Episódio 03 — Falcão

O morro é a minha fortaleza, sempre foi, e não seria hoje que isso mudaria. Cada canto, cada viela, cada pessoa que vive aqui... tudo passa por mim. É minha responsabilidade, minha zona, e ninguém entra sem que eu saiba. Hoje mesmo resolvi tanta coisa para a comunidade. Desde os problemas de sempre, como falta de gás, até aqueles desentendimentos que, se não fosse eu para intervir, já tinham terminado em sangue.

Fora isso, ainda tem o churras pra ir mais tarde. É coisa simples, mas me ajuda a manter o respeito de quem vive aqui. Não é só comandar, tem que mostrar que eu tô presente, que eu cuido dos meus. Sempre cuidei da minha família, desde moleque. Isso é o que me mantém forte. Ver a molecada crescendo sem passar fome, as mães respirando um pouco mais aliviadas porque sabem que aqui a ordem é minha.

Agora, tem uma coisa que eu deixo bem clara pra todo mundo: nunca vou querer arrumar uma fiel. Esse bagulho de compromisso não é pra mim. Eu vivo sozinho, faço o que quero, com quem quero, na hora que eu bem entender. As putas que passo na cama sabem como é. Sem cobrança, sem apego, nada demais. É assim que gosto, é assim que vivo.

Meu foco é outro. O morro é prioridade. Não sou o tipo de cara que se distrai fácil. Aqui, onde cada erro custa caro, manter a cabeça no lugar é o que me mantém vivo. Enquanto isso, deixo os sonhos e os romances pra quem tem tempo pra isso. Eu tô aqui pra comandar, para manter a paz e a ordem.

— Filho? — assim que entro em casa, ouço a minha mãe chamar minha atenção.

— Fala aí, coroa. — digo assim que olho para ela.

— Você tem se arriscado tanto meu filho, porque não dar um tempo ou sai dessa vida? — pergunta, respiro fundo, e encaro ela.

— Não posso largar, é aqui que vamos viver até os últimos dias de minha vida, como eu já disse para a senhora, se quiser meter o pé com a Sophia, você pode ir, eu manterei seus gastos, faculdade dela paga, tudo eu vou manter. — seus olhos marejam.

— Eu não posso largar você sozinho aqui. — disse ela.

— Eu não estou sozinho, tenho o Faísca, o GW, e minha tropa. — sorrio, ela toca meu rosto.

— Não é a mesma coisa meu filho.

— Mãe, não se preocupa, eu sei bem o que estou fazendo. — digo olhando a mesma. — Agora vou subir que eu preciso tomar um banho que tenho que comparecer no churras na laje ali na casa dos chegados. — ela suspira e se afasta.

— Cuidado meu filho. — concordei com a cabeça e subir para o andar de cima.

Eu sei que minha mãe só quer me proteger. Ela vive preocupada, como se eu ainda fosse aquele moleque que corria descalço nas vielas. Mas o que ela não entende – ou talvez entenda e só não aceite – é que aqui no morro, eu sou o dono. O respeito que carrego é o que me protege, e mais ainda, tenho meus vapor sempre na contenção. Eles sabem que vacilo comigo não existe, e quem tá do meu lado também sabe disso.

Não sou santo, nunca quis ser. Sei muito bem o tipo de homem que me tornei. Sou o cara que coloca medo, que faz gente tremer só de ouvir meu nome. Não é porque quero, é porque preciso. Aqui, quem mostra fraqueza vira alvo. Eu faço o que tem que ser feito, e isso inclui nunca deixar um desgraçado vivo se me deve.

Dinheiro é sagrado. Não importa se é um trocado ou uma fortuna, eu recebo com juros e correções. E se não tem como pagar? Vai pra vala. Simples assim. Aqui, as coisas funcionam de forma clara: ou você j**a direito, ou tá fora do jogo. Não existe meio-termo, e eu faço questão de lembrar isso a todos.

Eu sei que muitos me veem como o diabo. Talvez estejam certos. Mas prefiro ser temido do que ser enganado. No meu mundo, confiança é uma moeda rara, e eu só deposito a minha em quem já provou que vale alguma coisa. E, mesmo assim, fico com um pé atrás. Afinal, todo mundo tem seu preço, e eu aprendi isso cedo demais. Meus pensamentos estavam aflorados, enquanto tomava meu banho, quando acabei me arrumei e sair do quarto, desci para o andar de baixo e encontrei a minha mãe assistindo, acenei com a mão e sair de casa. Tento não ser duro com ela, por tudo que ela passou, eu evito pra caralho ser alguém ruim, mas as vezes é só questão mesmo se mostrar para outras pessoas o meu verdadeiro eu.

— Chefe. — ouço o GW.

— Fala tu.

— Tem alguém devendo uma conta alta pra caralho. — disse ele.

— Quem é que está me devendo? — perguntei indo para a moto.

— O Marcos, aquele cara que mora perto da rua sete. — disse o mesmo, monto na moto e ele sobe na dele.

— Tu veio estragar a porra da minha noite já né, filho da puta. — ele rir.

— Queria não, mas é algo que você sabe que dever não é legal e tem que ser cobrado.

— Beleza, primeiro vou na laje dar um salve na rapaziada, ficar um tempo lá, e depois nós vai colar na casa dele para receber esse dinheiro. — digo sério e ligo a moto.

— Suave. — respondeu ligando a dele. Só então a gente seguiu para a laje. Hoje eu só queria um pouco de paz, mas parece que é impossível. Não tem um dia que eu consiga ficar tranquilo, sem alguma coisa pra resolver ou algum problema me rondando. Esse é o preço que se paga quando se é dono do morro.

Chegamos na laje dos chegados. O clima já estava animado, aquele som de pagode rolando ao fundo, risadas altas, e o cheiro de churrasco invadindo tudo. Estacionei minha moto com calma, desci, ajeitando o boné, e segui direto para as escadas com o GW ao meu lado.

Subimos no ritmo de sempre, sem pressa, mas atentos. Meu olhar varreu o espaço assim que cheguei ao topo. Cumprimentei uns conhecidos de leve, com aquele aceno de cabeça que já diz tudo. O respeito é automático. Cada um sabe o que deve fazer na minha presença: agir direito e manter a ordem.

Apesar do barulho, do movimento, minha mente ainda tava longe. O churrasco tava ali, mas eu sabia que a qualquer momento podia ser chamado, ou que algo fora da linha me encontraria. Não tem descanso pra quem carrega o peso que eu carrego. Mesmo assim, continuei andando pela laje, como quem sabe que cada passo seu deixa um recado: aqui o comando é meu. Fiquei mais um pouco na laje com os meus chegados, bebi um pouco, fumei alguns baseados, antes mesmo de ir atrás do meu dinheiro.

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