Peter
Março de 2022. Foi quando tudo virou de cabeça pra baixo. Não de um jeito trágico, daqueles que arrancam o chão debaixo dos pés com uma catástrofe, mas também estava longe de ser algo bom.
Minha mãe jurava que era para melhor. E talvez para ela tenha sido mesmo. Mas, para mim?
Definitivamente, não.
Era meu último ano do ensino médio, a reta final.
Eu deveria estar contando os dias para a formatura com meus amigos, planejando a viagem de despedida, aproveitando cada instante antes de dizer adeus ao colégio e à cidade onde cresci.
Em vez disso, eu estava dizendo adeus a tudo. Empacotando minha vida inteira e me mudando para outra cidade. Outro estado. Outro mundo.
A Califórnia.
Não importava o quanto minha mãe tentasse, aquilo nunca pareceu uma boa ideia. Ela falava de sol, praias, oportunidades, de uma vida nova que nos esperava.
E o que me deixava mais frustrado era que ela sabia. Minha mãe sempre soube ler os meus silêncios, mesmo quando eu achava que estava escondendo bem o que sentia.
Mas, dessa vez, a distância entre nós começou a pesar, e, ainda assim, ela insistia naquele otimismo irritante, como se o tempo fosse dar conta de tudo e curar aquilo que, pra mim, parecia impossível.
Eu, como sempre, obediente. O filho bonzinho. O que não dá trabalho. O que aceita sem reclamar as decisões dos adultos. Pelo menos, eu era assim.
Até agora.
Desde que ela anunciou o noivado com o tal Mark e decidiu que nos mudaríamos para San Diego, alguma coisa em mim… mudou. Passei a me sentir como um convidado de honra na minha própria vida, assistindo a um roteiro que não fui eu quem escreveu.
No dia da mudança, eu estava parado ao lado do caminhão de mudanças, com o Liam, meu melhor amigo, ao lado. O sol reconfortante de fim de tarde tinha agora o peso de uma despedida.
Nós dois estávamos com cara de quem ia ser enterrado vivo. Ele tentava ser forte, me dava tapinhas nas costas e forçava sorrisos em meio a piadas ruins. Eu? Nem isso. Só sentia o peso esmagador do momento.
Minha mãe se aproximou, com o rosto dividido entre tristeza e esperança, e pousou a mão no meu ombro.
“Está na hora, meninos.”
Não consegui encarar. As palavras ficaram todas presas na garganta. Só abracei o Liam com força, um abraço que era mais um pedido desesperado para não deixar tudo aquilo para trás.
Queria que aquele momento fosse infinito. O cheiro da jaqueta dele, o som da respiração, a sensação de que, por um instante, éramos só nós dois no mundo.
“Assim que chegar, me mostra tudo, tá? Manda fotos da casa, da praia, de tudo!”, ele pediu, tentando soar animado, mas a voz falhou, entregando a emoção.
“Te vejo em julho”, prometi, forçando um sorriso que não alcançou meus olhos. Era o nosso plano. Ele iria me visitar nas férias. Naquele instante, julho parecia uma eternidade.
No carro, encostei a testa no vidro e fiquei vendo ele ficar para trás. Primeiro a silhueta na calçada. Depois, o bairro. Aos poucos, tudo o que me era familiar sumia. A sensação era de estar indo embora de mim mesmo, de deixar para trás a versão de Peter que eu conhecia.
“Mãe, cadê minha mochila?”, perguntei, sentindo falta dos fones de ouvido. Eram meu escudo contra o mundo, o ruído que abafava o que eu não queria sentir.
“No porta-malas.”
“Pode parar o carro? Quero pegar meus fones.”
“Só na próxima parada.”
“Ótimo. Então vamos ficar em silêncio até lá.”
Sim, foi infantil. E eu sabia que a machucava. Mas era o máximo que eu conseguia dar naquele momento.
Ela suspirou alto, mas não deixou passar. “Entendo que você esteja chateado, mas isso não te dá o direito de ser grosseiro. Olha pra mim.”
Respirei fundo, engolindo a culpa, mas desviei o rosto, incapaz de encará-la.
“Eu sei que você não queria isso”, ela disse, firme e suave ao mesmo tempo. “Mas espero que, com o tempo, a gente encontre um equilíbrio. Eu continuo sendo sua mãe, e você sabe que eu jamais faria nada pra te machucar. Então, pelo menos, mantém o respeito.”
As palavras atingiram em cheio. Ela estava certa. Não tinha culpa por se apaixonar por alguém que morava longe. E eu não era mais criança.
“Desculpa, mãe.”
Ela sorriu de leve, e puxou um par de fones do porta-luvas. “Esqueci de colocar na mochila.”
“Obrigado”, murmurei, envergonhado, afundando nos sons da minha playlist favorita. A música virou a trilha sonora de um filme de drama, onde eu era o único espectador.
A viagem levou quase nove horas.
Nos primeiros quilômetros, até cantamos juntos, mas logo o tédio tomou conta.
Eu mandava mensagens para o Liam entre uma parada e outra, comentando coisas banais. Ela, concentrada na direção, carregava um semblante difícil de desvendar o que existia por trás. Mas parecia algo que ia além do noivado com o Mark.
Quando chegamos à nova casa, eu achava que não sentiria nada. Mas a realidade me deixou rendido ao que estava diante de mim.
A casa era grande, imponente, elegante. Janelas enormes, pé direito alto, e o jardim parecia ter saído de uma revista.
Eu nunca tinha vivido em um lugar assim. Minha mãe sempre tinha se virado sozinha, e agora tudo parecia artificial, como se não fosse nosso. Bom demais pra ser verdade.
Tudo aquilo porque o Mark, o noivo dela, era um empresário bem-sucedido. A diferença entre a minha vida de antes e essa era brutal.
Ela parou o carro na entrada e buzinou. Logo ele apareceu na porta com um sorriso largo, daqueles de comercial de pasta de dente de tão branco.
Eu já o conhecia de vista, das videochamadas ruins.
Eles namoraram à distância por meses.
Nunca tive tempo de formar uma opinião de verdade sobre ele, mas sabia que minha mãe não se entregaria a qualquer um. Mark devia valer a pena. Só que, naquele momento, eu não conseguia enxergar nada além da sensação de ser o estranho na cena.
“Seja bem-vindo, Peter!”, ele disse, animado, colocando as mãos nos meus ombros com uma naturalidade que me fez recuar.
“Obrigado por me receber”, respondi, sem saber onde enfiar as mãos.
“Agora essa casa também é sua.”
Minha mãe sorria, mas seus olhos procuravam alguém. Ela olhou para a porta, para a varanda, para os lados. A tensão se espalhou quando finalmente percebi.
“Onde está o Logan?”, ela perguntou antes que eu pudesse.
Mark hesitou, franzindo a testa. O sorriso brilhante de antes perdeu força. “Saiu com amigos. Me desculpem… não achei que ele fosse sumir justo hoje. Já mandei mensagem, mas ele não respondeu.”
“Está tudo bem. Ele só precisa de um tempo pra digerir a novidade”, minha mãe disse, tentando amenizar, mas a preocupação transbordava na voz dela.
Ela era fácil de ler para mim também, afinal.
Tentei quebrar o clima: “A gente vai entrar ou passar a noite no jardim?”
Eles riram, mas foi aquele riso educado e um tanto sem graça. Por dentro, eu já me preparava para o que estava por vir.
O filho dele, o verdadeiro problema e a parte mais incômoda dessa mudança, que nem tinha começado ainda.
Logan Brooks.