CAMILY

A minha vida inteira foi uma eterna comparação.

“Você devia ser como sua irmã.”

“Aurora vai ser médica um dia. E você? Vai acabar como uma qualquer.”

“Se eu soubesse que você ia fazer isso, nem tinha te emprestado o dinheiro…”

Foi ouvindo essas frases que deixei de ser a sombra da minha irmã perfeita para virar o que minha família chamava de vergonha. Passei a viver nas ruas com meus amigos até tarde da noite, cortei meu cabelo comprido na metade e pintei mechas roxas só pra provocar. Fiz uma tatuagem,“Viver é ser livre, livre pra viver”,gravada em cima de uma caveira com rosas vermelhas. A caveira era só pra irritar minha mãe.

Foi nesse estúdio de tatuagem que conheci Marco. Ele parecia perfeito. Me levava pras melhores festas, me buscava na escola, fazia todas morrerem de inveja. Ele era lindo. Perigoso. Viciante.

Mas depois de um ano, tudo mudou.

Ele conseguiu o que queria: minha virgindade.

Depois disso, eu virei babá pra ganhar uns trocados pra nós dois, enquanto ele passava os dias chapado na casa dos amigos. Começou a ficar agressivo. Me chamava de puta pela forma que me vestia. Até que desapareceu. Três meses. Nenhuma mensagem. Nenhuma explicação.

Quando voltou, parecia outro. Pálido. Mais forte. Olheiras profundas. Achei que fosse pelas drogas. A gente brigou. Foi feio. E então… ele me mordeu. E me deixou ali, naquele beco escuro. Abandonada. Achando que eu tava morta.

Mas eu não morri.

Pro azar dele.

E, sinceramente, pra minha tristeza também.

Desde então, ele vive me perseguindo, achando que ainda tem algum direito sobre mim. Tentei retomar minha vida um ano depois da transformação, mas ele apareceu de novo.

Numa noite chuvosa, ele me encontrou. Estava furioso. Disse que se eu não fosse dele, não seria de mais ninguém. Que estava na hora de “terminar o que começou”.

Me encontrei com meu melhor amigo. Depois de 1 anos. Mas foi só isso que consegui… um único encontro. Marco não o conhecia,achou que fosse um novo namorado ou algo assim. Eu tentei salvar o Luciano, juro que tentei. Mas não consegui… a fúria de Marco foi mais forte que a minha tentativa de protegê-lo. Luciano foi brutalmente assassinado. Por aquele desgraçado.

Depois era minha vez.

Eu só escapei porque Annabel apareceu. Ela segurou minha mão, encarou Marco, e num piscar de olhos, fez ele esquecer que me viu. Ele virou as costas e foi embora como se nada tivesse acontecido.

Annabel e sua família me abrigaram desde então.

Annabel tem um dom,fraco, como ela diz. Se encostar em alguém com um dom da mente, absorve o dom pra si e consegue manipula-lo. Quando solta, o efeito desaparece. Mas a prima dela… essa é um caso à parte. Tudo que ela absorve, mesmo a distância,permanece com ela pra sempre.

Eu achei incrível quando ela me contou.

Meu dom? Hipnotizar qualquer um com uma única palavra. Eu não fazia ideia de como controlar isso,até Annabel e seus irmãos, Stefano e Caitano, me ensinarem.

Os dois são uns galinhas incorrigíveis, então nunca dei abertura. Mas não posso mentir: os irmãos Esposito são irresistíveis.

Viemos pra Boston há alguns meses. Vamos abrir uma nova sede da Academia Esposito. Annabel será a diretora, eu vou ensinar hipnose, Caitano será professor de educação física, Stefano dá aula de história e o primo deles, Jonathan, música. Os outros professores ainda estão sendo contratados por aqui.

Pela primeira vez, sinto que pertenço a algum lugar. Que posso fazer diferença. Que posso ajudar outros como eu a serem melhores do que um dia eu fui.

Desço as escadas da escola e já escuto:

— Parece que nossa amiga está mais bonita a cada dia… ou é só impressão minha, irmão? — diz Caitano.

— Eu acho que você precisa de óculos, irmão. Nossa amiga é magnífica desde o primeiro dia. — Stefano sorri como um galanteador barato.

Reviro os olhos e rio:

— E vocês ficam mais safados a cada segundo que respiram.

Os dois levam as mãos ao peito como atores dramáticos:

— Ela feriu meus sentimentos, Stefano.

— Meu coração está dilacerado, Caitano.

Rio da idiotice deles.

Annabel entra como uma visão dos céus. Tão deslumbrante que parece ter saído de um filme…até abrir a boca:

— Vocês dois, seus merdas, vão trabalhar! Você, amiga, vem comigo antes que o pátio dessa escola desabe.

Quando saímos está tudo uma grande bagunça… Mas o caos no pátio nem me incomoda tanto.

Porque sinto.

Aquele olhar.

Não é como os outros.

É algo que penetra a pele, atravessa o peito, bagunça tudo por dentro. Algo bom. Puro. Onde me sinto segura.

Procuro a origem. Meus olhos se encontram com os dele.

Lindo. Intenso. Poderoso.

Naquele instante, minhas pernas tremem. Meu coração morto desperta. Minha respiração falha.

Na frente de todos, eu sei: é ele. O homem que minha alma escolheu.

Mas alguma coisa dentro de mim… grita.

Fuja.

Esse homem vai destruir tudo