Capítulo 58 – Isaac Aubinngétorix “Há dores que o tempo não desfaz. Apenas ensina a respirar por entre elas.” A casa dos meus pais nunca pareceu tão sufocante. As palavras malditas, cuspidas como veneno na mesa de jantar, ainda ardiam na pele. Minha mãe, de olhos duros, exigia explicações. Meu pai, com o cenho pesado, cobrava escolhas. E tudo o que eu conseguia pensar era em como, mesmo depois de tudo, eles ainda tentavam controlar minha vida como se fosse uma empresa mal administrada. — Isso é um absurdo, Isaac — meu pai disse. — Você se deu conta do que está fazendo com a sua reputação? Com o nome da nossa família? — Eu estou construindo a minha família agora — respondi. — Com ou sem a bênção de vocês. — E a Arlene? — minha mãe gritou. — Ela é sua noiva! — Ela nunca foi nada além de uma estratégia — cuspi com a voz firme. — E não vai mais se aproximar de mim. De nenhum de nós. Se insistir, terá que lidar com os advogados. O silêncio caiu com peso. Um silêncio que não era
Capítulo 59 – Maeve Jhosef “Antes do silêncio… vem a dor. E ela grita.” Eu não sabia quanto tempo fiquei ali parada. Talvez um minuto. Talvez uma vida inteira. O chão sob meus pés parecia frio demais. O vento, denso demais. Meu corpo, pesado demais para se manter ereto diante daquela verdade que, sem aviso, partiu tudo o que eu conhecia ao meio. Ezra escolheu morrer. Essas três palavras rasgaram meu peito com a ferocidade de mil navalhas silenciosas. Ele escolheu. E Isaac... Isaac sabia. O amor que me sustentava até então se dissolveu em névoa. Não porque deixou de existir. Mas porque agora ele ardia. E ardiam as perguntas que se amontoavam como destroços atrás dos olhos. Por que ele nunca me contou? Por que ele carregou sozinho esse fardo tão monstruoso? Por que me deixou mergulhar na culpa de acreditar que eu não fiz o suficiente, que não corri o bastante, que não o salvei? Minhas pernas cederam antes mesmo de eu perceber. Sentei na grama úmida ao lado da lápide, se
Capítulo 60 – Isaac Aubinngétorix “Algumas guerras só terminam quando se decide parar de sangrar.” Era estranho. Estranho acordar e não carregar mais sozinho o segredo que me consumia por dentro. Estranho ver Maeve ali, inteira… e ainda assim quebrada pelo peso da verdade que mantive escondida por tempo demais. Ela não me odiava. Mas a mágoa… era uma presença densa, constante, ocupando o espaço entre nossos corpos mesmo quando dividíamos o mesmo lençol. Eu a entendia. Porque, de todas as pessoas no mundo, ela foi a que mais amou Ezra. E ele… decidiu partir sem permitir que ela lutasse por ele. Agora estávamos aqui — eu, ela e o filho que crescerá dentro dela — tentando dar um nome novo para tudo o que restou. A gravidez trouxe uma urgência silenciosa para nossa realidade. Mudamos pequenas rotinas. Ela passou a comer em horários mais regrados. Eu passei a verificar três vezes se a escada tinha o corrimão firme. Mas mesmo nas pequenas coisas, havia um cuidado assustado,
Capítulo 61 Maeve Jhosef “Antes do sim, há o silêncio que antecede a coragem.” Eu não respondi naquele momento. Não com palavras. Mas com o peso do olhar que repousou no dele, dizendo: “Talvez... sim.” Ou talvez fosse só o medo dizendo que eu ainda não sabia como amar alguém depois da morte. Mas a vida — a nova vida — não esperava nossas hesitações. Era madrugada quando me sentei no chão do quarto, com a agenda de anotações aberta no colo e o coração descompassado. Não era um casamento qualquer. Era o início de uma história que ninguém imaginou que existiria. Eu e Isaac... E o filho que vinha como um novo elo entre dois mundos partidos. ** Contei primeiro para os meus pais. A notícia da gravidez já havia os transformado em guardiões discretos de mim. Mas quando pronunciei a palavra casamento, algo brilhou nos olhos deles — como se, enfim, vissem futuro onde antes só havia ruína. — Vocês vão se casar? — minha mãe, Helena, repetiu, como se quisesse ter certeza de que o
Maeve Jhosef Quando decidimos passar o resto da vida ao lado de alguém, não imaginamos que o “para sempre” venha carregado de reticências, silêncios e medos. Ainda mais quando essa escolha acontece depois da dor. Depois da morte. Eu e Isaac somos dois sobreviventes — do luto, da culpa, daquilo que nunca dissemos. Mas, de alguma forma, entre as ruínas de tudo o que perdemos, encontramos algo novo. Algo pequeno… que agora cresce dentro de mim. Olho meu reflexo no espelho. Minha mão repousa sobre a curva sutil que desponta em meu ventre. Ainda não é visível aos olhos apressados, mas eu a vejo. Eu o sinto. É nosso filho. O primeiro traço visível do amor que resistiu ao caos. Hoje será a primeira vez que o veremos. O som do seu coração, suas pequenas pernas talvez chutando de leve, sua existência pulsando em preto e branco na tela de um consultório. Um grão de esperança que já virou universo inteiro dentro de mim. Respiro fundo. Tento conter a emoção, mas ela me transborda mesmo quand
Capítulo 63 – Isaac Aubinngétorix “Alguns amores não fazem barulho. Eles apenas acontecem — como a respiração, como o tempo, como um milagre que ninguém ousa nomear.” Dois meses se passaram. Rápidos, intensos e suaves ao mesmo tempo. Como se a vida, cansada de tanto nos testar, estivesse finalmente nos concedendo trégua. Maeve agora caminhava com as mãos quase sempre sobre a barriga — um gesto instintivo, como se estivesse sempre protegendo o mundo inteiro. E talvez estivesse. Ali, dentro dela, pulsava uma nova vida. Nosso filho. Nosso começo. Havia um tipo de poesia em vê-la assim, todos os dias um pouco mais redonda, mais delicada, mais forte. Como se estivesse se transformando diante dos meus olhos, e ao mesmo tempo permanecesse ela mesma: selvagem, silenciosa, intensa. ** Decidimos nos casar no jardim dos pais dela. Nada grandioso. Sem listas de convidados intermináveis. Sem fotógrafos escondidos atrás de árvores. Apenas flores. Apenas o essencial. Apenas o que
Capítulo 64 – Maeve Jhosef "O amor verdadeiro não grita. Ele sussurra entre as dores, floresce no meio da ruína e permanece mesmo quando tudo o mais se vai." O dia amanheceu com um silêncio raro. O tipo de silêncio que não fere, mas embala. Que não pesa, mas acolhe. O vento dançava entre as folhas do jardim dos meus pais como uma bênção antiga, e as flores - ah, as flores... - pareciam mais vivas do que nunca. Talvez soubessem que estavam testemunhando algo que vai muito além de um simples "sim". Eu ainda me lembrava de tudo que perdemos. Ainda carregava os fantasmas. Mas, naquele dia, vesti meu vestido leve como quem veste uma nova pele. A pele da mulher que sobreviveu. Que amou e foi amada. Que caiu e levantou, mais de uma vez. Zola ajeitou meu cabelo com lágrimas nos olhos. Amanda não parava de sorrir. Minha mãe, ao me ver pronta, levou as mãos à boca e chorou como se me visse nascer de novo. E talvez visse. Quando caminhei pelo jardim, meus olhos só encontraram os
Epílogo – Anos depoisMaeve JhosefA vida acontece nas frestas.Não nos grandes gestos, nem nas palavras épicas que esperávamos dizer quando tudo passasse. A vida se esconde entre o vapor do café subindo pela manhã e o som leve da respiração de quem dorme ao nosso lado. Ela existe quando ninguém mais está olhando — quando o mundo desacelera o suficiente para que possamos ouvir o que está por trás do ruído.A vida acontece quando estamos distraídos.Quando as mãos se tocam sob a mesa da cozinha e o riso escapa sem que percebamos.Quando o medo já não dita o ritmo dos passos, e o amor, mesmo sem alarde, encontra lugar.Hoje, a casa cheira a lavanda e pão recém-assado.Noah Ezra corre pelo jardim com os pés descalços e o cabelo rebelde como os sonhos que cultiva. O avião de madeira — aquele que Isaac esculpiu numa madrugada silenciosa, entre o passado e a insônia — voa entre suas mãos como se tivesse vida própria.Ele ri.Um riso cheio, claro, que explode no ar como uma promessa quebrada