Peter
Desde que minha mãe conheceu o Mark naquele aplicativo de namoro, um daqueles encontros que parecem coisa de filme mas que na vida real quase nunca dão certo, eu sabia que a história com o filho dele não ia ser fácil. Logan. Ele tinha toda a cara de ser complicado. Eu ouvia minha mãe no telefone, tentando ser discreta quando falava com as amigas, comentando sobre as brigas frequentes entre ele e o pai, sobre como ele não aceitava ver outra mulher ocupando o lugar que a mãe tinha deixado. Um lugar que não ficou vago por tragédia, mas por escolha. Ela simplesmente foi embora. Acho que é isso que mais dói, a ideia de ser deixado para trás por alguém que deveria te amar sem condições. Mark, como se não tivesse nada acontecendo, me mostrava a casa como se fosse corretor de imóveis. Ele apontava cada detalhe com um entusiasmo que eu não conseguia acompanhar. Eu tentava mostrar interesse, não só por educação, mas também porque, pra ser justo, o lugar era lindo. Meu quarto era quase o dobro do que eu tinha antes, com uma janela enorme dando para o quintal. Pela primeira vez em semanas, alguma coisa parecia boa. Não perfeita, mas boa. Aí meu estômago roncou alto, quebrando o silêncio e a formalidade do tour interminável. Mark ficou sem graça, tinha esquecido de pedir o jantar. A campainha tocou e eu fui atender achando que era o entregador. E foi nesse momento que vi o Logan pela primeira vez. Quer dizer, vi partes do rosto dele pelo menos. Ele estava na varanda, aos beijos com uma garota de cabelo escuro e rosto delicado. Alice, descobri depois. “Finalmente”, Mark falou atrás de mim, a voz exalando frustração. “Pedi pra você estar aqui quando eles chegassem. Isso é pedir demais, Logan?” Logan nem olhou direito pro pai, muito menos pra mim. Agiu como se eu fosse invisível. Eu dei um passo atrás, tentando não causar mais problema. “Você trouxe uma estranha pra nossa casa e quer que eu faça parte desse circo?”, ele disparou, parado na porta. Isso ia ser intenso. “Você sabia de tudo desde o começo. Eu tentei te incluir em cada etapa. Só porque eu vou casar de novo não significa que eu vou ficar sozinho pra sempre.” “Tanto faz”, ele respondeu, puxando Alice pra dentro com força. Mark suspirou fundo. A voz dele, que antes estava dura, virou quase carinhosa quando falou com a garota. “Alice, querida, hoje é só a família. Espero que você entenda.” Ela concordou, com um sorriso simpático, e saiu sem discutir. Eu percebi a irritação do Logan quando ela aceitou tão fácil. Ele parecia estar esperando uma briga, algum tipo de cena. Sem isso, a raiva sobrou e se voltou pro pai. “Isso não é justo. Ela é a única que tá do meu lado.” “E eu, Logan? Eu tô aqui, você só precisa deixar.” A tensão no ar era sufocante. Eu e minha mãe nos olhamos rápido, desconfortáveis, como se estivéssemos assistindo uma briga particular que não era nossa. Minha vontade era voltar pro carro e dirigir mais nove horas só pra fugir daquela sala. Mark tentou consertar a situação, como quem queria salvar o que já estava perdido. “Desculpem por isso. O jantar tá chegando.” E saiu para o jardim, provavelmente pra respirar. Pouco depois, Logan entrou na sala, olhou pra gente como se fôssemos intrusos e subiu as escadas sem dizer nada. Nem um oi, nem um gesto. Só o silêncio e o som duro dos passos raivosos ecoando pelos degraus da escada. Era a forma dele de dizer que a gente não era bem-vindo ali. E assim, o jantar foi um desastre. Logan apareceu, sentou à mesa com a cara fechada e respondeu tudo com monossílabos. Mark tentava puxar assunto, minha mãe, Sarah, sorria forçado, como se estivesse gravando propaganda de margarina, tentando desesperadamente passar uma imagem de paz. Mas todo mundo sabia que aquela mesa estava mais pra campo minado prestes a explodir. Quando acabou, fui pro quarto e tentei distrair a mente. Eu tinha prometido uma chamada de vídeo com o Liam, mas até isso eu esqueci. Meu cérebro estava em modo de sobrevivência. No dia seguinte, acordei com fome e desci pra cozinha querendo só tomar café em paz. Mas claro, o universo gosta de brincar com a gente. Logan estava lá. De costas, preparando o café como se fosse dono do lugar. E era. Meu primeiro instinto foi voltar pro quarto. Mas alguma coisa me fez ficar. Talvez orgulho, talvez raiva, talvez porque, querendo ou não, eu ia ter que conviver com ele. Era melhor pelo menos me apresentar formalmente, pensei. Cheguei devagar, como se estivesse diante de um bicho selvagem prestes a morder. Pelo olhar, tudo indicava que eu estava certo. “Bom dia. Eu sou o Peter. É bom finalmente te conhecer.” Estendi a mão, pronto pra ser ignorado. Mas ele olhou pra mim de cima a baixo, com aqueles olhos escuros e intensos, e pra minha surpresa, apertou minha mão. “Logan. Foi mal pela situação de ontem.” Foi só isso. Uma frase curta e a mão dele, grande e fria, na minha. Mas eu considerei uma vitória. A voz dele era baixa, quase rouca. O cabelo caía nos olhos, dando um ar meio pesado, e combinava com a energia que ele transmitia. E, por mais que eu detestasse admitir, ele era... apresentável. Logan usava o uniforme do colégio, uma jaqueta vermelho-escuro com listras brancas no braço e na manga, por baixo uma camiseta branca simples. Antes que eu pudesse responder ou puxar algum assunro, ele já estava subindo as escadas. Não era bem uma conversa, mas pelo histórico já era quase um milagre. Fiquei sozinho na cozinha, encarando uma meia torrada como se fosse algo mortal. O café queimava na garganta, ajudando a esquentar o corpo depois da frieza implacável do meu novo vizinho de quarto. Enquanto tomava meu café, ouvi buzinas lá fora. Olhei pela janela e vi Logan correndo até o carro da Alice. Eles se beijaram como se fossem protagonistas de um k-drama adolescente. Eu revirei os olhos, enojado e, talvez, um pouco fascinado. Era o tipo de beijo que faz você se perguntar se já viveu algo parecido. E eu não, definitivamente não vivi nada assim nos meus frustrados dezessete anos. Minha mãe apareceu atrás de mim, olhando por cima do meu ombro. “Que cara é essa?” “Esse garoto é esquisito”, respondi. “Ele só precisa de tempo. Logo vocês vão ser como irmãos”, disse ela, sempre otimista. “Eca, mãe. Por favor”, murmurei, largando a torrada e o resto de café. “Sem fome de novo?” “Só não tô com vontade.” Mentira. Eu estava faminto, mas não tinha energia pra lidar com ninguém. Subi pro quarto, passei pela porta do Logan com uma curiosidade irritante, e me joguei na cama. Coloquei os fones e deixei a música tomar conta, a única coisa que ainda fazia sentido. Mas, no meio das batidas, um pensamento me tirava do ritmo. Eu ia viver com esse cara. Dormir no mesmo teto, comer na mesma mesa. E o pior de tudo, eu não conseguia parar de pensar em Logan.