Peter
A primeira semana em San Diego foi... silenciosa. Mas não aquele silêncio gostoso de domingo de manhã, quando a gente acorda e tudo parece em paz. Era um silêncio pesado, sufocante, que parecia avisar que alguma coisa ruim estava para acontecer. O tipo de silêncio que se arrasta pelos cantos e faz a gente pensar duas vezes antes de falar qualquer coisa. Antes de sentir qualquer coisa. Logan era praticamente um fantasma. Um fantasma irritante. Ele surgia e desaparecia tão rápido que parecia estar sempre fugindo de qualquer contato. Eu o via mais refletido nos vidros da casa do que de frente. Passava por mim como uma corrente de ar frio, deixando rastros que eu não queria, mas acabava percebendo. Eu dizia para mim mesmo que não me importava. Repetia isso várias vezes. Mas a verdade era que me importava, sim. E isso me deixava mais irritado do que a própria indiferença dele. Havia algo no jeito como me ignorava que fazia minha pele coçar, como se fosse uma mistura de orgulho ferido com carência. Porque ver ele circulando pela casa, agindo como se eu fosse invisível, me incomodava demais. E o pior é que eu reparava. Reparava quando ele descia as escadas de cabelo molhado, a camiseta justa grudando no corpo e mostrando que ele passava mais tempo na academia do que na escola. Reparava no jeito como ele prendia a respiração quando passava por mim, como se até dividir o mesmo ar fosse um problema. Reparava na forma como tratava todo mundo com desdém, menos a Alice. E reparava, principalmente, no olhar dele. No jeito como me encarava, como se me odiasse. Só que às vezes o ódio parecia... outra coisa. Na escola, não era muito diferente. Mas aí aconteceu uma coisa inesperada. Conheci alguém. Uma menina asiática de cabelos pretos com duas mechas rosas veio direto até mim, com uma cara emburrada que, de algum jeito, não me pareceu ruim. "Você é o menino novo? Peter, né?" "Sou. E você?" perguntei, já que nunca tinha visto ela por ali. "Suspensão. Dei um soco numa líder de torcida." Ela falou como se fosse a coisa mais normal do mundo, o que me fez rir. "Me chamo Lina." "Peter. Espero nunca te irritar", respondi, estendendo a mão. Ela apertou, rindo também. Aquilo foi a melhor coisa que me aconteceu desde que cheguei. Na verdade, a única coisa boa. Nós nos grudamos como se já nos conhecêssemos há anos. Lina era esse tipo de pessoa que falava o que queria, sem se importar com a reação. Sobrevivia no colégio não pela popularidade, mas pela força de ser quem era. E eu gostei disso. A gente dividia algumas aulas, almoçava junto, e ela sempre me fazia rir nos momentos em que eu só queria quebrar alguma coisa. ... Mais tarde, peguei minhas coisas e fui em direção à saída, sentindo um alívio enorme. Foi quando vi Logan encostado no carro, conversando com Alice. Ela ria, os olhos brilhando. Ele se inclinava para perto, como se estivesse contando algum segredo, o cabelo caindo sobre os olhos e aquele sorriso de canto. Pareciam estar numa bolha onde só os dois existiam. "Vamos." Ele disse quando me notou, já abrindo a porta do passageiro. "Vamos para onde?", perguntei sem entender. "Pra casa. Meu pai pediu para eu te levar." Olhei para Alice, já no banco da frente, e percebi que não tinha escolha. Entrei atrás, tentando me encolher. Assim que ele ligou o carro, os dois começaram a se beijar. Não foi um selinho rápido. Foi daqueles beijos demorados, barulhentos, como se eu não estivesse ali, como se a garagem fosse só deles. "Dá para ir logo?" falei, tentando não olhar. Minha voz saiu mais aguda do que eu queria. "Estamos indo", respondeu Logan sem se afastar. A voz dele saiu rouca, baixa. Quando estacionamos, Alice saiu rindo, ainda ajeitando o cabelo. Logan ficou, olhando para mim pelo retrovisor, a mão firme no volante. "Você vai ter que se acostumar." "Com o quê?" perguntei, irritado e sem entender. "Comigo." Ele sorriu de canto e subiu, me deixando sozinho com o barulho do carro esfriando. O resto do dia foi um silêncio estranho. Vozes vinham abafadas do andar de baixo, mas eu não conseguia entender o que diziam. Na manhã seguinte, algo diferente aconteceu. Logan me parou no corredor da escola. Estava sozinho, sem Alice, sem amigos, sem aquela armadura que ele sempre carregava. Encostado no armário, cabeça baixa, como se não quisesse estar ali. Quando me viu, endireitou o corpo. "Peter." Eu congelei. Ele nunca tinha falado meu nome. Nunca tinha me cumprimentado. "O que foi?" perguntei, desconfiado. Ele olhou para os lados e deu um passo na minha direção. Só um passo, mas foi suficiente para eu sentir meu corpo reagir sem que eu quisesse. "Não fala pra ninguém que a gente mora junto." A frase saiu seca, direta. Mas o tom parecia quase um pedido. "Por que não?" Cruzei os braços. "Vai machucar seu ego?" O olhar dele pesou em mim. "Porque é melhor assim." "Melhor pra você", corrigi. "Melhor pra todo mundo." "Olha, Logan, eu não tô desesperado para sair contando por aí que a gente divide a mesma casa. Relaxa. Mas se você tem vergonha, aí o problema é seu." Os olhos dele escureceram, mas ele não respondeu. Só assentiu uma vez, firme. "Ótimo." E foi embora. Como sempre. Sempre indo embora antes de eu conseguir falar o que realmente queria. Em casa, o clima continuava igual: pesado, estranho, meio fingido. Minha mãe agia como se estivesse tudo bem. Mark parecia não notar nada. E Logan... continuava sendo Logan. No jantar, quase não abriu a boca. Cortava a carne como se quisesse matar alguém. De vez em quando, me lançava um olhar rápido, como quem espera a explosão de uma bomba. Eu evitava encarar de volta. Porque quando encarava... eu sentia coisas que não queria sentir.