílias milionárias do país. 

A música para de tocar quando a comitiva do sacerdote entra pelas portas duplas do salão. Baldi anda calmamente em minha direção e me estende a mão esquerda, estendendo a direita ao mesmo tempo para Kabir. Ele nos puxa suavemente, até que damos passos em sua direção, e então nos vira de frente um para o outro.

Permaneço de cabeça baixa, até ouvir a voz do sacerdote que dá início a cerimônia de casamento. Então Kabir retira o véu que cobre meu rosto e, finalmente, podemos nos olhar. Ele está absurdamente lindo! Com um turbante dourado e vermelho sobre sua cabeça, e um bindi da mesma cor em sua testa, nem parece o menino nerd que cresceu correndo comigo pelos corredores da nossa casa. Meu irmão. Que está sacrificando sua felicidade para não me ver na rua da amargura. 

Uma lágrima solitária cai dos meus olhos e ele a limpa suavemente. A voz do sacerdote parece distante, enquanto prossegue com a cerimônia. Kabir sorri abertamente para mim, e ouço alguns suspiros de mulheres e jovens que conseguem ver a cena. 

É muito comum primos se casarem, então ninguém tem motivos para desconfiar que nosso amor não é verdadeiro. Porque é. Só não é amor carnal, mas é amor verdadeiro. 

ㅡ Eu te amo. ㅡ sussurro, olhando em seus olhos ㅡ Chukriá.

ㅡ Eu te amo mais. ㅡ sussurra de volta ㅡ Chukriá, Maharani... você está divina.

ㅡ Shiu! ㅡ baldi chama nossa atenção, discretamente.

Sorrimos um para o outro, cúmplices, e voltamos a ouvir o mantra entoado pelo sacerdote. As estátuas de Shiva e Ganesha, cada uma de um lado do altar, estão rodeadas de flores enormes e brilhantes, e muitos incensos são acesos neste momento. As pessoas ficam em silêncio, ouvindo o cântico de bênçãos e prosperidade que sai da boca do nosso líder espiritual. 

Ao nosso lado mamadi chega com uma bandeja de ouro cravejada de diamantes, no centro do objeto há dois colares de flores vermelhas e douradas. O cheiro das pétalas frescas enche nossos sentidos, é maravilhoso! Ela vai primeiro para o lado de Kabir, e ele pega um colar de flores; logo é a minha vez, e retiro o colar suavemente. O ritual da troca de colares é sagrado, assim como toda a cerimônia. Baldi se aproxima com uma bacia de prata, onde contém uma mistura de sementes de cominho e açúcar, e Kabir pega um pouco para passar no meu rosto. Sorrio com o gelado da mistura, e repito o gesto em seu rosto, que representa o amargo e o doce de todo casamento.

Por um momento a visão de Bennett enche minha mente, e o imagino no lugar de Kabir. Seus olhos azuis brilhando de felicidade, com o rosto sujo de especiarias, e seu sorriso com dentes alinhados... fecho os olhos com força e seguro a onda de choro que ameaça me tomar. 

O sacerdote amarra nossas mãos com uma corda e nos guia para as sete voltas ao redor do fogo sagrado. De mãos dadas, recitamos o juramento de matrimônio enquanto damos as voltas, que referem-se à terra, ao sol, à lua, e aos quatro planetas visíveis a olho nu, em agradecimento à Lei do Cosmos. No fim, Kabir pinta a entrada de meu cabelo com tinta vermelha. 

Sorrimos, com os olhos tristes um para o outro, enquanto os convidados soltam gritos e assovios, e a música recomeça. 

Estamos oficialmente casados. 

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