POV Kali
O nome dele era Rafael.
Eu o conheci na livraria, claro. Como se o destino tivesse decidido, num raro gesto de ternura, ser delicado comigo pela primeira vez em muito tempo.
Ele entrou como quem não queria muito, apenas uma distração ou talvez um abrigo breve do mundo lá fora. Vestia um casaco surrado, barba por fazer, olhos fundos de quem lia demais e dormia de menos. Passava os dedos pelas lombadas com reverência, como quem cumprimenta velhos amigos.
Era professor de história, descobri depois. Cliente novo. Silencioso, mas não ausente. Observador. Havia nele uma serenidade inquieta, como se soubesse demais sobre o passado e, por isso, pisasse com mais cautela no presente. Perguntava por autores que poucos pediam. Elogiava a vitrine com a timidez de quem não quer perturbar. Sempre carregava um mesmo livro de capa gasta debaixo do braço, a lombada quase descolando, o título mal visível de tanto uso. O mesmo exemplar, todos os dias.
Achei curioso e um dia, cedi à curiosidade.