Há muito tempo atrás, eu vim parar de paraquedas aqui no Morro do Alemão. Eu não tinha onde morar e tive que vir morar com a minha tia. Ela sempre foi uma pessoa boa, me acolheu de braços abertos e, até hoje, continua me ajudando. Mas, mesmo assim, eu sentia que não pertencia a esse lugar. Não era só o barulho, a correria ou as histórias de quem vive aqui, era o peso de saber que a minha vida tinha mudado completamente. Eu não tinha mais a minha mãe, e isso doía.
Minha tia sempre foi rígida, mas no fundo, era o jeito dela de mostrar cuidado. Eu sei que ela faz de tudo por mim. Mesmo assim, às vezes, me sinto deslocada, como se fosse uma peça que não se encaixa no quebra-cabeça desse morro. Todo mundo aqui tem suas histórias, suas lutas, suas raízes, e eu... bom, eu estou só tentando me encontrar no meio disso tudo.
Eles me chamam de princesinha do morro. No começo, eu achava engraçado, mas, com o tempo, esse apelido começou a me incomodar. Não é como se eu quisesse ser diferente de todo mundo ou me sentir melhor. É só que esse rótulo faz parecer que eu não sou daqui, que eu sou de um mundo à parte. Talvez até seja verdade, mas não gosto que me lembrem disso o tempo todo.
Eu nunca fui a nenhum baile, nunca me envolvi com o tráfico, e tento levar minha vida do jeito mais discreto possível. Mas aqui, no Alemão, parece que todo mundo sabe quem você é, mesmo quando você tenta passar despercebida. E, pior ainda, parece que o dono do morro também sabe. Falcão. Só de ouvir esse nome, um arrepio percorre minha espinha. Dizem que ele é o próprio diabo, mas também falam que ele trata o morro com respeito. Eu não quero descobrir se isso é verdade ou não. Prefiro manter distância, viver minha vida sem atrair atenção demais. No fundo, só quero uma coisa: paz. Mas, nesse lugar, parece que até isso tem seu preço.
— Jade? — ouço a voz da minha tia me chamando.
— Oi tia, estou na sala. — aviso-a, estava sentada olhando o jornal, procurando algum tipo de trabalho, estou realmente precisando trabalhar.
— Estava vindo da rua, e na padaria da rua aqui embaixo, está precisando de alguém para trabalhar, já que você está procurando emprego, porque não dar uma passadinha? — disse ela, olhei em sua direção.
— Tudo bem tia, farei isso, afinal a gente precisa. — digo largando o jornal, me levanto e vou até ela, cumprimento-à comissão um beijo na bochecha. — O Marcos estava maluco hoje tia, procurando alguma coisa, eu não sei o que era. — digo e ela me olha.
— Esse menino, só me dar dor de cabeça. — ela gesticula com as mãos para cima, como se tivesse pedindo súplica a Deus.
— Não fica assim tia, acho que é apenas alguma coisa que ele perdeu e estava procurando. — digo para tentar acalmar ela. — Bom vou indo lá, ver se ainda estão precisando. — ela acena com a cabeça.
Saiu de casa, só então vou caminhando tranquilamente pelo mesmo lugar de sempre, não consigo ir por outros lugares, sempre que passo por qualquer lugar que os seguranças do morro estão, eles soltam piadinhas, não gosto muito disso, isso me deixa em agonia, é como se isso fosse uma provocação a tantas outras meninas que moram aqui. Acho isso meio desnecessário, mas sempre fazem de propósito ou porque gostam de me ver constrangida.
Continuei andando até chegar na rua da padaria, assim que cheguei em frente a mesma, subir os degraus da calçada e entrei na padaria, percebo que algumas pessoas ficam me olhando, acabo ficando um pouco envergonhada, mas sigo até o caixa, onde o senhor José está.
— Seja bem vinda, senhorita. — disse animado.
— Obrigada, senhor José. — respondo-o, sentindo a minhas bochechas queimarem de vergonha. — A minha tia acabou de chegar em casa e comentou que o senhor está precisando de pessoas para trabalhar, e estou procurando um emprego. — digo enquanto mexo com minhas mãos, estou um pouco nervosa.
— Realmente estou precisando, e hoje em dia, poucas pessoas querem realmente trabalhar. — falou um pouco cabisbaixo. — Se você quiser, pode começar amanhã mesmo. — olhei para ele, quase incrédula, uma imensa felicidade começou a percorrer o meu corpo.
— É sério? — perguntei e ele confirmou animado.
— Sim senhorita. Esteja aqui amanhã às seis da manhã, a padaria abre às seis e meia, então tem tempo de você aprender um pouco antes de começar. — disse gentil.
— Muito obrigada senhor José, estarei sim aqui amanhã, no horário marcado. — digo animada, realmente eu estou feliz por finalmente poder ter um emprego, a muito tempo estou procurando alguma coisa para trabalhar, e finalmente conseguir.
Me despedir do senhor José e sair da padaria, voltei para casa saltitante, afinal eu conseguir o emprego que eu queria, o que realmente precisava para ajudar em casa. O pouco que eu conseguir ganhar eu vou ajudar a tia, ela sempre me ajudou e cuidou muito bem de mim.
Só o Marcos que me olha atravessado a vida toda, e agora ele começou a se envolver no movimento, você se drogando e fazendo o que quer, só a tia que não ver, mas eu prefiro evitar que ela fique chateada comigo, porque sempre tem alguma coisa pra ela se preocupar. Não demorei muito assim que cheguei em casa, ouvir um barulho de algo se quebrando, corri para dentro o mais rápido que pude é assim que entrei, vi o Marcos tentando pegar a bolsa da tia.
— O que você está fazendo? — pergunto horrorizada.
— Não se meta, vagabunda. — gritou irritado, ele estava drogado.
— Larga a bolsa da tia, você está louco? — perguntei e ele riu.
— Eu só quero dinheiro para comprar mais drogas, eu preciso de mais. — gritou, a tia estava praticamente aos prantos ao ouvir e ver ele dessa forma, avancei em cima dele puxei a bolsa, mas ele era mais forte, ele me empossou sobre a mesa. — Quem você pensa que é sua vagabunda?
— Deixe ela em paz, Marcos. — gritou minha tia. — Você só me dar desgosto. — disse chorando.
— Essa vagabunda, mora dentro da nossa casa, come da nossa comida, não faz nada, e você defende ela? — ele empurra minha tia, ela só não caiu no chão, porque conseguir segurar ela, o mesmo conseguiu pegar um trocado que tinha dentro da bolsa. — Vocês se merecem. — gritou e saiu.
A minha tia ficou chorando, eu não conseguia entender como uma pessoa tão boa, se transforma da noite para o dia. Mas eu não deveria estar surpresa, afinal quem usa essas porcarias vivem assim. Tentei consolar minha tia, mas ela estava triste, magoada pelo próprio filho ser um encosto, e drogado, alguém que não merece uma lágrima dela.