Depois de um tempo na laje, o clima já começava a esfriar. O som ainda tocava, e as risadas continuavam altas, mas para mim já era hora de seguir meu caminho. Eu sabia que ainda tinha um assunto pendente para resolver, e quanto mais cedo eu lidasse com isso, melhor. Levantei da cadeira, peguei a chave da minha moto, me despedi dos chegados e desci até onde estava a minha moto, o GW já estava ao meu lado, só então montei na moto, liguei a mesma e desci a viela com calma. O vento no rosto parecia aliviar o calor do dia, mas o peso da decisão que eu precisava tomar estava presente em cada curva que eu fazia. Marcos era um infeliz. Já fazia tempo que ele estava me devendo uma grana alta, e eu sabia que não podia deixar isso passar. No meu mundo, dívidas não são só sobre dinheiro; são sobre respeito. E se eu deixasse ele escapar, seria como rasgar as regras que sustentam tudo o que construí até aqui.
Chegando perto da casa dele, cortei o motor da moto. A escuridão era quase completa, exceto pelas luzes fracas que vinham de uma janela aberta. Não precisei bater na porta. Um dos meus vapores, que já estava na contenção, se aproximou e sussurrou:
— Tá lá dentro, chefe. — Acenei e fui caminhando em direção a porta.
Entrar na casa do Marcos foi fácil. Um chute certeiro, e a porta cedeu sem resistência, abrindo para um ambiente desorganizado e carregado de tensão. A sala estava praticamente vazia, exceto por ele, que estava sentado em uma cadeira com os ombros tensos e o olhar fixo na porta, como se soubesse que seu destino já estava selado. Ao lado dele, no sofá, havia uma garota. De início, ela não parecia ter nada a ver com o caos que Marcos trazia para a própria vida. Loira, pele clara, olhos verdes que brilhavam de medo, e uma postura retraída, como se tentasse desaparecer naquele canto.
Minhas botas pesadas ecoaram pelo chão da sala enquanto eu observava os detalhes do ambiente. O som distante de panelas na cozinha indicava que alguém mais estava ali, mas eu ignorei. Meu foco estava em Marcos e no que ele me devia. A dívida não era pequena, e eu não saí de casa para ouvir desculpas esfarrapadas. Os vapores entraram logo atrás de mim, como sombras ameaçadoras, e o clima se tornou ainda mais pesado. Não demoraram a cercar Marcos, que começou a suar e gaguejar antes mesmo de alguém encostar nele. Mas isso não bastava para mim. As regras no morro são claras: quem deve, paga. E quem não paga, aprende da pior forma que não se brinca comigo. Enquanto meus homens davam os primeiros golpes nele, um barulho na cozinha ficou mais alto, como se alguém estivesse tentando criar coragem para intervir. A loirinha, sentada no sofá, parecia querer desaparecer ainda mais. Seus olhos me acompanhavam, cheios de pavor. Ela segurava uma almofada contra o peito como se aquilo fosse algum tipo de escudo. Eu reparei em cada detalhe dela. Não era como as outras que circulavam pelo morro. Ela tinha algo diferente, um ar de inocência que não combinava com aquele ambiente degradado. Por um instante, me perguntei quem ela era. Namorada de Marcos? Irmã? Mas a resposta veio rápido, no meio dos gritos de dor dele, quando confessou desesperado que ela era sua prima.
— Ela é virgem! Pode levar ela como pagamento! — Ele gritou entre soluços, enquanto os vapores o seguravam.
Minhas sobrancelhas se arquearam de leve, e meu olhar voltou para ela. A informação me interessava, mas não era só isso. Era a oportunidade perfeita para cobrar minha dívida sem precisar sujar mais as mãos. A garota começou a implorar, a voz tremendo enquanto dizia que não tinha nada a ver com aquilo. Chamou pela tia, que apareceu na porta da cozinha, se agarrou a ela e começou a implorar para ela a ajudar.
Peguei a garota e ouvi suas súplicas para não ser levada, mas não cedi. Não tinha como deixá-la ali. Se o desgraçado do Marcos já havia feito isso uma vez, quem garantia que ele não a entregaria a qualquer outro? Melhor ela comigo do que com um desses vermes que não pensam duas vezes antes de destruir alguém por um favor. No carro, ela estava encolhida, tentando entender o que estava acontecendo. Não dizia nada, mas o olhar de pavor falava por si só. Eu sabia que a situação era difícil para ela, mas as escolhas que eu fazia nem sempre eram fáceis — e eu também não tinha o luxo de me importar. Chegamos à minha casa, e, assim que desci da moto, puxei-a para fora do veículo. A garota tropeçou um pouco, mas seguiu comigo sem protestar. Abri a porta da sala e a soltei ali, no centro do ambiente. Ela ficou parada, olhando ao redor como se estivesse tentando decifrar onde havia acabado de entrar. Estava nítido que não fazia ideia de quem eu realmente era. Minha mãe apareceu no corredor, com a expressão de preocupação imediata.
— Dante? O que aconteceu? Quem é essa menina? — perguntou, com a voz baixa, mas firme.
— Um problema que eu resolvi, mãe. — Joguei as chaves na mesa de centro, tentando evitar perguntas demais.
— Resolver como? — Ela deu alguns passos para perto, o olhar se suavizando ao perceber o estado da garota. — Meu Deus, a garota tá tremendo...
Antes que eu respondesse, a garota finalmente soltou a voz, cheia de medo:
— Por favor, senhora, me ajuda... eu não quero ficar aqui...
Minha mãe se aproximou com calma, agachando-se na frente dela, ignorando completamente a minha presença.
— Ei, calma, minha filha, você tá segura agora — disse minha mãe, com a voz mais gentil do mundo. — Ninguém vai te fazer mal aqui, tá bem? A garota assentiu por um breve momento, mas a raiva só aumentava dentro de mim. Ela não podia confiar em ninguém tão fácil assim, não depois do que tinha passado.
— Mas que caralho! — exclamei, já sem paciência, a raiva transbordando da minha garganta.
Minha mãe não se intimidou, ignorou completamente minha explosão e, com um gesto suave, guiou Jade até o sofá.
— Não ligue para ele, venha. — Ela acolheu Jade com toda a ternura, e a garota, finalmente cedendo, se entregou ao abraço da minha mãe, chorando sem controle. — A propósito, me chamo Helena — minha mãe se apresentou, com uma voz doce e tranquila.
— Não quero que isso aqui vire uma bagunça, porra! — exclamei mais uma vez, meu estômago se revirando de raiva, mas minha mãe me ignorou novamente, como se nem tivesse escutado.
Ela estava sendo mãe, é verdade, mas era difícil ver a situação com a calma dela, não com o ódio que consumia meu peito.
Minha mãe então se levantou ligeiramente e me encarou com um olhar firme, mas cheio de dor.
— Você está agora se comparando a todos os outros marginais que existem no mundo. — A frustração na voz dela era clara, mas também havia uma preocupação que não conseguia esconder. — Não te criei para ser um traficante de seres humanos.
Eu não sabia o que dizer, mas a minha raiva estava tão grande que não consegui me calar.
— Eu não sou isso... — falei, tentando defender a situação antes que ela me acusasse de algo ainda mais grave.
Ela cruzou os braços, os olhos lacrimejando com o que estava presenciando, mas sabia que não conseguiria mudar o que já tinha acontecido. Não naquele momento. A raiva estava tomando conta de mim, então sem pensar duas vezes cansei de ficar ali, com o ódio me consumindo, acabei subindo para o segundo andar, eu não iria ficar me estressando ali porque a minha mãe resolveu que eu sou o vilão de tudo. Porque isso eu já sou e não é de hoje, sou um dos criminosos mais procurados do país, e nem por isso me tornei um filho da puta estuprador ou estava no tráfico humano. A verdade é que eu nem sei o que deu em mim, apenas sentir que deveria trazer ela comigo, se ele fez isso com ela me entregando o que ele não faria para outras pessoas piores que eu?
A raiva era tão grande que ao entrar no meu quarto dei um soco na cômoda, tirei a arma do coldre e coloquei sobre a mesinha de cabeceira, em seguida fui para o banheiro, precisava de um banho. Assim eu fiz tomei um banho e só quando acabei me joguei na cama e fiquei ali pensando em tudo, mas não conseguia dormir, então abrir a gaveta e peguei um cigarro de maconha e comecei a fumar para tentar aliviar a raiva que eu estava sentindo.